A Alemanha tem uma maneira diferente de lidar com pedófilos que pretendam controlar os seus impulsos. Há um projeto alemão que incentiva os homens sexualmente atraídos por crianças a procurarem terapia, assegurando que os psicólogos não vão reportar às autoridades possíveis abusos sexuais cometidos.

O Projeto de Prevenção Dunkelfeld é uma forma de terapia cognitiva comportamental que pretende analisar comportamentos e tendências sexuais de maneira a delinear uma estratégia para evitar futuras situações de abuso. Entre os conselhos dados pelos psicólogos do projeto encontram-se dos mais simples, como motivar os pacientes a nunca estarem sozinhos com crianças, até aos mais difíceis de execução, como ajudar o paciente a compreender que contacto sexual com crianças nunca poderá ser consensual.

“Este tratamento tem sido muito doloroso. Tive que lidar com uma faceta minha bastante escondida, um lado meu que não gosto de pensar que tenho. É doloroso admitir que se é um pedófilo“, disse ‘Max’, um dos pacientes que se submeteu a este tratamento. Apesar de admitir que é sexualmente atraído por raparigas pré-adolescentes, entre os 6 e 11 anos de idade, Max nunca viu pornografia infantil, nem abusou alguém sexualmente.

“Quando eu olhava para uma menina costumava despi-la com os meus olhos. Eu achava nojento e dizia a mim mesmo: ‘Para com isto’ E todos os meu pensamentos desapareciam. Eu sentia-me enojado e com medo”, explicou Max à BBC, assegurando que estes pensamentos o atormentaram durante anos e que sempre teve clara noção de que necessitava de tratamento urgente. Participou em terapias de grupo durante 1 ano, três vezes por semana.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Deve um psicólogo esconder da sociedade um caso de pedofilia para proteger a vítima? 

Na Alemanha os especialistas não são obrigados a informarem as autoridades de abusos cometidos pelos seus pacientes. Aliás, é ilegal violar o principio da confidencialidade. Esta lei difere bastante dos outros países europeus. Portugal não é exceção: “Se o quadro clínico de um paciente for uma ameaça para a sociedade há uma obrigação moral e ética de denunciar o caso à autoridade”, explica o psicólogo Carlos Céu e Silva ao Observador.

“Tive um caso de um senhor, com um caso semelhante, que teve apenas 3 sessões comigo. Na primeira sessão estava recatado, não dando a entender a verdadeira situação. Mas foi-se abrindo à medida que ia ganhando confiança. Quando eu lhe falei da questão da responsabilidade e obrigação social nunca mais apareceu no meu gabinete”, exemplificou. Caso um paciente com tendência pedófila negue qualquer abuso sexual a menores, os psicólogos têm o dever de respeitar a vontade de integração social do paciente em questão: “Temos o dever de sigilo com esses pacientes. Apenas podemos comentar com outros técnicos para supervisão do paciente, e mesmo nesses casos somos obrigados a alterar certos detalhes que possam identificar o paciente”.

Quando confrontado com a realidade alemã, Céu e Silva foi direto: “Concordo. Não existem pessoas boas ou más, todos nós temos impulsos que conseguimos controlar. A diferença é que há pessoas que confundem o desejo com realidade e não conseguem controlar o desejo. Enquanto técnicos, temos o dever de levar qualquer pessoa que demonstre arrependimento a ajustar-se à realidade. Temos o dever de integrá-los”.

Mais de 430 homens iniciaram o tratamento proposto pelo Projeto de Prevenção Dunkelfeld. Desde que o projeto começou em 2005, mais de 5350 pessoas contactaram à procura de conselhos ou para reunir informações sobre as terapias disponíveis. Konrad explicou que os pacientes têm de preencher um questionário no inicio e no fim do tratamento.

A campanha até já tem spots publicitários na televisão. “Ama crianças mais do que gostaria? Agora já existe ajuda” e “ninguém tem culpa da sua inclinação sexual, mas todos são responsáveis pelo seu comportamento”, estão entre as frases que os videos explicam.