O Congresso dos Estados Unidos abriu uma investigação ao Pentágono por suspeitas de fraude, abuso e desperdício na decisão do Departamento da Defesa dos EUA de escolher o Reino Unido para criar um novo complexo, quando a Base das Lajes, nos Açores, seria uma opção mais económica. Os congressistas suspeitam de vários problemas nas análises que o Pentágono apresentou ao Congresso para sustentar a decisão.

Terá sido um erro ou uma ação deliberada? A pergunta é feita numa carta enviada no dia 21 de julho aos líderes da Comissão dos Serviços Armados do Senado e da Câmara dos Representantes.

Nesse documento, a que o Observador teve acesso, 112 membros do Congresso pedem a suspensão imediata de todos os trabalhos necessários para levar o Joint Intelligence Analysis Complex (JIAC) para a base da Força Aérea britânica em Croughton, no Reino Unido.

No mesmo documento, os responsáveis confirmam que está em curso uma investigação no Congresso para averiguar se houve de facto, como se suspeita, fraude, abuso e desperdício na escolha do Reino Unido em vez das Lajes. E dizem que na análise que o Pentágono colocou à disposição do Congresso, para a tomada de decisão, não foram tidas em conta as poupanças significativas que podiam ter sido conseguidas caso a Base das Lajes fosse a escolhida para albergar este novo centro.

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Segundo as contas do Congresso, os contribuintes norte-americanos poupariam pelo menos 500 milhões de dólares se o centro fosse para as Lajes. A estes podem acrescer ainda mais 300 milhões de dólares relacionados com habitação e infraestruturas.

Croughton. Que base é esta?

O Departamento de Defesa dos EUA decidiu em 2014 criar este centro numa das suas bases militares no Reino Unido, que já tinha sido implicada nos esquemas de vigilância em massa (incluindo como recetora de informação proveniente da Alemanha) e de ataques com drones no Iémen. O plano é criar em Croughton um dos maiores centros de espionagem fora dos EUA.

A base da Força Aérea britânica, nos planos atuais, deverá receber cerca de 1250 trabalhadores e cobrir as operações de contraterrorismo em África, num investimento estimado pelo Pentágono em 317 milhões de dólares, e que inclui o principal braço do Pentágono para a espionagem.

A base precisa de várias alterações e o fim das obras estava inicialmente previsto para 2017, altura em que ficaria com a dimensão e a importância da base em Menwith Hill, o posto de escuta da NSA na zona de North Yorkshire.

O plano é consolidar várias operações na Europa, colocando neste único centro várias operações das secretas da NATO, EUCOM e AFRICOM.

O que está em causa?

Para escolher onde iria construir o novo complexo, o Pentágono disse ter analisado 14 locais, oito no Reino Unido, quatro na Alemanha, um num local genérico apontado apenas como sendo no Benelux e outro também não detalhado nos Estados Unidos.

A primeira crítica feita pelo Congresso, como apontado numa outra carta enviada pelo presidente da comissão da Câmara dos Representantes que está a investigar o caso (Jason Chaffetz, do Utah), ao secretário de Estado da Defesa dos EUA Ashton Carter, é que o Pentágono não considerou a Base das Lajes e outros locais com condições na Europa, onde os EUA já têm bases.

Outra, e que tem levantado suspeitas que estão a motivar esta investigação, é que as análises para a tomada de decisão feitas pelo Pentágono podem estar erradas. Os erros, que os congressistas querem determinar se se tratam de descuido ou se foram propositados, podem provocar danos de centenas de milhões de dólares aos contribuintes norte-americanos.

Congresso fez análise própria à alternativa Base das Lajes

Uma vez que o Pentágono não contemplou sequer a hipótese da Base das Lajes ser escolhida para albergar este novo complexo, o Congresso decidiu fazer a sua própria análise. Na parte do relatório que não foi classificada como confidencial, à qual o Observador teve acesso, os congressistas destroem a escolha do Pentágono.

Em primeiro lugar, o Congresso considera que a base do Reino Unido não tem condições para receber o complexo, com os analistas a trabalharem espalhados por uma dúzia de edifícios, nenhum deles com condições para receber o tipo de operação que os EUA querem montar.

Os edifícios que deviam receber as operações relacionadas com África (o AFRICOM) e com a NATO são, na verdade, adaptações de contentores usados para transporte marítimo, e o edifício que deveria receber o Comando para as operações europeias (o EUCOM), tem “sérios problemas de aquecimento, arrefecimento, canalização e de comunicações”, diz o relatório. A isto acresce que alguns analistas são obrigados a trabalhar em hangares adaptados da altura da Segunda Guerra Mundial e que o apoio às operações do centro têm de ser feitas através de outra base, que cria mais ineficiências.

Em segundo lugar, o Congresso questiona porque não foi considerada a Base das Lajes para a tomada desta decisão. Para além de considerarem que as Lajes têm todas as condições para receber este centro, os membros estranham que esta esteja fora da lista quando, na década de 90, esta base localizada nos Açores já tinha sido considerada como hipótese para receber um centro desta natureza.

Acresce que argumentos de contraespionagem, não detalhados por serem confidenciais, desaconselham o Reino Unido como localização deste centro.

Base das Lajes sairia mais barata aos EUA

Da análise do Congresso salta um número à vista: 505 milhões de dólares, seria quanto se pouparia ao longo de trinta anos com a escolha da Base das Lajes, em oposição a Croughton. Isto seria apenas a estimativa de poupança direta. Quando se acrescentam custos com as infraestruturas de comunicações e de para habitação, poderiam acrescer ainda mais 300 milhões de dólares a estas contas, o que elevaria para mais de 800 milhões de dólares a poupança com a hipótese Lajes.

E é nas contas que o Congresso entra em disputa direta com o Pentágono. O Departamento de Defesa dos EUA diz que construir este centro na Base das Lajes custaria mais 1,14 mil milhões de dólares que em Croughton, mas o Congresso diz que este argumento não tem fundamento e desconstrói a análise do Pentágono apresentando uma análise independente aos custos das infraestruturas.

“Essa análise sobrestima de forma grosseira o custo das novas infraestruturas e de habitação nas Lajes, exagera o tempo que demoraria a escolher uma localização para o JIAC que não na Base da Força Aérea britânica em Croughton e não leva em conta a diferença dos custos de vida na RAF Croughton e na Base das Lajes. Em particular, o DOD [Departamento de Defesa] estima que a nova infraestrutura de comunicações nas Lajes custaria entre 300 a 400 milhões de dólares, mas na verdade, um cabo transatlântico dedicado da CONUS [zona continental dos EUA] custaria 100 milhões de dólares”, diz o relatório.

O Congresso termina dizendo que a opção Base das Lajes seria a escolha que faria mais sentido em termos financeiros, operacionais e estratégicos. Por isso conclui, a análise do Pentágono aos custos de uma e outra base, Reino Unido contra Base das Lajes, não está correta.

O que pode acontecer?

A investigação está nas mãos do House Committee on Oversight and Government Reform, que é responsável por assegurar que o dinheiro dos contribuintes norte-americanos é bem gasto e que as diferentes agências do Governo estão a funcionar como deveriam.

No final da investigação, que está em curso, o Congresso pode produzir apenas um relatório com as suas conclusões sobre o processo, ou, se for de facto apurado que foi praticado um crime, será realizada uma investigação criminal de maior alcance. Entre o que os responsáveis políticos pretendem saber, apurou o Observador, está o nome dos responsáveis pela decisão.

Uma luta antiga

Já em 2009 os EUA preparavam Portugal para uma redução da presença na Base das Lajes. O Pentágono insiste que o número de militares que tem nas Lajes é excessivo para o que as operações que a Base tem recebido, que é cada vez menor devido à evolução da tecnologia militar no que à aviação militar diz respeito, recebendo agora apenas uma média de dois aviões por dia.

Do outro lado, alguns congressistas norte-americanos, liderados por Devin Nunes, filho de portugueses que emigraram dos Açores para os Estados Unidos, têm mostrado interesse especial na Base das Lajes desde que entrou no Congresso, em 2003. Devin Nunes e mais cinco membros do Congresso, enviaram uma carta ao então secretário de Estado da Defesa Leon Panetta a defender que este não reduzisse a presença nas Lajes, explicando que se trata de um ativo estratégico ímpar para conter as crescentes ameaças terroristas que chegam do Norte de África.

Este congressista, que é presidente do House Select Committee on Intelligence, tentou que a Base das Lajes fosse o local escolhido e apoiou a inclusão de cláusulas na lei que obrigam o Pentágono a estudar quanto custaria a hipótese Base das Lajes.

Em janeiro deste ano, depois de escolher a base britânica, o Pentágono divulgou o seu plano para consolidar operações na Europa. Entre esses planos está a redução do efetivo na Base das Lajes, nos Açores, de 650 militares, mais as suas famílias, para apenas 150, e as famílias sairiam da base.