As eleições autárquicas de 2013 mostraram que a música continua a ser uma aposta nas campanhas eleitorais, mas nem sempre a par com o bom gosto, como tão bem documentou a popular página de Facebook Tesourinhos das Autárquicas. Mesmo entre os candidatos a primeiro-ministro, os hinos das campanhas mais recentes deixam muito a desejar – basta lembrar, por exemplo, o Menino Guerreiro, da campanha de Santana Lopes em 2005 (adaptado de uma canção do brasileiro Gonzaguinha).

Na primeira metade da nossa história democrática, quando as campanhas arrastavam milhares de apoiantes em comícios e caravanas automóveis, os partidos gravavam marchas galvanizadoras e convidavam os artistas do momento para dar música aos eleitores. Lembramos aqui alguns dos hinos mais marcantes.

Os primeiros hinos da democracia

Um par de meses depois da Revolução de Abril e da fundação do PPD, Sá Carneiro chamou Paulo de Carvalho, vencedor do Festival da Canção em 1974, e pediu-lhe para compor um hino que exaltasse a democracia. Sem cobrar pelo trabalho, o cantor compôs aquela que é, ainda hoje, a canção mais emblemática do partido: “Paz, pão, povo e liberdade, todos sempre unidos no caminho da verdade.”

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Muito antes de recorrer a bandas sonoras de filmes nos seus comícios – a de 1492, com Guterres, e a de Gladiador, com Sócrates – , a campanha do PS nas legislativas de 1976 era acompanhada pelo seguinte refrão: «Nem capital nem ditaduras, / Nem monopólios nem torturas. / A vitória de uma vontade / Socialismo em liberdade».

No entanto, o hino oficial do PS é A Internacional, que é igualmente o hino do PCP. Também aqui se vê como sempre foi difícil encontrar consensos à esquerda em Portugal: a versão do PS teve a letra adaptada por Mário Soares, enquanto o PCP foi fiel à versão original do anarcossindicalista Neno Vasco, que no início do século XX traduzira este hino a partir do francês.

Versão do PCP Versão do PS
De pé, ó vítimas da fome!
De pé, famélicos da terra!
Da ideia a chama já consome
A crosta bruta que a soterra.
Mas cortai o mal bem pelo fundo!
De pé, de pé, não mais senhores!
Se nada somos neste mundo,
Sejamos tudo, oh produtores!
Bem unidos façamos,
Nesta luta final,
Duma terra sem amos
A Internacional.

Messias, Deus, chefes supremos,
Nada esperemos de nenhum!
Sejamos nós quem conquistemos
A Terra-Mãe livre e comum!
Para não ter os protestos vãos,
Para sair deste antro estreito,
Façamos nós por nossas mãos,
Tudo o que a nós diz respeito!
O crime de rico, a lei o cobre
O Estado esmaga o oprimido
Não há direitos para o pobre
Ao rico tudo é permitido
À opressão não estamos mais sujeitos
Somos iguais todos os seres
Não mais deveres sem direitos
Não mais direitos sem deveres
A pé, ó vítimas da fome
Não mais, não mais a servidão
Que já não há força que dome
A força da nossa razão
Pedra a pedra, rua o passado
A pé, trabalhadores irmãos!
Que o mundo vai ser transformado
Por nossas mãos, por nossas mãos
Bem unidos façamos,
Nesta luta final,
Uma terra sem amos
A Internacional
Não mais, não mais o tempo imundo
Em que se é o que se tem
Não mais o rico todo o mundo
E o pobre menos que ninguém
Nunca mais o ser feito de haveres
Enquanto os seres são desfeitos
Não mais direitos sem deveres
Não mais deveres sem direitos
Já fomos Grécia e fomos Roma
Tudo fizemos, nada temos
Só a pobreza que é a soma
Dessa riqueza que fizemos
Nunca mais no campo de batalha
Irmãos se voltem contra irmãos
Não mais suor de quem trabalha
Floresça em fruto noutras mãos

Em 1985, a Internacional passou a dividir o panorama musical comunista com a Carvalhesa, um tema instrumental transmontano encontrado no “Cancioneiro Popular Português” de Michel Giacometti. Como conta Ruben Carvalho neste texto, o objetivo inicial era animar a campanha para as legislativas desse ano, mas o tema transformou-se também num autêntico hino da Festa do Avante.

Em 1976, o CDS teve o seu primeiro hino, com letra de Alexandre Souza Machado e música de Rui Guedes (o pianista que ficou famoso na “Cornélia” e que apresentou o programa do Topo Gigio). “Vem connosco, amigo, vem / Vem viver a liberdade”, assim começava o hino, que perdurou até à decada de 90, quando Manuel Monteiro encomendou um novo hino à cantora Dina.

Presidenciais de 1986: Soares vs. Freitas

Nas eleições presidenciais mais disputadas de sempre, a música também fez parte da disputa. Rui Veloso esteve do lado dos que achavam que Soares era fixe, e gravou o Rock da Liberdade, com letra de António Pedro Vasconcelos. Soares chegou a Presidente e o single chegou a Disco de Prata.

Do outro lado da contenda, os apoiantes de Freitas do Amaral cantavam P’rá Frente Portugal. A canção tinha letra de Torquato da Luz, música de Rui Ressurreição e arranjos de Thilo Krassman, e contava com a participação do Coro de Santo Amaro de Oeiras.

PráFrentePortugal

O tema original da campanha de Diogo Freitas do Amaral não está disponível online, apenas foi possível encontrar uma adaptação feita para a campanha do seu primo Paulo Freitas do Amaral à Câmara Municipal de Oeiras, em 2013.