O Estado está a arrecadar menos impostos que o esperado pelo Governo e, mesmo com o fisco a reter muitos milhões em reembolsos de IVA, o Orçamento do Estado pode acabar o ano com um buraco de 660 milhões de euros caso a receita continue a crescer ao ritmo atual, alerta a Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO).

Numa análise às contas do Orçamento nos primeiros seis meses do ano, os técnicos independentes que trabalham para a comissão parlamentar de orçamento e finanças deixa um alerta: a receita fiscal está com um “crescimento pouco expressivo”, especialmente quando se compara com o previsto para o conjunto do ano.

O ritmo de crescimento das receitas fiscais estava a acelerar até maio, mas em junho inverteu e começou a crescer a um ritmo mais baixo. Nas contas da UTAO, que faz ajustamentos para que se possa comparar a receita conseguida com os primeiros seis meses do ano passado, a receita fiscal estava a crescer mais e mais à medida que os meses deste ano passavam, atingindo os 1,9% em maio, mas em junho caiu para 1,7%.

A questão revela-se mais delicada considerando que (sempre em valores ajustados) o objetivo sob o qual o Governo assentou o Orçamento do Estado para 2015 é de um aumento da receita fiscal em 4,3%, longe do verificado na primeira metade do ano. Mantendo este nível de aumento da receita com impostos, o orçamento teria um buraco de 1130 milhões de euros, ainda em termos ajustados.

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Nas contas feitas com as regras do orçamento, sem qualquer ajustamento, isto quereria dizer que a receita com impostos ficaria 660 milhões de euros abaixo do previsto.

A isto acresce ainda a atual incerteza com as receitas do IVA. A UTAO lembra, como já foi reclamado por alguns partidos da oposição, que nas contas da execução orçamental até junho está inscrito um valor de reembolsos muito abaixo do verificado em 2014.

Segundo as contas da Direção-Geral do Orçamento, o fisco pagou menos 260 milhões de euros em reembolsos de impostos indiretos até junho. Uma queda de 10,9% face ao que acontecia em 2014, e que ajuda a empolar a receita com este imposto.

As razões poderão estar relacionadas, como já o disseram outras instituições (como o Conselho das Finanças Públicas), com um despacho que faz depender os reembolsos de IVA da comunicação eletrónica de todas as faturas e da inexistência entre os valores comunicados e os valores declarados, e a ainda da verificação do sistema e-fatura.

Estas alterações, diz a UTAO, podem fazer com que seja difícil prever qual será o valor de reembolsos deste imposto até ao final do ano.

O Ministério das Finanças veio entretanto esclarecer que uma parte do crescimento previsto com a receita do IVA resulta de um controlo mais rigoroso dos reembolsos, sendo por isso,” expectável que os reembolsos de IVA em 2015 sejam reduzidos face aos níveis verificados em anos anteriores, em resultado das novas regras legais e operacionais de controlo, inspeção e correção fiscal destes reembolsos”.

As Finanças consideram que “não têm fundamento comparações do ritmo de pagamento dos reembolsos este ano com os níveis do ano passado (e de anos anteriores), uma vez que as circunstâncias legais e operacionais aplicáveis aos reembolsos do IVA se alteraram profundamente, conforme a UTAO reconhece no seu relatório (ponto 6. da página 2).”

E asseguram que, apesar do maior rigor no controlo dos reembolsos do regime mensal, grande parte dos montantes pagos está abaixo dos prazos previstos na lei.

Meta para as autarquias nunca foi conseguida

Outro dos pontos de alerta da UTAO são as contas das autarquias, não porque as suas contas estejam a derrapar mas porque a fasquia colocada pelo Governo parece ser demasiado alta.

Dizem os técnicos que o objetivo que o Governo inscreveu no orçamento para a Administração Local é de “um excedente que nunca foi atingido previamente nos anos anteriores”.

Essas contas parecem estar a falhar logo na despesa registada na primeira metade do ano. A Administração Local devia reduzir a despesa em 3,2%, mas está na verdade a aumentá-la em 2%.

Mesmo com este aumento de despesa, o saldo está a melhorar em 37 milhões de euros. O resultado é positivo, mas longo da fasquia do Governo, que impõe uma melhoria quase 10 vezes acima: 366 milhões de euros (valores ajustados).

Neste caso, as receitas conseguidas pela Administração Local até estão próximas do esperado, especialmente devido à receita com o IMI (só nos primeiros seis meses já foram conseguidos 731 milhões de euros), mas está a chegar menos dinheiro da União Europeia (-6,7%) quando no orçamento se prevê um aumento (de 8,4%).

Almofada no orçamento cobre derrapagens

Mesmo com os desvios que encontra nesta altura, a UTAO relembra que o Orçamento do Estado tem, à semelhança dos anos anteriores, uma considerável almofada financeira para cobrir estes desvios, constituída em duas rubricas: a dotação provisional e a reserva orçamental.

Embora mais pequena que em anos anteriores, o Governo inscreveu no Orçamento do Estado para 2015 perto de 750 milhões de euros para imprevistos. Destes, 533,5 milhões de euros estão na dotação provisional (constituída todos os anos para assegurar despesas não previstas no Orçamento) e outros 215,1 milhões de euros na reserva orçamental.

Atualizado com o esclarecimento do Ministério das Finanças sobre os reembolsos do IVA