Coligação PSD/CDS e PS poderão sentar-se à mesa mas, à partida, há áreas quentes em que a aproximação será quase impossível. A avaliar pelos programas eleitorais de cada um dos lados e o que já foi dito, é possível traçar algumas linhas vermelhas que ameaçam bloquear a conversa.

Pensões – Quem é o radical e o moderado?

A reforma das pensões defendida pela coligação assenta no plafonamento das pensões, ou seja, que a partir de determinado montante do salário (ainda por fixar) o trabalhador não seja obrigado a descontar obrigatoriamente para a segurança social. Haveria assim um teto máximo de descontos obrigatórios. Os restantes descontos podem ser feitos ou para um sistema privado ou para o atual sistema público. Isto significa que, a partir do momento em que entra em vigor o plafonamento, o sistema público de segurança social perde receitas que são ‘desviadas’ para sistemas privados. Esta reforma, no entanto, só poderia avançar em cenário de expressivo crescimento económico que a coligação também não quer, para já, definir.

O PS, por seu lado, opõe-se aquilo a que chama de “privatização” da segurança social, considerando que a última reforma do setor feita durante o Governo de José Sócrates resolve o problema da sustentabilidade da segurança social e defendendo uma convergência dos dois atuais sistemas (geral e Caixa Geral de Aposentações) para os trabalhadores que entram no ativo. “O que tem afetado a sustentabilidade da Segurança Social é o desemprego e a emigração. O que vai garantir a sua sustentabilidade é a confiança na corrente intergeracional”, disse Costa esta semana.

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Por outro, existe um problema para resolver que se chama 600 milhões de euros (o compromisso que Portugal assumiu com Bruxelas em abril de reduzir a despesa neste valor). O programa do PSD/CDS nada diz sobre isto, mas ao partido que vier a ganhar as eleições irá ser cobrado por Bruxelas a meta que ficou acordada com Bruxelas. Esta quinta-feira, Costa acusou o Governo de ter uma agenda escondida e instou-o a esclarecer onde irá “cortar os 600 milhões” que “prometeu a Bruxelas”. “Não podemos permitir que esta campanha se faça sem que haja um esclarecimento cabal do que se pretende fazer, uma vez que o programa eleitoral apresentado omite esse facto”, argumentou.

TSU – Posições extremadas

Esta é a área mais complicada. O PS aposta forte em alterações à Taxa Social Única (TSU) como forma de estímulo à economia, enquanto PSD/CDS admite alterações pontuais e apenas na perspetiva dos empregadores.

Os socialistas querem uma redução na TSU quer do lado das empresas, quer do lado dos trabalhadores. As empresas teriam uma redução de quatro pontos percentuais no caso dos contratos permanentes. Os trabalhadores, por outro lado, podem ver a sua parte da contribuição descer dos atuais 11% para 9,5% em 2016, 8% em 2017 e 7% em 2018. A partir daí, haverá uma subida gradual 0,5 pontos ao ano, até atingir de novo os 11% em 2026.

No capítulo do emprego, o PS propõe ainda uma redução drástica dos contratos a prazo – apenas para casos de substituição temporária de trabalhadores.

O PSD/CDS opõem-se frontalmente à descida da contribuição dos trabalhadores, por representar menos receita para a Segurança Social e por isso também vir a ter implicações na formação da pensão de reforma futura. Estes partidos admitem, no seu programa eleitoral, apenas mexer na contribuição das empresas que se situam no interior e nos casos em que empreguem desempregados jovens ou de longa duração. Algo que até já existe: isenções de contribuições para empresas que se instalem em regiões do interior.

As diferenças neste campo entre PS e PSD representam uma diferença de fundo na estratégia de estímulo ao crescimento.

Política de rendimentos – Ritmos diferentes

Para além de querer devolver rendimentos às pessoas através da redução da TSU, o PS propõe a devolução dos salários da função pública em dois anos e a eliminação da sobretaxa de IRS também em dois anos. Aqui, a diferença em relação ao PSD/CDS é só de ritmo, pois a coligação quer fazer o mesmo mas em quatro anos, ou seja, uma legislatura.

Neste campo, o PS propõe ainda um subsídio para os trabalhadores mais pobres, uma espécie de complemento salarial anual para os trabalhadores que ganham até 411 euros por mês. O cálculo será feito em termos do rendimento familiar, ou seja, tendo em conta o IRS.

A coligação propõe um Programa de Desenvolvimento Social que, no fundo, é um mix de medidas de várias áreas, desde o quociente familiar, reposição de mais abonos de família a alargamento dos médicos de família e prémio de ativação para desempregados.

Impostos – Dois sentidos contrários

Nos impostos, os dois lados seguem caminhos opostos. PS dá prioridade à descida do IRS porque considera que a devolução de rendimentos às famílias vai ajudar mais a economia, enquanto o PSD/CDS quer prosseguir, com mais urgência, a descida do IRC (de 21% para 17%).

No que diz respeito ao quociente familiar, a coligação quer aumentar este desconto por filho (introduzido pela primeira vez este ano) em 2016 e 2017, enquanto o PS já disse que uma das primeiras medidas que irá tomar é acabar com o quociente e, em alternativa, ajudar as famílias fazendo aumentar as deduções fiscais por filho. António Costa promete também rever os atuais escalões de IRS que foram diminuídos, introduzido assim maior progressividade na cobrança deste imposto.

O PSD/CDS propõe ainda acabar com o IMT, substituindo-o por um imposto de selo, enquanto o PS quer alargar o seu regime de isenção e reduzi-lo sempre que se trate de troca de casa para habitação permanente. Em contrapartida, agravam a taxa de IMI aplicável a prédios urbanos de habitação ou frações, a partir de um valor a definir, que não sejam habitação própria e permanente do seu proprietário. Outra diferença radical reside no imposto sucessório (que terminou com uma maioria PSD/CDS) e que agora o PS quer recuperar para heranças cujo valor global atinja um milhão de euros.

Restauração e construção – Incentivo ou não?

Aqui, a oposição é clara. O PS promete descer a taxa do IVA da restauração do valor máximo para o valor intermédio. No programa eleitoral, o PSD e CDS nada dizem a este respeito, embora dentro do Governo os centristas tivessem feito força para descer já este ano essa taxa (mas sem sucesso). Passos Coelho tem insistido em que o problema para os restaurantes não foi o aumento do IVA de 13% para 23%, mas sim “a procura”, porque as pessoas deixaram de ter dinheiro para os frequentar. “O IVA não terá margem para baixar nos próximos quatro anos”, garantiu em recente entrevista à TVI.

Os setores da restauração e construção são os que perderam mais empregos nos últimos anos. Também por isso o PS propõe um programa de apoio à reabilitação urbana. Costa já disse, em entrevista ao Público, que tem escolhida uma zona para começar um projeto piloto em que os edifícios serão municipais e reabilitados por privados. Segundo o programa do PS, a ideia é levar estas habitações com rendas controladas a cerca de cinco mil pessoas.

Privatizações – Travar, travar

António Costa já foi taxativo a este respeito. Vai tentar parar os processos de privatização da TAP e da Carris-Metro. “Um Governo liderado [pelo secretário-geral do PS] António Costa tudo fará para que o Estado continue a manter a maioria do capital social da TAP. Por isso, o que importa agora é que o povo retire o poder ao Governo de Pedro Passos Coelho para que deixe de continuar a fazer asneiras”, garantiu no Parlamento o deputado do PS, Rui Paulo Figueiredo.

Educação – Mais liberdade?

“O programa deste Governo é privatizar a Saúde, a Escola e a Segurança Social. Empenharam-se em privatizar tudo o que era público e agora pretendem atacar os serviços sociais”, acusa o líder socialista. No capítulo da Educação, o PS é contra as escolas entregues a privados e o apoio a pais que escolhem colocar os filhos em escolas privadas. Já no que diz respeito aos exames, o PSD/CDS quer dar continuidade ao regime em vigor, enquanto Costa já prometeu, em entrevista à TVI, acabar com os exames no 1º ciclo. No programa eleitoral, esse compromisso não está tão claro. Certa será, por outro lado, a suspensão da avaliação dos professores nos atuais moldes.