Devolver os materiais ao ciclo produtivo. Como? Através da reutilização, recuperação e reciclagem dos resíduos e subprodutos agroalimentares, por exemplo. Fazer com que os ossos de animais e as espinhas de peixe se transformem em colagénio e o pelo em queratina aplicável à cosmética. Esta segunda-feira é disto que se fala na conferência que vai decorrer na Estufa Fria, em Lisboa – de “pôr a economia a circular”.

“É para tentar mudar o paradigma de uma economia linear, que é aquela em que temos vindo a viver, para uma economia circular, onde aproveitamos cada vez mais todos os nossos recursos. Para desta forma promovermos a competitividade e criarmos valor para a sociedade”, explicou ao Observador Luís Veiga Martins, diretor-geral da Sociedade Ponto Verde, responsável pela organização da conferência.

Na Estufa Fria, vão estar presentes o secretário de Estado do Ambiente, Paulo Lemos, o secretário de Estado Adjunto e da Economia, Leonardo Mathias e Stephanie Hubold, da Ellen MacArthur Foundation, fundação com sede no Reino Unido que se dedica à promoção da economia circular, entre outros.

Os recursos são cada vez mais escassos e a manutenção do modelo atual não é sustentável. Esta conferência pretende conivertribuir para esta transição para a economia circular”, adiantou Luís Veiga Martins, lembrando que uma garrafa de vidro, por exemplo, pode ser reciclada “infinitas vezes, sem perder qualidade”.

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Além de contribuir para um mundo mais sustentável, o modelo da economia circular apresenta-se como uma oportunidade para promover a competitividade e a utilização eficiente de recursos. “Queremos sensibilizar a opinião pública e os diversos agentes da sociedade portuguesa para a necessidade desta mudança de paradigma, para que depois cada uma das empresas possa dar um passo nesse sentido”, explica o responsável.

O tema surge numa altura em que a Comissão Europeia está a discutir novas metas para a reciclagem de embalagens. Neste momento, Portugal deve respeitar uma meta de 55%, ou seja, de todas as embalagens colocadas no mercado português, 55% têm de ser recicladas. Questionado sobre qual poderá ser a nova meta aplicada por Bruxelas ao país, Luís Veiga Martins diz que não há certezas, mas que “poderia apontar para cerca de 70%”.

Integrar para valorizar

É preciso encontrar soluções para os resíduos e subprodutos agroalimentares que são rejeitados, diz a professora Manuela Pintado ao Observador. Investigadora no Centro de Biotecnologia de Química Fina, da Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica Portuguesa, Manuela Pintado é um dos rostos por detrás do projeto “Valor Integrador”, que terminou a 30 de junho, e que pretendeu provar isso mesmo: que é possível valorizar os subprodutos de forma integrada.

No projeto, participaram 10 empresas, que forneceram resíduos agroalimentares, como sangue, pelo, osso e penas de animais, levedura de cerveja, gérmen de trigo, entre outros, às quais se juntaram investigadores da Universidade Católica, Universidade do Minho, Instituto de Ciência Biomédicas Abel Salazar (ICBAS) e da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto.

“Neste projeto, conseguimos obter ingredientes de alto valor. Do osso conseguimos extrair colagénio e hidroxiapatita, que são fosfatos de cálcio utilizados nos implantes ósseos. Do pelo, extraímos queratina, que pode ser aplicada na cosmética, e da levedura da cerveja, aproveitámos extratos de péptidos, que estão a ser estudados em humanos para o controlo da hipertensão. Quanto ao gérmen, estamos a tentar valorizá-los num estudo em humanos, para validar a sua eficácia como modelador da flora intestinal e atuar na prevenção de doenças crónicas”, explicou a investigadora.

Para Manuela Pintado, é importante resolver o problema das empresas que muitas vezes têm de pagar para se desfazerem de determinados resíduos, quando alguns deles podem ser reaproveitados. O soro do leite, por exemplo, já é reutilizado em alguns concentrados para desportistas, por ser rico em proteínas. Mas para que isto aconteça, é preciso que a quantidade de resíduos seja suficiente para criar valor – e tornar o modelo sustentável.

“Estes subprodutos têm custos elevados de logística, por causa de todo o transporte que implica. Por isso, é preciso que tenha uma escala suficientemente grande para que a solução seja economicamente viável“, conta, referindo que em Portugal não há nenhuma empresa que atue na transformação do soro. É uma empresa espanhola que recolhe o soro em diversos produtores e transforma-o em Espanha.

Apesar de Portugal ter produtores suficientes para gerar volume nem todos participam da iniciativa. Por isso, diz a investigadora, é preciso sensibilizar empresas e encontrar soluções que permitam integrar diferentes subprodutos que sejam compatíveis na estrutura.

“Se nós conseguirmos utilizar o mesmo processo de valorização para a levedura e para o soro, por exemplo, de forma integrada, conseguimos gerir os volumes mais facilmente para tornar a empresa de transformação mais sustentável, explicou a investigadora. A ideia seria ter em Portugal uma unidade que conseguisse conciliar processos integrados, transformar e valorizar subprodutos diferentes, que originassem ingredientes finais valorizáveis em várias indústrias.