A aposta está ganha na escolha do espaço para o novo Super Bock Super Rock (SBSR). O histórico festival de verão volta a ser urbano e pouco intrusivo, apesar de estar em frente à Gare do Oriente e ao Vasco da Gama, uma das zonas mais movimentadas da cidade — o que também é uma vantagem, pela facilidade de acessos. Não sentimos grandes dificuldades no trajeto e na chegada ao recinto, lá dentro a circulação fez-se de forma tranquila, as pessoas dividiram-se pelos vários espaços e nunca registámos confusões nem dificuldades de multidões para gerir. Embora a entrada neste primeiro dia tenha tenha gerado grandes filas e obrigado a medidas de improviso, agora que a maioria dos bilhetes (passes gerais) estão devidamente trocados por pulseiras, passará a ser mais fácil entrar no recinto.

O SBSR está agora localizado, como já aqui explicámos, de frente para o rio Tejo. Tudo o resto é urbanismo e arquitetura, um belíssimo cenário só estragado pela magnífica pala do Pavilhão de Portugal, a grande obra de Siza Vieira. Linda para ver, péssima para ouvir. Mas já lá vamos.

No final da tarde, os primeiros sons da banda australiana King Gizzard & The Lizard Wizard encheram o palco do Pavilhão de som psicadélico, enquanto o palco da Antena 3 recebia o músico português Duquesa. Um bom festival também se faz destes contrastes.

Meia-hora mais tarde (19h45), no Palco EDP, ainda a luz ia alta quando Perfume Genius entrou, lábios pintados de vermelho vivo, fato preto e sapatos altos. Ouviram-se muitos aplausos, mas a plateia em nada se comparou com o que vimos na última edição do Vodafone Mexefest — a sala grande do São Jorge esteve esgotada e com uma fila com centenas de pessoas à espera de vez. Terão sido essas, em número, as que estiveram ali para ver o norte-americano Mike Hadreas, que se calou à força ainda a meio da primeira canção porque, suprema ironia, o palco EDP ficou sem eletricidade (leia-se, sem som). Mais palmas para dar força e minutos depois, Perfume Genius regressou, simpático e sorridente: mas Mike Hadreas precisa da noite, não funciona de dia, perde-se a química. O ar fresco levou-lhe o perfume.

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Às 20h25, no salão nobre do SBSR (o MEO Arena), atuaram os quatro The Vaccines. A banda britânica foi capaz de cativar a metade da plateia que preencheu aquele recinto gigante, ouviu-se indie rock de inspiração punk que não engana ninguém, voz e guitarras a fazer (bom) barulho. Lá fora, na escadaria virada para o palco mais pequeno (Antena 3), o português PZ começou com a “Neura”, letras bem-dispostas e batida sólida. Vocalista, teclista e baixo, os três em palco de pijama. Foi uma graça que fez a plateia sorrir.

Os suecos Little Dragon inauguraram a noite (21h15) no palco EDP e, se por um lado ganharam com a luz artificial, perderam com a qualidade do som. Aliás, foi a partir deste espetáculo que se notou aquilo que nos pareceu ser uma relação direta: aumenta o volume, aumentam os problemas. A má qualidade do som agride os ouvidos e denigre os artistas, valha-nos a memória que guardamos dos temas com o som limpo, a única maneira de ouvir (imaginar) o que estava a ser tocado. Um exercício cansativo e frustrante.

O quarteto Gotemburgo deu o que tinha para dar. São quatro excêntricos, Yukimi Nagano é uma vocalista exótica, tem uma grande voz e em palco move-se ao ritmo da música com elegância. São uma banda treinada, capazes de fazer do espetáculo uma sessão contínua de dança, nem que isso inclua a subida dos músicos para as colunas de palco. Foi o que fizeram, bastou-lhes desfilar os hits do último “Best Of”, mais não se pedia. Foi pena, uma vez mais, que o efeito atmosférico de algumas canções tenha sido destruído pelo eco amplificado (ou mal compensado) produzido debaixo daquela pala. Ainda assim, foram muitos os que se aguentaram ali, apesar do ex-Oasis estar a tocar no MEO Arena.

Foram cerca de quatro mil pessoas as que receberam Noel Gallagher e os High Flying Birds (21h50). Os mais fieis não saíram desiludidos, mas os outros também não terão ficado convencidos. As letras continuam no ponto certo, a força vocal está lá, mas a verve não é a mesma. Sentiu-se o esforço para ser mais eclético e continuar uma carreira a solo que sempre procurou outros sons para lá do que os Oasis tocavam. Mas só enche as medidas quando sai do experimentalismo sonoro para o conforto da pop escorreita e descomplexada.

A verdade é que, a espaços, Gallagher mostrou que é um músico talentoso, seguramente um dos mais dotados da sua geração. Mas não consegue – nunca conseguiu, na última década – demonstrar a diferença que pode fazer. E ficou sempre a ideia que é porque não se quer dar ao trabalho, porque o talento está todo lá. Os Oasis foram uma banda importante, ficou inscrita na memória e isso parece ter sido quanto baste, mas é apenas o caminho mais fácil.

De volta ao palco EDP (22h45) temia-se o pior. SBTRKT (lê-se “subtract”), o projeto do londrino Aaron Jerome, começou lento mas com a batida aumentaram o volume e o ricochete de som na pala, só na frente do palco ou lá atrás, já fora da estrutura, o som era minimamente suportável. O pior aconteceu mesmo, valeu o belo jogo de luz, como registou o fotógrafo Hugo Amaral (veja a fotogaleria, no topo). Merecia mais, muito mais.

Antes da hora marcada (23h30) já o MEO Arena se enchia para receber o britânico Gordon Sumner, que todos conhecemos por Sting. O membro fundador dos míticos The Police deixou crescer (muito) a barba, os anos passaram por ele e estão bem marcados no desgaste da madeira do baixo. Mas parece ter sido apenas e só a unidade Tempo.

Sting esteve mesmo muito bem. Foi quem mais público atraiu, foi quem mais expectativa cumpriu. O veterano vinha com a lição bem estudada, falou muito em português e sem esforço, fruto das muitas passagens (pessoais e profissionais) pelo Brasil. Mostrou que sabe seduzir o público que lhe aparece à frente. Fez-se acompanhar de uma banda de músicos experientes e a todos eles Sting atribuiu protagonismo, fosse pelas repetidas menções e pedidos de aplauso, fosse pelos focos de luz que se concentravam nos “solos” de todos os instrumentos (destaque para o piano e o violino). Um excelente leque de músicos, secções instrumentais prolongadas, no tempo e no improviso.

Sting parece um daqueles futebolistas brilhantes que, quando envelhecem e perdem a velocidade, se concentram mais na técnica virtuosa. O show que deu justifica plenamente a razão pela qual cruza três gerações de fãs. Com a voz em muito bom estado, a banda em grande forma e o alinhamento muito bem trabalhado, Sting encheu as medidas de um pavilhão a bem mais de metade. Os hinos “Walking on The Moon” e “Message in a Bottle” renderam a plateia, que mais não parou de dançar até ao final. Nota máxima, foi o espetáculo da noite.

O festival seguiu com a dança na sala Tejo (Palco Carlsberg), onde ainda assistimos à atuação de Chazwick Bundick (00h30), o músico norte-americano que assina com o nome de palco Toro Y Moi. O estrado pareceu algo acanhado para os quatro músicos, mas ouviu-se indie pop de boa cepa para um público que sabia onde estava.

Ao longo do serão partilhámos muitos momentos no Twitter e no Periscope, através do qual apresentámos o novo recinto e difundimos as nossas observações, em direto e de viva voz. Mais logo estaremos de regresso ao Parque das Nações em Lisboa, para o segundo dos três dias do festival.

Uma nota final para um detalhe técnico que merece ser assinalado: o palco do MEO Arena, mais concretamente a estrutura geométrica e luminosa no topo. Trata-se de um projeto criativo da FAHR 021.3, com o contributo do Lighting Living Lab, sediado em Águeda. Uma peça magnífica que, combinada com o poderoso jogo de luzes do palco, amplifica a experiência da música ao vivo. É disso que se trata o SBSR, de uma experiência, agora afastada do pó e com cheiro a rio. Lisboa volta a ter um grande festival de verão, com todas as condições para ali se manter durante muito tempo. Haja esperança que a engenharia de som resolva o obstáculo que foi, neste primeiro dia, a pala do Pavilhão de Portugal.