Os estereótipos são muito bonitos para quem é preguiçoso. Para essas pessoas são simpáticos e, desde que confiem neles, não obrigam a que se puxe pela cabeça. Eles querem é ser aceites e ser vistos como verdades universais. Gostam de dizer que os italianos são bons é a defender, a jogar na retranca, e esta mania parece que não muda. São eles que insistem em rimar Itália com catenaccio, a palavra que manda jogar futebol sendo muito bom na defesa e ainda melhor no contra-ataque. Com anos e anos a ouvir esta história por todo o lado, é normal que seja estranho ver um italiano a puxar a perna atrás e a disparar um remate logo cinco segundos depois de a bola começar a rolar.

Até podia ter sido, mas Benassi não o fez por acaso. O jogo arrancou, o médio teve espaço, recebeu a bola e cá vai disto para acordar as mãos de José Sá. È vero? Sim, é mesmo verdade. Os italianos arrancaram a abrir e durante muito tempo aproveitam o ritmo a passo dos portugueses. A seleção bem tenta acalmar as coisas, fazer tudo devagar, ao início, quando tem a bola, puxando por William Carvalho e por João Mário para que cuidem dos passes. Mas não resulta. Os italianos são chatos no campo todo. Não ficam à espera do que Portugal possam fazer e tentam forçar os portugueses a errarem passes logo perto da área. A seleção treme e, por azar, quem mais o faz é quem tem o trema no nome.

E o azar de Raphäel Guerreiro é também o de ter Domenico Berardi no seu lado do campo. É para o canhoto que os italianos passam todas as bolas e a quem pedem que invente jogadas. O extremo não defende, deixa que os outros azzurrini — como lhes chama Andrea Pirlo, o “velhote” barbudo que joga na seleção dos graúdos — o façam por ele e fica à espera que lhe deem o sinal para começar contra-ataques. E Raphäel leva sozinho com as arrancadas, as fintas e as trivelas de Domenico. Como acontece aos 6’ e aos 21’, quando o italiano rasga a defesa com duas bolas cruzadas e a Portugal vale a sorte de ter José Sá na baliza para as intercetar. Primeiro é Belotti que remata, depois é o guarda-redes a esticar-se para pôr um travão na trivelada de Berardi.

A seleção nacional demora a habituar-se aos italianos. Perde muitas bolas, liga poucos passes e não consegue que Mané e Rafa, os dois que estão lá à frente, toquem muito na redonda. Raphäel continua a tremer até ao intervalo — aos 15’, até tenta atrasar a bola para as mãos de José Sá e quase acerta no poste da baliza. Sérgio Oliveira não ajuda o lateral esquerdo na defesa e Bernardo Silva demora a fugir dos adversários que o perseguem. Quando o faz, Portugal deixa de ser manso: 36’ leva a bola a passear durante uns segundos, para perto da linha do meio campo e isso confunde os italianos, que deixam um buraco à entrada da área onde João Mário vai espreitar.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

epa04813287 Italy's Andrea Belotti (R) in action against Portugal's goalkeeper Jose Sa (L) during the UEFA European Under-21 soccer championship group B match between Italy and Portugal at the City Stadium in Uherske Hradiste, Czech Republic, 21 June 2015.  EPA/GEORGI LICOVSKI

As mãos de José Sá pararam quase tudo o que os italianos fizeram para lhe tentarem marcar um golo. Foto: EPA/GEORGI LICOVSKI

O médio recebe a bola e pede a Sérgio Oliveira que, na esquerda, seja uma tabela. O capitão devolve-lhe um passe rasteiro, mas, perto da marca de penálti, o miúdo do Sporting não acerta com o remate na baliza. A jogada é das boas e o problema é ser a única que a seleção monta até ao intervalo. Não volta a conseguir abrandar o ritmo que os italianos mantêm rápido e ao gosto de Berardi, que ainda tem tempo para fazer um remate em arco, daqueles em jeito, à entrada da área, mas sai às mãos de José Sá. Os portugueses precisavam de ouvir das boas de Rui Jorge, mas, das duas uma: ou não ouviram, ou as palavras do selecionador não foram as melhores.

Porque a história repete-se e antes da segunda parte contar até 10 já Biraghi tinha cruzada desde a esquerda para a cabeça de Belotti rematar a bola à barra da baliza portuguesa. Depois os italianos fizeram tudo para se livrarem do tal estereótipo: sucederam-se os remates (Benassi e Battochio), os cruzamentos a pregarem sustos, as paradas de José Sá e os portugueses a verem jogar. A Itália punha mais rotação ao que fazia e isso percebia-se apenas pela derrota (2-1) que sofrera na primeira jornada do Europeu, contra a Suécia.

Pelo meio a seleção muda. Rafa sai para entrar Gonçalo Paciência, o único português que sabe o que é ser ponta de lança, e Bernardo Silva vai correr para os mesmos sítios onde corre no AS Monaco. O miúdo tem mais bola, finta mais e saca cartões amarelos aos adversários. Os portugueses melhoram um pouco, mesmo que rematar à baliza seja mentira. Quando o avançado do FC Porto o consegue fazer (bem por cima da baliza) o relógio vai nos 73’, já Belotti, depois de Zapacosta trocar as voltas a Raphäel Guerreiro, quase marcara e William quase saíra de jogo — o médio magoa-se, pede a substituição, passa uns minutos fora e volta ao relvado.

A seleção melhora no último quarto de hora, gosta do cansaço dos italianos e começa a ter a bola durante mais tempo. William, com ou sem lesão, já se arrasta um pouco pelo campo e os passes passam a ser mais diretos para os extremos. Iuri Medeiros tenta por duas vezes meter a bola no ângulo, com remates em arco, algo que Carlo Mané, aos 87’, quase consegue. Quando está para acabar, o jogo torna-se português. Os italianos parecem estar de rastos, encolhem-se perto da sua área e, durante uns cinco minutos, dão razão ao estereótipo. Ou Portugal obriga a que assim seja. Há livres, cantos e remates a baterem em italianos e a não deixaram as bolas chegarem à baliza de Bardi. Mas golos, nem vê-los.

Os italianos fizeram bem mais do que os portugueses para os conseguirem. Acabaram o jogo de rastos, com as meias em baixo, nos tornozelos, e a arfarem. José Sá impediu que, pelo meio, festejassem e as fintas de Bernardo Silva (homem do jogo para a UEFA) ou os passes certeiros de Sérgio Oliveira não chegam para ofuscar o guarda-redes português — foi graças a ele que, mesmo não ganhando, a seleção não tenha perdido o jogo. Os sub-21 passam a ter quatro pontos — são a única seleção que ainda não sofreu golos — e ficam a saber que basta um empate, contra a Suécia (quarta-feira, às 19h45, RTP1), para Portugal saltar para as meias-finais e agarrar-se ao que Rui Jorge quer: a qualificação para os Jogos Olímpicos. Que as mãos de José Sá continuem a não tremer, então.