Os simplesmente avós

Enquanto conversávamos com Dona Esmeralda, a nazarena preparava panados para um dos sete netos. A mais nova tem cinco anos, a mais velha conta 25 e é enfermeira. “Sou uma avó babada, são uns meninos muito humildes”, admite a avó. Quando eram pequenos, Dona Esmeralda ia buscar os netos quando as aulas acabavam e ia passear com eles na praia. “Não iam sair de um sítio fechado para se enfiarem logo em casa”, justifica a senhora.

Tem uma postura matriarcal na família Delgado: “há coisas nesta família que até me põem a pensar, a união e o respeito devem estar nos genes”. Quer estar presente sempre que for precisa: “não temos aquela coisa de sabermos tudo uns dos outros, nem pensar, somos todos muito soltos… desde que eu saiba que estão todos bem”.

Ri-se ao falar dos netos. “O que me vale são eles”, confessa Dona Esmeralda. Por isso é que procura olhar por eles todos os dias, mesmo que não vivam por perto. Diz que não lhes costuma dirigir a palavra “não”, e prepara todos os fatos para as festas de Carnaval. “São os meus ídolos, nunca me deram problemas. E eu também sou uma boa avó!”.

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Os avós que não o são

Quando o filho de Emília lhe propôs que cuidasse da bebé de um casal amigo, a senhora recusou. Tinha acabado de entrar na reforma e ao fim de décadas de trabalho só pensava em descansar. Mas o filho insistiu que a mãe pelo menos conhecesse a recém-nascida e a senhora cedeu. “Só não contava apaixonar-me assim que olhasse para a menina” de três meses, conta a mulher da Figueira da Foz.

Cuidou de Sofia até aos cinco anos, altura em que a menina entrou para a escola. Mas a relação não enfraqueceu: se Emília já olhava para Sofia como uma neta, ainda hoje a adolescente de quinze anos a trata por “avó”. Frequenta a casa da senhora, tem um quarto só para ela na casa de Emília e faz férias com a família, tal como todos os outros netos de sangue. “Eu não os distingo, amo-os a todos da mesma forma”, conta a senhora.

Os avós que não se lembram que o são

Raquel não percebia por que razão aquela senhora “super pequena” preparava um pão com marmelada e manteiga todos os dias para ela levar para a escola. Quando chegou a Portugal vinda de Cabo Verde, a avó Domingas vinha cega, mas a operação foi bem-sucedida e pôde usufruir da companhia dos netos. Mas não de todos eles, Seria difícil: os doze filhos deram-lhe mais de sessenta netos e Domingas já tem também mais de cem bisnetos.

Estas são as memórias que Raquel guarda aos 22 anos. Agora, é a avó que não percebe quem são as pessoas à sua volta: “a minha avó está acamada, sem forças e com Alzheimer”, explica ela. Já enfrentou a morte duas vezes e não se lembra de quem são as pessoas que a visitam sempre que podem. “Bem tento explicar quem sou, mas ela limita-se a rir e continua teimosa o suficiente para não admitir que não sabe quem sou”, conta Helena.

O estado de saúde da avó Domingas não impede Helena de olhar para a avó materna com a mesma ternura de antigamente: “quando me despeço, abraço-a e dou um beijo grande, como se todos os momentos fossem os últimos”. E sabe que foi uma mulher de coragem. Afinal, foi a primeira a vestir calças na aldeia da Figueira das Naus.

Os avós que sabem a verão

Pedro tem duas histórias para contar e ambas são refrescantes. A primeira tem como protagonista uma avó ativa e carismática. Emília é a avó materna do designer. Não pudemos conversar com a senhora de 79 anos por um motivo muito simples: está em Benidorme com o namorado de há quatro anos e não liga ao telemóvel. “Ainda o mês passado foi a França e aos domingos vai para a danceteria com as amigas e respetivos namorados e maridos”. Quando era jovem – ou seria mais justo escrever “mais jovem”? – cuidava dos filhos e dos netos. E foi em casa dela que Pedro deu os primeiros passos como DJ: “a minha avó tinha um gira discos pequeno. Eu punha um disco a girar e tentava inventar sons”. Tinha quatro anos. Agora está prestes a cumprir 21.

A segunda história tem brisa de verão e chega do lado paterno: os avós Leonilde e Jaime vivem mesmo em frente à porta de Pedro. Quando as temperaturas apertavam, seguiam para Peniche e a praia tomava conta das memórias de criança. “Lembro-me que foi junto ao meu avô que fiz bodyboard pela primeira vez. Ele tinha-me oferecido uma prancha de plástico e eu só queria entrar no mar, que nem sequer tinha ondas”. Depois vinha o jogo do Mikado, que Pedro jogava pacientemente com a irmã Ana e os avós, enquanto o sol estivesse demasiado forte.

Os avós que desapareceram

“Faz-me coceguinhas”, costumava Ana dizer à avó quando era pequena. Principalmente no inverno, depois de comer o lanche à lareira dos avós maternos, que eram também seus vizinhos. “A minha avó sempre foi o tipo de pessoa que não se importava muito com ela. O que ela realmente queria era ver-me a mim, à minha irmã e quem estivesse à volta dela, felizes”. Nos dias em que a mãe de Ana não podia almoçar com ela, era a avó que lhe fazia companhia: assim que a campainha soasse, a rapariga corria para os braços da avó. Ao fim do dia, quando a mãe a ia buscar, perguntava-lhe sempre: “quando é que podes voltar a não almoçar?”.

Ana e a irmã eram as únicas netas do casal, por isso era inevitável que trouxessem sempre alguma doçura quando iam às compras, ao sábado. E se a rapariga não fosse a correr para casa dos avós, eram eles que vinham à sua procura. “Eles conheciam-me como à palma da sua mão. Sabiam exatamente o que me deixava feliz ou triste”.

O avô era também um companheiro de travessuras. Às vezes ficava no carro com doces e Ana juntava-se a eles, às escondidas da mãe e da avó que não achavam piada à brincadeira. Há apenas alguns dias, Ana teve de dizer “adeus” ao avô. “Por mais anos que vivam, os nossos avós partem sempre cedo demais. Por isso, vamos lembrando…vamos sorrindo ao lembrar”, conta Ana.

Texto editado por Diogo Queiroz de Andrade