“Pelos vistos está a haver uma cimeira na mesa aqui à frente”. Ricardo Robles, deputado do Bloco de Esquerda à Assembleia Municipal de Lisboa, tinha razão. Durante largos minutos da sessão desta terça-feira, as movimentações do presidente da câmara e dos líderes das bancadas socialista e social-democrata foram intensas e resultaram em mais uma alteração à proposta de venda dos antigos terrenos da Feira Popular em hasta pública. Agora, nesse lote, 25 a 35% da construção terá de ser para habitação. E fica também excluída a hipótese dessa percentagem poder ser usada para fazer hotéis.

Numa sessão em que o tema dominante foi a Feira Popular, o PS, o PSD e o executivo camarário (socialista) afinaram pelo mesmo diapasão e responderam desta forma a uma preocupação que os moradores das Avenidas Novas já tinham manifestado. Na quinta-feira passada, na audição pública sobre o assunto em que só participaram nove lisboetas, o cidadão José Soares já tinha estranhado que a câmara destinasse “apenas 20%” da futura construção para casas. Esta terça-feira voltou a fazê-lo, tendo sido apoiado pelos partidos de esquerda, que exigiram à câmara e à assembleia mais tempo para se discutir este tema.

“A discussão foi muito insuficiente”, considerou o deputado bloquista José Casimiro, para quem “só a especulação imobiliária conta para a câmara”. Também Cláudia Madeira, de Os Verdes, classificou o acordo entre PS e PSD como um “conclave do Bloco Central” e propôs, à semelhança do BE, que a proposta voltasse à câmara para não se trabalhar “em cima do joelho”.

Tal acabou por não acontecer. A assembleia municipal aprovou, assim, uma recomendação com sete pontos em que, entre outras coisas, a percentagem mínima destinada a habitação sobe de 20% para 25%. À bancada social-democrata deve-se a introdução de um teto a esse parâmetro (35%) e a garantia de que essas futuras casas serão mesmo casas, — e não hotéis ou residências universitárias, por exemplo. Além disso, também por proposta do PSD, o comércio não poderá ocupar mais de 25% daqueles terrenos, com cerca de 144 mil metros quadrados de área para construção.

“Amanhã mesmo submeterei à câmara a aprovação destas alterações”, afirmou Fernando Medina, presidente da autarquia, garantindo assim que o processo pode avançar tão rapidamente quanto a câmara deseja. É que a assembleia municipal aprovou a venda em hasta pública dos terrenos, mas fê-lo apenas na condição de o município acatar estas mudanças. Algo que Medina, envolvido diretamente nas negociações desta terça, afiançou que seria feito.

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“Seria de todo cauteloso que uma proposta com esta importância fosse clara”, salientou Ricardo Robles, que propôs que a proposta fosse retirada, para voltar mais tarde “totalmente clara”. O deputado bloquista mostrou ainda dúvidas relativamente ao facto de o valor-base da hasta pública, situado nos 136 milhões de euros, não ser alterado, apesar das mudanças. Na resposta, Medina afirmou que “não se justifica” uma alteração dos valores e preferiu salientar o “trabalho em conjunto” que conduziu a este desfecho.

Aos jornalistas, Fernando Medina disse estar “muito satisfeito” com o acordo alcançado com o PSD e com a aprovação da hasta pública, salientando a importância de haver a “maior convergência possível” nesta matéria. Repetindo uma ideia que já sublinhara na reunião, o autarca referiu que a limitação do comércio a um máximo de 25% tem como objetivo “dissuadir a construção de grandes shoppings, que não é do que a cidade precisa”.

A “ferida aberta no centro da cidade”, como têm sido apelidados aqueles terrenos, tem agora caminho livre para ser sarada, apesar de tanto moradores da zona como os partidos da oposição acharem que se discutiu tudo demasiado depressa. Modesto Navarro, deputado comunista, referiu-se mesmo ao futuro daquele espaço como “feira dos ricos”, por se prever já que o local vai ser ocupado por habitação e serviços destinados a uma classe alta. “O resto é conversa e a pressa para despachar o assunto”, rematou.

A Câmara Municipal de Lisboa conta vender os terrenos da antiga Feira Popular em outubro por pelo menos 135,7 milhões de euros. A grande fatia do espaço destina-se a escritórios de grande dimensão e a serviços, o que tem motivado intensos contactos da autarquia com investidores internacionais. Além disso, está previsto o prolongamento da Rua da Cruz Vermelha entre as avenidas 5 de Outubro e da República e a criação de espaços verdes. Já o futuro parque de diversões da cidade, há muito prometido, não tem ainda localização anunciada.