As organizações internacionais e os opositores políticos na Guiné Equatorial dizem que a entrada do país na Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), há um ano, não trouxe melhorias em termos de direitos humanos.

De acordo com os relatos que têm sido publicados na imprensa internacional e nos relatórios elaborados pelas organizações de direitos humanos, a entrada da Guiné Equatorial na CPLP não trouxe mais liberdade política nem uma melhoria das condições de vida da generalidade da população, que continua a viver maioritariamente na miséria apesar do país ser um dos maiores produtores de petróleo na África subsariana.

O secretário-geral da União Popular, um dos partidos que se opõem ao regime, diz que a moratória sobre a pena de morte e o ensino do português como língua oficial são uma história “que o governo vende ao mundo exterior, mas que não coloca em prática”.

Na verdade, um ano depois da assinatura da entrada da Guiné Equatorial na CPLP, em Díli, mantém-se apenas uma moratória sobre a pena de morte, não tendo ainda havido uma iniciativa legislativa para banir esta prática que, de acordo com a Amnistia Internacional, continua a existir no país liderado há mais de 35 anos por Teodoro Obiang.

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O mesmo acontece com o ensino do português, que só agora está a dar os primeiros passos, segundo a encarregada de negócios de Portugal na Guiné Equatorial, Teresa Macedo, que apontou uma série de iniciativas ainda em preparação para o ensino efetivo da língua portuguesa.

Para a Guiné Equatorial, que garante que não houve execuções no último ano e que os relatórios da ONG são uma difamação, a língua até nem terá sido um dos fatores mais importantes na aproximação há CPLP, que começou quase uma década antes da adesão, em julho do ano passado, na cimeira de Díli.

“A Guiné Equatorial oferece certas oportunidades económicas e políticas, hoje em dia, em África” e “traz mais habitantes e mais capacidade de mercado para os países da CPLP”, disse o ministro dos Assuntos Exteriores da Guiné Equatorial, Agapito Mbo Mokuy, em entrevista à Lusa nas vésperas da adesão à CPLP, na qual lembrou que o acesso ao mercado de 100 milhões de consumidores da África Central ficaria facilitado.

“Creio que através da Guiné Equatorial se encontra uma porta de entrada no mercado da África Central”, salientou o governante equato-guineense, minimizando a importância da língua portuguesa: “Está bem que nos unamos pela língua porque é o veículo de comunicação, mas só esse veículo não é suficiente” para “conseguir o desenvolvimento económico dos países da CPLP”.

Na preparação da cimeira de Díli, foram muitas as vozes que se ergueram a favor e contra a entrada do país na CPLP, umas destacando a falta de direitos humanos e políticos, bem como a natureza ditatorial do regime de Obiang, e criticando a CPLP por privilegiar a possibilidade de novos negócios em vez dos direitos humanos, e outras dizendo que é precisamente em nome dos direitos humanos que o país devia aderir.

“Nenhum de nós vai abandonar aquilo que a nossa Constituição prevê em termos de direitos humanos, democracia e transparência. Não nos podemos sentir minimizados, mas antes encorajados em mais um desafio para que possamos ajudar o povo da Guiné-Equatorial a ter no seu país democracia e direitos humanos”, defendeu o ministro dos Negócios Estrangeiros de Timor-Leste, José Luís Guterres, na cimeira de julho do ano passado.

Quase um ano depois destas declarações, os Estados Unidos vieram defender a libertação de alguns opositores políticos e reclamar mais liberdade política, numa declaração diplomática muito focada, onde ficou bem expresso o desagrado dos norte-americanos pelos fracos resultados práticos que se seguiram a reuniões entre responsáveis dos dois países.

Um ano depois, o argumento de que a entrada da Guiné Equatorial seria uma bênção para os empresários lusófonos parece deslocada, pelo menos a avaliar pelos relatórios económicos internacionais, que destacam a Guiné Equatorial como um dos países africanos com uma recessão mais profunda, dificultando, por isso, o estabelecimento de novos negócios.

A produção de petróleo deverá subir ligeiramente este ano, para menos de 360 mil barris por dia, mas deverá descer nos próximos anos, e de acordo com o Banco Mundial, a Guiné Equatorial será o único país lusófono a estar em recessão, não se prevendo qualquer expansão económica nos próximos três anos, havendo várias análise que sublinham que a quebra nas receitas do Governo pode levar a um aumento da instabilidade política e económica no país.

Oportunidades para Portugal nas pescas, agricultura e turismo

A encarregada de negócios de Portugal na Guiné Equatorial elencou esta quarta-feira as pescas, a agricultura e o turismo como as áreas prioritárias para investir, salientando também as tecnologias de informação e a formação técnico-profissional.

Em resposta a um conjunto de questões colocadas pela agência Lusa, Teresa Macedo explicou que “o Plano de Desenvolvimento Nacional equato-guineense ‘Horizonte 2020’ aposta na diversificação da economia para setores com maior potencial de criação de emprego, como as pescas, a agricultura e o turismo”.

Poderão assim “abrir-se oportunidades para empresas portuguesas nestas áreas ou noutras associadas como as tecnologias de informação e a formação técnico-profissional tendo em conta a experiência das nossas empresas em mercados africanos”, acrescenta a diplomata.

A encarregada de negócios no mais recente membro da Comunidade de Países de Língua Portuguesa revelou que a embaixada portuguesa já existe juridicamente desde março deste ano, e apontou como prioridades da sua missão “reparar no terreno a abertura da embaixada, reforçar o relacionamento político-diplomático, capitalizando os laços históricos antigos entre os dois países e a sua qualidade de membro da CPLP, identificar oportunidades comerciais e garantir a proteção consular dos portugueses residentes no pais”.

Questionada sobre se iria manter contactos com a oposição política, boa parte da qual está ilegal porque a sua existência não é reconhecida oficialmente, Teresa Macedo responde assim: “As representações portuguesas têm contactos normais e correntes com todos os setores das sociedades onde estão acreditadas, no pleno respeito pela Convenção Viena sobre Relações Diplomáticas, nos termos da qual as funções das representações diplomáticas consistem, designadamente, em inteirar-se por todos os meios lícitos de todas as condições existentes e da evolução dos acontecimentos no Estado acreditador”.

Considerando que os portugueses “são em geral bem vistos e bem vindos”, a encarregada de negócios disse que os 350 a 400 portugueses na Guiné Equatorial estão maioritariamente integrados no tecido empresarial português nas áreas da energia, construção e obras públicas e transporte aéreo.

Sobre o ensino do português no país, Teresa Macedo elencou um conjunto de medidas em preparação ou já realizadas, que decorrem dos termos do protocolo assinado a 20 de janeiro de 2014 entre o Ministério dos Assuntos Exteriores e da Cooperação da Guiné Equatorial e Ministério do Negócios Estrangeiros de Portugal, cuja aplicação ficou a cargo do Camões – Instituto da Cooperação e da Língua.

Opositores e ativistas políticos na Guiné Equatorial asseguram que o ensino do português não foi implementado e que a adesão à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) cumpriu apenas desejo pessoal do chefe de Estado, Teodoro Obiang.

Um ano depois da entrada na CPLP, “a Guiné Equatorial não cumpriu as condições de adesão”, afirma à Lusa Andrés Esono Ondo, secretário-geral do único partido na oposição legalizado (Partido da Convergência para a Democracia Social – CDS) que tem o único deputado eleito no Parlamento.

Das três condições impostas no roteiro de acesso do país – antiga colónia portuguesa depois entregue a Espanha – somente foi cumprida uma: a introdução do português como língua oficial. As outras duas, abolição da pena de morte e ensino do português, não estão concretizadas.