O Arquivo Nacional – o departamento governamental britânico que guarda documentos históricos do país – revelou esta sexta-feira algumas informações secretas sobre o MI5 (Military Intelligence, section 5), o serviço de segurança interna do Reino Unido. Os novos dados referem-se a vários factos históricos ocorridos durante a Guerra Civil Espanhola ou a Guerra Fria, por exemplo. Eis as descobertas feitas com estes documentos:

O espião britânico ao serviço da União Soviética

Um dos documentos secretos que vieram a público refere-se a um espião soviético infiltrado no programa de armas nucleares britânico. Klaus Fuchs era um cientista alemão do ramo nuclear que se envolveu nas relações entre os Estados Unidos e o Reino Unido para conseguir informações sobre o Projeto Manhattan (um programa de desenvolvimento de bombas atómicas durante a II Guerra Mundial no âmbito das relações anglo-americanas) e sobre Tube Alloys (antecedente do Projeto Manhattan que contava com a participação do Canadá para desenvolver armas nuclear, também durante a II Guerra Mundial) a favor da União Soviética.

De acordo com o Telegraph, Klaus Fuchs acedeu às fórmulas químicas, equações matemáticas e técnicas que viriam a ser aplicadas para a criação da primeira bomba nuclear,  lançada a 6 de agosto de 1945 sobre Hiroshima.

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Todas estas informações eram entregues aos superiores soviéticos, diz o Daily Mail. Quando precisava de contactar com eles, Klaus Fuchs colocava uma revista masculina entre a terceira e a quarta árvore, junto à cerca de um jardim numa residência em Kew (no sul de Londres). Depois existiam vários sinais de reconhecimento. Um deles obrigava Klaus Fuchs a levar uma bola de ténis para o encontro e o colega soviético a levar dois pares de luvas.

Em 1950, cinco anos depois do final da II Guerra Mundial e já em plena Guerra Fria (o conflito entre Estados Unidos e União Soviética que durou entre 1945 e 1991) , Klaus Fuchs foi preso em Wormwood Scrubs por violar a Lei dos Segredos Oficiais britânica. Foi durante os interrogatórios realizados pelo FBI e pelo próprio MI5 que estes e outros pormenores foram conhecidos. O alemão – que havia fugido dos nazis em 1933 – foi libertado em 1959, mesmo depois de ter sido condenado a 14 anos de prisão. Depois de lhe retirarem a cidadania britânica, voltou à Alemanha e ali ficou até morrer, em 1988.

MI5, afinal eram seis

Entre os nove volumes com centenas de documentos secretos sobre o MI5, surge a revelação de um sexto homem que faria parte dos Cambridge Five, uma elite dos serviços secretos britânicos que trabalhava para a União Soviética durante a II Guerra Mundial. E seria nada mais, nada menos que um dos homens com mais exposição mediática naquele tempo: o britânico Cedric Belfrage, um jornalista de celebridades britânicas, crítico de cinema  e co-fundador do jornal National Guardian nos Estados Unidos, explica o Financial Times.

Atrás das luzes da ribalta, Cedric Belfrage conseguia fornecer informações à União Soviética quando, entre 1942 e 1944, se tornou o braço direito do homem mais importante dos serviços de inteligência britânica do hemisfério norte. Tratava-se de William Stephenson, o responsável pela British Security Coordination (BSC) em Nova Iorque, que era uma célula secreta de serviços de inteligência britânicos com presença nos Estados Unidos desde 1940.

De acordo com a BBC, Cedric Belfrage foi apresentado a Jacob Golos, um espião da elite russa, por comunistas americanos. Foi assim que saltou para a BSC com o nome de código “Benjamin”. A proximidade com os planos britânicos era tal que teria um papel mais importante dentro do MI5 do que Kim Philby, o mais reconhecidos dos espiões soviéticos daquele tempo. Alguns dos dados mais sensíveis passados por Cedric Belfrage eram as atas das reuniões com o primeiro-ministro do Reino Unido, Winston Churchill.

Quando Jacob Golos morreu, em 1943, o espião britânico perdeu contacto com Moscovo, conta a Cambridge News. Só o recuperou com a introdução de Elizabeth Bentley, uma espiã norte-americana que estava a serviço da União Soviética e que revelou o nome de 30 agentes secretos americanos daquela época.

Em 1947, os golpes de Cedric Belfrage foram descobertos, mas ele soube contorná-los. Disse ao FBI que toda a informação que tinha dado aos soviéticos era irrelevante, mas que isso permitia manter confiança com o outro lado da barricada e conseguir dados fundamentais dos soviéticos. A polícia pediu esclarecimentos ao Reino Unido, que nunca os deu porque isso quebraria os princípios da espionagem britânica.

E foi assim que o jornalista britânico que trabalhava nos Estados Unidos a serviço da União Soviética conseguiu sempre escapar às grades. Afinal, como acrescenta a BBC, ele nunca revelou dados americanos: restringiu-se a roubar informações britânicas a favor da União Soviética. E como tal nunca quebrou leis ou acordos americanos. Veio a morrer em 1990, no México, ao lado da quinta mulher com quem casou em 86 anos de vida, sem nunca entrar na prisão.

Havia um alvo a abater

E era Kim Philby, um dos agentes duplos soviéticos mais conceituados dos serviços secretos britânicos, conta o Telegraph.

O plano do MI5 era usar Edith Tudor-Hart, uma austríaca comunista que recrutava agentes em Londres durante a II Guerra Mundial, para desmascarar Kim Philby, que era suspeito de manter ligações com os soviéticos. Um funcionário do MI5 chamado Jim Skardon foi ao encontro daquela que é considerada “a avó dos espiões de Cambridge” e ameaçou-a, caso ela avisasse Kim Philby das intenções do MI5.

Foi então que Jim Skardon mostrou uma fotografia à espiã. Disse-lhe que o MI5 estava à procura de George Honigmann, um amigo de Edith que namorava naquela altura com a primeira mulher de Kim Philby. Mas a “avó da espionagem” não conseguiu identificar ninguém.

O plano do MI5 saiu fracassado, explica o The Guardian: na verdade, os serviços secretos esperavam que Edith Tudor-Hart fosse de facto avisar o melhor dos espiões. Sabiam que se isso acontecesse algumas linhas de investigação seriam expostas e teriam um argumento contra Kim Philby.

Edith Tudor-Hart manteve-se em silêncio, mas ficou debaixo do olho do MI5 desde 1952. E havia razões para tal: de acordo com o Daily Mailela terá introduzido Kim Philby a um homem chamado Arnold Deutsch, que viria a ser o contacto soviético do espião.

A agente do MI5 morreu em 1973 em Viena sem nunca ter sido desmascarada.

Doris Lessing na mira do MI5

Em primeiro lugar, um pouco de contexto: Doris Lessing foi uma escritora natural do Irão, fruto de uma relação entre um bancário combatente britânica da I Guerra Mundial e de uma enfermeira, também ela inglesa. A autora de “A Canção da Relva” ou de “The Golden Notebook” venceu o Nobel da Literatura em 2007 por ser “a contadora épica da experiência feminina”, justificou a Academia.

De acordo com o The Guardian, Doris Lessing fez das causas comunistas o seu cavalo de batalha. Mudou-se para Londres depois de casar com o alemão que coordenava o “Left Book Club”, um grupo de leitores amantes das obras com orientação para a esquerda. A escritora nunca escondeu a sua oposição ao colonialismo, lutou afincadamente contra o apartheid e demonstrou-se uma clara opositora à utilização de armas nucleares. Além disso, os temas centrais dos seus livros eram sempre os conflitos entre raças, a violência contra as minorias, o feminismo e a ficção científica.

Era um perfil suficientemente exótico para que o MI5 ficasse alerta.  Ao longo de 20 anos, as conversas telefónicas e o correio que recebia eram sempre vigiados pela entidade secreta britânica. E todos os movimentos eram analisados com precisão: a sede do partido comunista britânico estava em constante observação, por exemplo.

O Le Monde conta que o MI5 enviou para o MI6 um perfil de Doris Lessing e de todos os escritores do mesmo círculo que tinham visitado Moscovo. Nesse documento estaria escrito que “as suas simpatias comunistas cresceram até ao ponto do fanatismo”. O MI6 terá respondido com o seguinte: “a exploração colonial é o seu tema de estimação e ela tornou-se quase irresponsável nas suas declarações, com quando disse que tudo o que é preto é maravilhoso e que todos os homens e todas as coisas brancas são maliciosas”, conta o The Guardian.

O facto de se relacionar com pessoas de todas as nacionalidades e de se juntar a grupos feministas defensores da “paz e felicidade” preocupava o MI5. Em 1956, foi expulsa da Rodésia na mesma altura em que a repressão de Moscovo se começava a sentir. Escreveu então uma carta onde comunicava “os graves crimes da URSS”, mas o documento nunca veio a ser publicado no jornal do partido a que pertencia, Daily Worker.

O MI5 continuou a investigar Doris Lessing e a analisar cada palavra da escritora, explica a BBC. Mesmo após os conflitos com as alas comunistas em que estava inscrita. Mas a última entrada nos documentos do MI5 referente a  Doris Lessing data de 1962: “é conhecida por ter mantido visões extremamente esquerdistas e tem especial interesse em questões africanas, como uma oponente manifesta da discriminação racial”, pode ler-se nos documentos lançados esta sexta-feira.

O casal dos agricultores que apoiaram os nazis

Chamavam-se Ronald e Rita Creasy. Eram proprietários de uma quinta em Eye, uma pequena cidade pertencente ao condado de Suffolk, em Inglaterra. E durante a II Guerra Mundial tornaram-se espiões nazis por entregarem informações sobre as atividade dos Aliados (o grupo composto pelos Estados Unidos, União Soviética e Reino Unido) à Alemanha, conta a BBC.

Os documentos do MI5 referentes ao casal de agricultores estão concentrados num espaço temporal entre setembro de 1939 e fevereiro de 1957. Neles são reveladas as técnicas de espionagem dos Creasy e em como davam guarida aos soldados alemães sempre que era estritamente necessário.

O MI5 apercebeu-se destas movimentações e já tinham argumentos para suspeitar do casal, conta o Ipswich Star. A mulher nunca tinha escondido a simpatia pelos soldados alemães, nem o homem se absteve de participar em reuniões no Partido Britânico Fascista. E mesmo após do desembarque na Normandia (6 de junho de 1944) o casal manteve relações com os alemães pelo menos até meados dos anos cinquenta.

A ameaça da Guerra Civil Espanhola

O receio do MI5 estava nos combatentes britânicos que tinham sido enviados para Espanha para participar na guerra civil entre entre 1936 e 1939. De acordo com os documentos lançados esta sexta-feira foram cerca de 4000, avança a Agence France Presse. E a maior parte deles tinham perfis guardados nos dossiers do MI5 logo que regressaram a casa.

Um deles foi George Orwell, o escritor do Partido Operário de Unificação Marxista que lutou contra Francisco Franco, Mussolini e Hitler em Espanha. Mas foi o ilustrador Paul Hogarth que mais preocupou os serviços secretos britânicos. Os documentos do MI5 referem que a sua ida para França tinha a “intenção de servir com as Brigadas Internacionais” e lutar ao lado dos republicanos espanhóis. O peso da guerra não foi suportado pelo inglês, que acabou por regressar a casa.

O medo do MI5 era que a guerra em Espanha provocasse intenções mais radicais nos combatentes republicanos britânicos. Por isso manteve-os em observação, para evitar que se instalasse no Reino Unido a mesma brisa revolucionária que soprava em terras espanholas e que os princípios soviéticos encontrassem terreno fértil no país.

Texto editado por João Cândido da Silva