Andrew Wylie, um militante acérrimo do Partido Conservador, quis fazer uma experiência. Sabendo que, pela primeira vez, qualquer pessoa que assinasse uma declaração de princípios e pagasse 3 libras (4,25 euros) podia votar nas eleições do Partido Trabalhista, tentou a sua sorte.

“Ouvi dizer que havia entre 80 mil e 90 mil novos militantes e que só havia 40 pessoas a tratar desses processos, então pensei, bem, vamos lá fazer as contas. Apercebi-me de que havia uma boa possibilidade de eu poder passar despercebido”, explicou ao diário britânico The Guardian.

Estes números, que dizem respeito a junho, cresceram a olhos vistos desde então: o mesmo jornal indica que o número de eleitores aptos a votar nas eleições internas do Partido Trabalhista subiu dos 200 mil de então para cerca de 600 mil. Jeremy Corbyn, o deputado trabalhista socialista que quer fazer do Labour o Syriza britânico e que aparece destacado nas sondagens com 53% dos votos, pode ser a razão por detrás desta histeria entretanto cunhada como “Corbynmania“.

#toriesforcorbyn

Wylie tornou-se num deles. Para se inscrever, Wylie diz que assinou uma declaração onde garantia “apoiar os objetivos e os valores do Partido Trabalhista” e que não era “um apoiante de qualquer organização com ideias contrárias” — o que é falso — e disse ainda que era um antigo militar — o que também é falso –, uma vez que assim só teria de pagar 1 libra pela inscrição.

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A partir desse momento, este militante conservador tornou-se num dos maiores desestabilizadores das eleições dos trabalhistas. “Vamos ser honestos, a única hipótese que os trabalhistas tiveram de ganhar umas eleições desde meados dos anos 70 foi quando o Tony Blair afastou o partido da esquerda, porque a esquerda não cativava o Reino Unido. E a resposta do Labour agora é levar o partido ainda mais à esquerda. Como é que isso vai funcionar?”, perguntou ao The Guardian. Não se sabe ainda qual é a resposta do eleitorado — as próximas eleições legislativas serão apenas em 2020 — mas Wylie, apostando na ideia de que as eleições ganham-se no centro, quer fazer o possível para diminuir as hipóteses de um êxito dos trabalhistas. E, assim, fundou o movimento “Tories For Corbyn“. Conservadores Por Corbyn, com direito a hashtag no Twitter: #toriesforcorbyn.

Wylie não é propriamente discreto, mas também não é o único a embarcar nesta onda: Tim Loughton, um deputado do Partido Conservador, inscreveu-se como eleitor trabalhista, deixando como contacto o seu endereço de e-mail da Câmara dos Comuns. E à medida que os boletins de voto são enviados pelo correio (o voto é por correspondência), vários militantes conservadores têm colocado fotografias nas redes sociais depois de terem feito uma cruz à frente do nome de Jeremy Corbyn. E Wylie garante que recebeu três boletins em casa — mas o Partido Trabalhista diz que só enviou um.

https://twitter.com/MarcherLord1/status/633554350707765248/photo/1?ref_src=twsrc%5Etfw

Mas não é só a partir da direita que surgem aqueles que querem votar nas eleições dos trabalhistas. No início de agosto, 260 pessoas que figuravam nas listas do Partido Verde, da União de Esquerda e da Coligação Sindical e Socialista tentaram — sem sucesso — entrar na lista de eleitores.

Telegraph: suspensão das eleições foi hipótese

Para evitar estas situações, o Partido Trabalhista contratou uma equipa de advogados que deverá assegurar o normal funcionamento das suas eleições internas. “O partido está concentrado em assegurar que as regras do partido são seguidas à risca”, disse ao The Guardian uma porta-voz da líder interina do partido, Harriet Harman. “Estamos a receber aconselhamento jurídico para garantir que as regras são cumpridas.” Outro porta-voz referiu que o sistema eleitoral interno é “robusto” e que “todas as inscrições para membro do partido, afiliado ou simpatizante são verificadas e aqueles que não partilham os valores do Labour não terão direito ao voto”.

Segundo o Daily Telegraph, Harman chegou a equacionar a hipótese de suspender as eleições devido aos números anormais de novas inscrições no partido — algo que foi negado pelo partido. “A suspensão do processo eleitoral não foi discutida. Houve sim uma discussão para perceber se o processo estava a funcionar.”

Britain Elections 2015 - Labour campaigning

Foi no mandato de Ed Miliband, líder dos trabalhistas entre 2010 e 2015, que o sistema de eleição no Labour ficou aberto a simpatizantes

Não era isto que Ed Miliband, o líder dos trabalhistas derrotado nas eleições legislativas de maio deste ano, esperava quando decidiu abrir o processo das eleições internas para lá dos militantes do partido. Até esta mudança, os votos tinham uma ponderação diferente de um simples sistema de “um membro, um voto”: um terço dos votos era dado aos deputados trabalhistas (no Reino Unido e em Bruxelas), um terço para os sindicatos afiliados ao partido e um terço para os militantes.

Seja pelos votos de pessoas à esquerda do Labour, ou daqueles à direita que, quase por chacota, se inscreveram para participar, Jeremy Corbyn deverá sair vencedor da primeira volta destas eleições — para vencer é preciso reunir mais de metade dos votos. As sondagens mais recentes, do YouGov, apontam esse cenário como possível: Corbyn aparece com 53% dos votos, seguido de Andy Burnahm (21%), Yvette Cooper (18%) e Liz Kendall (8%).