Em breve o mundo vai deixar de ter problemas de transplantes porque será possível criar em laboratório órgãos de porcos geneticamente modificados para serem transplantados. Em breve, as máquinas vão tomar o controlo e evoluir tanto que vão fazer por nós tarefas quotidianas. Parece o mundo do futuro não é? Mas será que o ser humano quer mesmo isso?. A partilha de dados chegou ao extremo e a privacidade é um conceito que não existe na rede. Como será a sociedade daqui a cinco anos? As máquinas vão substituir o homem. O que pode acontecer ao nosso emprego? Será que há profissões de futuro?

No segundo evento offline, o Observador convidou para o debate seis mentes disruptivas para discutirem e darem os seus contributos enquanto artistas, empreendedores, visionários, cientistas, pessoas “fora da caixa”.

Celso Martinho fundou o Sapo em 1995, ano em que o mundo ficou maravilhado com a rede (web). Duas décadas depois, aquele que nasceu como um projeto universitário transformou-se num gigante de conteúdos e de serviços em Portugal. Trouxe o “powerpoint” no bolso, vulgo papel, para se apresentar como otimista e sonhador. Ao mesmo tempo que começa uma viagem no tempo, Celso Martinho analisa a sociedade em que vivemos. “Vivemos num mundo de dados. A Humanidade desistiu da privacidade”. E sublinha que tudo passa pela net. “Todas as empresas, negócios, qualquer empreendedor basicamente cria uma ideia e explora os seus negócios na base de dados”. “Esta é a matéria-prima da indústria digital”.

Uma indústria em constante mutação, que a cada dia se reinventa a si própria. A tecnologia passou a ser uma “commodity”, palavra inglesa para mercadoria. Atualmente “a tecnologia é estupidamente abundante”. O paradigma mudou. Tudo passa pela nuvem.

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E se há 20 anos, recorda Celso Martinho, “bastava ser programador”, agora a pessoas têm de “perceber de tecnologia”, mas têm também de perceber de “várias áreas”, saber interligar os conhecimentos. Caminhando pela tecnologia nesta viagem de regresso ao futuro, o empreendedor recorda que a investigação em inteligência artificial está a progredir a olhos vistos. Por exemplo, nos Estados Unidos, já se está a tentar produzir órgãos a partir de órgãos de porco geneticamente modificado. Celso Martinho fala ainda dos avanços que se está a ter na replicação do cérebro, para lançar a questão: “Será que estamos a criar inteligência artificial ao ponto de desafiar a humana?”.

De evolução em evolução, Celso Martinho chega àquilo a que considera uma “revolução”: os “makers”. Pessoas normalmente jovens, empreendedoras, “miúdos em garagens” que conseguem ter acesso a todas as matérias-primas necessárias e que “conseguem fazer coisas que só as fábricas conseguiam fazer”. Por isso, sublinha: “Grande percentagem da inovação não vem dos grandes fabricantes, mas de tipos em garagens”, que já não precisam do banco para ter dinheiro. Preferem financiar os projetos através de “crowdfounding”. E chega a vez de Pedro Lima, doutorado em robótica e professor no Instituto Superior Técnico. É amante da tecnologia e considera que a multidisciplinariedade é crucial para a robótica. Reconhece os avanços da sua área e já disse que gostava de ver robôs em casa como existem os computadores. Mas embora se apresente como um otimista, lembra que “há uma coisa importante. O lado da consciência social do impacto que os robôs”. A esse propósito recorda três leis fundamentais.

Educador por natureza, Pedro Lima recorda as Três Leis da Robótica de Isaac Asimov, para levantar a questão ética de toda esta revolução tecnológica em curso. Traz no bolso os exemplos do Monarch, “o gasparzinho do IPO”, ou o exemplo dos drones e dos robôs de busca e salvamento”, para sublinhar que “objetivos dos cientistas de robótica não é fazer máquinas que façam mal aos humanos”. Antes pelo contrário.

Dar sensibilidade à tecnologia

Noutro campo completamente oposto está Rudolfo Quintas. É artista plástico e usa a tecnologia como forma de expressão. Diz que “quando os artistas trabalham a tecnologia fazem-no no plano do sensível. Trazem para a tecnologia a dimensão do sensível”. E por incrível que pareça as tecnologias e metodologias que utiliza são semelhantes às utilizadas num dos melhores laboratórios do mundo: Harvard Medical School.

Nos Estados Unidos inspirou-se no processo de endocitose – processo através do qual as células absorvem nutrientes ou vírus. Usou câmaras para ver as células ao pormenor. Depois extraiu dados que usou para “produzir sons, gráficos, interação”. Nascia a escultura interativa “Absorption”, que reage e interage com o visitante. Criou os seus próprios algoritmos e, com a ajuda de outras indústrias, construiu uma forma de projetar a sua ideia, o seu sentir. Por isso, defende que os “artistas que trabalham no plano da tecnologia também ajudam a construir a tecnologia”. “Só sei que sem arte e os artistas o futuro tecnológico vai ser menos sensível.”

Somos nós que mandamos na tecnologia ou é ela que manda em nós?

Podia ter ficado milionário quando era adolescente e criou uma página dedicada ao Benfica. É o fundador da Quodis e sem ele o Observador não existiria. Leo Xavier recorda o tempo em que a internet apareceu e tudo passou a entrar e a sair de uma máquina. Hoje em dia, sublinha, o que está a acontecer é que as máquinas “mandam mais em nós do que nós nelas”. “Vamos ao escritório e é a máquina (computador) que tem a informação sobre o negócio. Ela é que nos diz o que temos de fazer”, diz Leo Xavier.

O CTO do Observador vai mais à frente e defende que se isto continuar a evoluir desta maneira, “mais dez ou menos 10 anos, o que é facto é que a máquina já pensa a médio prazo e aí temos questões mais profundas a debater”. Tais como o desemprego. Ainda estamos no início desta revolução, por isso ainda ninguém percebe quais vão ser os efeitos sobre os empregos. O mundo dos dados é tão vasto, diz Leo Xavier, que “quem melhor os souber processar, terá mais vantagens competitivas” no mercado de trabalho.

Numa abstração que para muitos pode parecer futurista, mas o futuro já é passado no que à tecnologia concerne, o programador partilha o seu ponto de vista e a sua curiosidade para o futuro. O que acontecerá ao mundo quando nos tornarmos “escravos das máquinas” e em que elas substituem o homem em trabalhos como atender chamadas num call center ou a construir carros. O programador deixa a questão para debate: será que vamos chegar ao ponto em que a tecnologia é tão barata e é possível produzir tanta riqueza que “teremos mais tempo para explorar coisas criativas e gozarmos mais a vida ou trabalharmos duas horas por dia. Será esse o futuro que nós queremos?”.

Nesta senda de futurismo tecnológico, Paulo Bastos, o primeiro ciberjornalista português é fã da tecnologia, considera-a quase como “uma prótese”, mas defende que a “tecnologia é neutra. Não é boa nem é má, é aquilo que quisermos”. Assistiu à grande mudança no paradigma do jornalismo em Portugal e fez parte desse movimento. Gosta de tecnologia e acompanha-a. Paulo Bastos diz que o “futuro não chegou mais cedo. O futuro está atrasado. Vivemos num permanente presente”.

Quem acompanhou a evolução e abraçou a revolução tecnológica foi Ana Neves. Mentora do projeto Cidadania 2.0, Ana Neves usa as redes sociais para melhorar a cidadania e a atividade social. Para que a sociedade tenha cidadãos ativos, a diretora da Knowman diz que são necessárias várias etapas:

.  informação: os cidadãos têm de estar informados. Ideia de dados públicos abertos.

. participação: como levar cidadãos a mobilizar-se. Exemplo de crowdfounding para financiar a Grécia.

. construção: a ideia de deixarmos de participar em algo de alguém para passarmos a ser criadores, no espírito de “makers”.

Ana Neves fala das aplicações de cidadania em código aberto e da economia de partilha para dizer que a “tecnologia não faz nada sem nós. Nós é que temos de olhar para ela e criar iniciativas interessantes para construir coisas melhores”.

Qual será a profissão de futuro?

Com o avanço da tecnologia e a utilização do digital o ensino tem sido obrigado a evoluir. Na plateia desta conversa surge a questão vinda da proprietária de uma escola privada que este ano vai ensinar programação como disciplina. Será que existe profissões de futuro para as quais possamos já preparar as crianças?

Começando por Pedro Lima, também ele um educador, a resposta vai mais no sentido da “multidisciplinariedade” do que na especialidade. Celso Martinho, por seu lado, sublinha que a “educação hoje em dia é em todo o lado. Em 2015, é razoável dizermos que temos múltiplos canais, formas, contexto em que estamos a aprender”. No entanto, defende, “educação formal da escola não se estar a adaptar ao futuro”.

O fundador do portal Sapo vai mais longe e diz mesmo que a questão importante não é se existem profissões de futuro, mas sim como devemos “preparar as pessoas do futuro”. Leo Xavier considera que as pessoas hoje em dia “não têm só uma profissão” e devem saber “cruzar várias áreas” do conhecimento. Por isso, Leo Xavier diz que gostava de ver nas escolas um ensino que promovesse, por um lado, uma maior “autoaprendizagem” dos alunos e, por outro, que tivesse em conta os gostos dos alunos: “Ninguém aprende sozinho sem gostar daquilo que faz.”

Pode ouvir a sessão completa nesta ligação.