Lisboetas e turistas têm em comum, na ponta da língua, o elogio à luz de Lisboa. Poetas, pintores e fotógrafos inspiram-se nela para a criação de inúmeras obras de arte. Diretores de fotografia arrastam cineastas para filmarem na capital portuguesa. O que é que a luz de Lisboa tem de tão especial, a ponto de se ter tornado num ícone imaterial da cidade? A resposta vai estar num exposição que inaugura esta sexta-feira no Torreão Poente, no Terreiro do Paço.

“A Luz de Lisboa”, assim se chama a exposição concebida pelo Museu de Lisboa, vai reunir 45 obras de pintura, desenho, fotografia, cinema, vídeo, documentário e literatura. Mas já lá vamos. Primeiro é preciso passar pela vertente mais científica da mostra para compreender se há razões objetivas para o fenómeno “que cativa, que encanta e que leva as pessoas a terem consciência de que é diferente dos outros sítios do mundo”, disse ao Observador Ana Eiró, professora catedrática do Departamento de Física da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e ex-diretora do Museu da Ciência.

A co-comissária da exposição (a par do diretor de fotografia Acácio de Almeida) adiantou que não há propriamente um segredo, mas sim um conjunto de efeitos que, combinados, produzem este resultado especial. Ponto número 1: o número de horas de sol, privilégio da localização geográfica na costa atlântica sul da Europa. Além disso, como a cidade está virada para o rio, a sul, consegue muitas horas de sol a descoberto. O dobro de Londres, por exemplo.

Ramalhete de Lisboa - carlos botelho

“Ramalhete de Lisboa”, óleo de Carlos Botelho, 1935

“Por cima disto temos todo um conjunto de fatores meteorológicos que vão determinar as condições que permitem, ou não, ter dias claros, límpidos, sem nebulosidade”, explicou Ana Eiró. O facto de Lisboa ter quase sempre vento, por causa dos anticiclones que se situam sobre o Oceano Atlântico, contribui para a limpar o ar. “Isso ajuda à clarificação dos dias, o que permite a observação da outra margem com uma nitidez incrível”, lembrou a docente.

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Mas nem tudo se deve à sorte. O tipo de materiais de construção que predomina na capital, como o calcário, e as casas pintadas com cores claras e quentes refletem a luz. As superfícies em azulejo e a calçada portuguesa também fazem um efeito de espelho. “E depois a água do Tejo”, acrescentou Ana Eiró. Junte-se a tudo isto a topografia da cidade, com as suas colinas, e eis-nos perante um pôr-do-sol digno de filme.

Todos estes fatores são explicados no início da exposição. Depois da parte científica, os visitantes estão prontos para admirar as peças selecionadas, todas produzidas entre o início do século XX e a atualidade. Uma das mais antigas é “Ramalhete de Lisboa”, pintada em 1935 por Carlos Botelho. Há também obras inéditas, como é o caso da fotografia de Lisboa da autoria de Nuno Cera, escolhida para imagem principal da exposição, adiantou Joana Sousa Monteiro, diretora do Museu de Lisboa.

“Vamos ter uma pintura fantástica de Jorge Martins, que foi terminada em 1974 no exílio em Paris e que se chama ‘Lisbon revisited’, a partir do título de Fernando Pessoa. Este quadro não era visto desde os anos 90, estava em casa do seu colecionador até agora”, contou. Na vertente vídeo, será possível ver o documentário “As artes da luz de Lisboa”, preparado propositadamente para o momento pela Videoteca de Lisboa. Outra obra inédita cega pelas mãos de Acácio de Almeida. O co-curador que foi diretor de fotografia do filme “A Cidade Branca”, do realizador suíço Alain Tanner, vai mostrar “Mensagens de Luz”. “Ele costumava dizer que era o voo de um pássaro”, disse Joana Sousa Monteiro, sobre o vídeo de autor.

A literatura está presente do início ao fim, “desde excertos de poemas e de prosa nas paredes, onde de maneiras muito diversas a luz de Lisboa são chamadas à narrativa e à poética, até dois pontos de escuta de narrações de poemas inteiros”, adiantou a diretora. Haverá textos de Vasco Graça Moura, Mário de Carvalho, Eugénio de Andrade, o heterónimo pessoano Bernardo Soares, Fernando Assis Pacheco, Maria do Rosário Pedreira, Ruy Belo, António Tabucchi, Manuela de Freitas e Adília Lopes.

Pensada para todas as idades e com materiais em português e em inglês, “A Luz de Lisboa” pode ser visitada até 20 de dezembro. A entrada normal custa três euros.