Estava a modelo Miranda Kerr a usar uma blusa de renda transparente numa passadeira vermelha, quando, num movimento com que os vestidos de gala não contam — levantar os braços — se captaram os seus mamilos. Corria o ano de 2013 e o Dailymail apelidou a situação de má preparação do conjunto e pontuou a notícia com a interjeição “Kerr-ful!”. Há poucos dias, no final de Março, o mesmo jornal voltava a dar conta da reincidente Miranda Kerr na arte de andar sem soutien, mas desta vez ela “dançava com a brisa: nunca menos que perfeita”.

Andar sem soutien parece estar na moda e as revistas e blogues de moda reagem com entusiasmo, fazendo da prática de andar ao natural um esforço com regras próprias que tem em conta o tamanho do peito, a quantidade de mama que se vê pela cava — sideboob — a leveza do tecido, a ocasião social. Já antes era assim, mas o revivalismo dos anos 70 parece estar a aligeirar as regras: que o peito se adivinhe através de uma cava profunda deixou de ser um descuido, é uma sensualidade despreocupada, e o mesmo para aquelas situações em que os mamilos se tornam proeminentes.

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Com estas criações de Roy Halston a ideia era não usar soutien, muito menos no caso da supermodelo Pat Cleveland, ao centro (anos 70).

E se há alguma moda que não seja política, especialmente quando falamos do corpo das mulheres, a dos soutiens estará no top das mais quentes. Poderiam lembrar-se os espartilhos que tornavam as mulheres fracas e sempre à beira do desfalecimento — depois atribuíam-se os desmaios aos males de amor —, mas talvez seja mais útil começar em 1968, nos Estados Unidos. Em setembro desse ano, os jornais americanos escreveram que uma manifestação feminista contra a eleição da Miss América tinha queimado soutiens em Atlantic City.

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Não terá sido a primeira vez que o jornalismo inventou factos para criar sensação — aquelas mulheres não queimaram soutiens, nem há registo de que tenham queimado alguma coisa, mas juntaram em caixotes que diziam freedom trash can objetos que, consideravam, torturavam e aprisionavam a mulher num modelo de beleza e comportamento — saltos altos, revistas femininas e masculinas, pestanas falsas. Nos tempos que se seguiram, os media e a publicidade associaram a imagem da mulher sem soutien à feminista que diziam radical, louca, capaz de tudo: a bra-burner — uma ideia que persiste.

Com os movimentos de libertação dos anos 70, a sexualização da mulher comum, e Yves Saint Laurent e Halston a experimentarem a exposição do peito e as formas naturais do corpo nas suas criações, não usar soutien tornou-se ousado, sensual e também trivial. Não será difícil lembrar as atrizes de Baywatch a correr desenvoltas pela praia pensando somente nos salvamentos e despreocupadas com o fato de banho transparente e cavado. Ou até mesmo o sex symbol dos anos 70, Farrah Fawcett no poster de 1976 que a confirmou como ícone.

Pela internet há ainda quem se insurja contra o uso do soutien como uma obrigação social — dá à mulher, dizem, uma aparência mais profissional e menos sexualizada, o que é uma falsa questão. É contra a sexualização do peito feminino que se reúne o movimento Free the Nipple, nos Estados Unidos, que numa das suas campanhas online propõe que se troquem os mamilos femininos em fotos de topless por mamilos masculinos, através do Photoshop.

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Para o dia 23 de Agosto, em Hamptons, nos Estados Unidos, está marcado um protesto na praia em que se convidam as mulheres a fazerem topless porque, diz uma das organizadoras, as mamas femininas são tão naturais quanto as masculinas e devem ser dessexualizadas: “quero poder amamentar o meu filho em público sem ver pessoas a fugir”, diz Kia Sinclair. Para já o assunto produz páginas e páginas na web que questionam se este protesto — mulheres em topless — é ou não legal.

Para além de se colocar o soutien por encapsular (social e fisicamente) o corpo da mulher, a saúde está também em causa. Um mau soutien ou no tamanho desadequado dificulta a circulação sanguínea e a respiração.

E se por um lado é corrente a ideia de que o peito de quem não usa esta peça descai cedo na vida, alguns investigadores defendem o contrário: um estudo de 2013 do francês Jean-Denis Rouillon, da universidade de Franche-Comte, defende que usar soutien enfraquece os ligamentos que mantém os seios firmes e altos, já que, à força de estarem tão sustentados, não se exercitam. Assim Kim Kardashian e Rihanna, que adoptam o look au natural com frequência, podem dormir descansadas.