É líder a Juventude Socialista (JS) desde 2012. Agora, aos 29 anos, João Torres, engenheiro civil de formação, prepara-se para dar o salto e vestir, pela primeira vez, o fato de deputado – é o número sete na lista socialista ao Porto. Em entrevista ao Observador, o anfitrião do Yes Summer Camp da JS, a rentrée socialista que decorre na praia de Santa Cruz, Torres Vedras, garante que se vai bater no Parlamento pela “despenalização das drogas leves e da eutanásia, sem esquecer a regulamentação da prostituição”. “A voz da JS será sempre progressista na Assembleia, mesmo em relação ao PS“, insiste. Reconhece que o partido tem sentido dificuldades em afirmar-se politicamente, mas culpa o Governo pelo clima de medo e de incerteza que criou, que alimenta e esgota todo o debate político. Apesar das recentes sondagens, ainda acredita na maioria absoluta. E deixa claro: “Seria absolutamente contranatura que o PS se aliasse a um ou ambos partidos para formar um Governo em Portugal“.

Ainda antes de começar a entrevista, apresentava os cantos do quartel-general da Juventude Socialista, um primeiro andar na Rodrigo da Fonseca, em Lisboa, quando se deteve numa sala especial, remodelada faz pouco tempo. As imagens dos dez líderes que lhe antecederam decoram a parede principal. Um a um, foi apontando e recordando onde estão hoje. “José Leitão, candidato a deputado; Margarida Marques, cabeça de lista; José Apolinário, também cabeça de lista; Sérgio Sousa Pinto, membro do secretariado nacional e candidato a deputado; Jamila Madeira, candidata a deputada; Pedro Nuno Santos, cabeça de Lista; Duarte Cordeiro, vice-presidente da Câmara de Lisboa [então, a uma semana de se tornar diretor de campanha do PS]; Pedro Delgado Alves, candidato a deputado”. “Acho que é um bom prenúncio”, confidencia em jeito de brincadeira.

Dos dez rostos que enfeitam a sala da sede da JS, apenas dois não estarão no campo de batalha socialista. Alberto Arons de Carvalho, o primeiro a ser eleito, ainda na ressaca da revolução, e, claro, António José Seguro, derrotado por António Costa nas eleições primárias do partido. (Costa que, curiosamente, começou a frequentar as reuniões da Juventude a convite do amigo Arons de Carvalho. Mas isso são contas de outro rosário).

António Costa venceu as eleições primárias com mais de 67% dos votos contra um Seguro que teimava em não conseguir mobilizar a máquina socialista e falhava em aumentar a distância para a coligação PSD/CDS. João Torres e a máquina da JS estiveram sempre entre os apoiantes de primeira linha de Costa. Hoje, quase 11 meses depois dessa vitória, continua tecnicamente empatado com Passos e Portas e, por isso, o tema torna-se incontornável: como se explica que o PS continue sem conseguir descolar nas intenções de voto, mesmo depois das expectativas criadas em torno do ex-presidente da Câmara Municipal de Lisboa?

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O PS não tem uma vida propriamente facilitada“, começa por reconhecer João Torres. “Ser líder da oposição foi sempre uma tarefa ingrata. E isso é igualmente válido para António Costa como para António José Seguro”. E depois há que não esquecer variáveis que, há um ano, não faziam parte da equação, continua o líder da JS. “Aquilo que aconteceu na Grécia, por exemplo, não ajudou nada a aligeirar o clima de incerteza que se vive em Portugal – uma incerteza que, aliada ao medo, são a marca de água deste Governo”.

Está dado o primeiro dos muitos golpes desferidos ao adversário político. Para o socialista, a “incerteza e o medo”, que, defende, são o combustível que alimenta este Executivo, favorecem a coligação. Ainda mais porque este “Governo decidiu verbalizar explicitamente a incerteza e o medo como modo de estar e como modo de vida na intervenção política. E isso, claro, dificulta a afirmação política de quem se apresenta como uma alternativa”.

A crítica é repetida mais do que uma vez: “Há uma tentativa” por parte da coligação Portugal à Frente, “que não é ingénua”, de “provocar medo às pessoas”, acenando com o fantasma dos hipotéticos perigos que dançam em torno de uma nova governação socialista. João Torres admite que a “mensagem política da direita é simples” e que, sendo simples, “pode ser eficaz”. Mas isso não faz dela verdadeira, garante o socialista.

“Na verdade, a crise tem sido utilizada de forma instrumental pela direita. A crise não tem sido um fim para a direita, tem sido um meio para operar em Portugal um conjunto de transformações que ao longo desta legislatura ficaram a nu, e que no programa da coligação ficaram ainda mais a descoberto, e que são alterações e transformações ideológicas. Acenar com o medo tendo como pano de fundo estas transformações é uma estratégia que vai esbarrar na realidade“, reforça.

Desafiado a responder àqueles que acusam o PS de se estar a preparar para fazer derrapar as contas públicas, seja através de obras faraónicas, seja através de parcerias público-privadas ruinosas para os cofres do Estado português, João Torres não hesita: “[Primeiro], o facto de o Governo dizer que o país tem as contas públicas equilibradas é mais um mito urbano. [Depois], essa ideia que o país se vai desequilibrar” com o PS em São Bento “é mais um fetiche para a direita, é mais um bicho papão“, pronto a servir de arma de arremesso político. “[Mas] acho que os portugueses não vão aceitar ser um mero joguete da direita nas próximas eleições legislativas”, confia.

De golpe em golpe, o líder da JS não descalças as luvas e lembra as promessas de Pedro Passos Coelho nas eleições legislativas de 2011 e o guião de reforma de Paulo Portas. “Não fui eu que disse que era tonta a ideia de eliminar os subsídios de férias e de natal dos trabalhadores. Também não me lembro de ouvir nenhum militante do PS a oferecer a resolução miraculosa da crise com base na eliminação das gorduras do Estado. E onde é que já lá vai o célebre guião de reforma do Estado de Paulo Portas?”, pergunta, para logo depois responder: “Para se governar bem um país, não basta ser-se apenas um bom contabilista, mas a direita está meramente confinada a uma perspetiva completamente contabilística” de governação.

Qual é, então, o caminho proposto pelo PS? “Reformar vários setores, melhorando o Estado Social” e, claro, investir para fazer crescer a economia do país, responde. “O investimento público é importante e necessário, mas é preciso ter também algum rasgo, alguma inovação, alguma criatividade, alguma ousadia, alguma vontade de transformação. E é isso que o PS quer trazer para Portugal e é isso que a direita não tem sido capaz de fazer”.

Mas não foi essa a estratégia utilizada até 2011? João Torres não foge à pergunta vestida de provocação. “O secretário-geral do PS já disse que o próximo ciclo de governação não será um ciclo propriamente abundante em grandes obras públicas, ainda que haja pequenas prioridades que têm de ser asseguradas. Não que elas não tenham sido importantes no passado. E eu não fujo ao passado: continuo a achar que Portugal precisava e ainda hoje precisa de se infraestruturar”. Mas agora as grandes prioridades terão de ser outras, explica.

E essa prioridade, “a” grande prioridade do PS e da JS, passa pela necessidade de promover a criação líquida de postos de trabalho e por combater a precariedade do emprego. É a única forma de “reverter a trajetória de destruição de emprego em Portugal” e de estancar a vaga de emigração. E, neste capítulo, João Torres não poupa mais uma vez críticas a Passos Coelho: “O Governo tem feito muitos malabarismos com as estatísticas do desemprego, mas a realidade desmente-o. [O pior] é que este Governo lida muito mal com a realidade”.

Em causa, está, novamente, a guerra dos números do desemprego. A mesma guerra que incendiou a discussão entre socialistas e parceiros da coligação. João Torres não passa indiferente à polémica e atira mais um golpe. “O Governo refere que ao fim de seis meses após a frequência de um estágio profissional há cerca de 70% dos jovens que fazem descontos para a Segurança Social, mas também é verdade que só uma percentagem muitíssimo inferior tem um contrato de trabalho estável. E fazer descontos para a Segurança Social não é sinónimo de ter um emprego estável, muito menos de ter um emprego de qualidade”, sustenta o socialista, que define o emprego estável e não precário como atributo fundamental para a “emancipação dos jovens portugueses”, “pedra angular” do programa do JS.

Ora, para o líder da Juventude, o país precisa de “apostar os recursos” que têm à disposição, nomeadamente os que são alocados ao abrigo do programa Portugal 2020, “para incentivar a contratação efetiva de jovens”, até porque o “paradigma dos estágios profissionais” está esgotado – “deve terminar” – e porque é preciso garante aos jovens uma “inserção real na vida ativa”.

Mas a receita é feita de vários ingredientes, sublinha. Se é verdade que os fundos comunitários são parte essencial da estratégia socialista, o país precisa também de “inverter rapidamente as políticas de austeridade” e de “libertar de forma equilibrada mais recursos para as famílias“.

Só assim a economia poderá crescer, defende. Daí que a tão controversa proposta de redução da Taxa Social Única (TSU) ocupe um papel tão central no programa eleitoral do PS. Esta medida não fragilizará o Sistema de Pensões? “Antes pelo contrário, vai ajudar a dinamizar a economia”. É, por si só, suficiente? “[Não]. É fundamental que a única fonte de financiamento da Segurança Social não seja apenas a TSU e essa proposta também está lá no programa”. Comporta riscos? “Sim, mas apenas se tudo correr mal”, sublinha.

“É evidente que se tudo correr mal, se tudo falhar, pode haver um ligeiríssimo agravamento das pensões futuras, mas é uma pequena diminuição que está estudada e que é muito pouco significativa. [Agora], se não fizermos nada pode acontecer ainda pior”, considera João Torres.

Naquele que será um dos temas da campanha eleitoral – a necessidade de resolver a questão da sustentabilidade da Segurança Social -, as posições de PS e PàF não poderiam ser mais diferentes. O líder da JS define o tom: “O que a direita propõe” quando fala em plafonamento é “transformar o nosso sistema de pensões numa slot machine“. No fundo, levar “o espírito de casino também para a Segurança Social”.

“A direita não aprendeu com a crise” dos últimos anos, que pôs a nu o facto de o “nosso sistema económico e financeiro está a gerar desequilíbrios muito fortes”, começa por dizer João Torres. “Depois de tudo aquilo que aconteceu, entregar cada um à sua própria sorte é a pior mensagem política que a direita podia ter”, mas é isso que o “plafonamento de pensões sugere”. E depois “se correr mal”? O que acontece às pessoas que quiseram “voluntariamente abdicar de uma parcela de descontos para a Segurança Social? O Estado terá de intervir, claro“, pergunta e responde o socialista.

Então, um entendimento com PSD e CDS em relação à reforma do Sistema de Pensões, que ambos reconhecem ser preciso, está afastado logo à partida? A pergunta acende o rastilho. “Sou frontalmente contra o plafonamento das pensões. Não há margem para haver um entendimento nesta e noutras questões. Seria absolutamente contranatura que o PS se aliasse a um ou ambos partidos para formar um Governo em Portugal”.

Voltamos, por isso, à casa de partida. Numa altura em que as sondagens não atribuem a maioria absoluta nem a PS, nem a PSD/CDS, – uma condição que ambos definem como indispensável para a estabilidade governativa – para onde se voltariam os socialistas caso vencessem pela margem mínima? À direita? Aparentemente, fora de questão. À esquerda? Tão ou mais difícil. Por isso, João Torres define a estratégia: é preciso convencer os indecisos e apelar ao voto útil. “Todos os portugueses que não vão votar na coligação, mas que podem votar no PS ou noutro partido, não se devem esquecer que o Bloco e que o PCP – não só fizeram o jogo da direita, em momentos cruciais -, como contribuíram decisivamente para a queda do último governo socialista“.

Sobram os “novos players” que se movimentam agora no tabuleiro do xadrez político português, resume o líder da JS. No horizonte, o Livre/Tempo de Avançar, de Rui Tavares e Ana Drago. Apesar de reconhecer que os resultados nas sondagens não auspiciam um resultado robusto nas urnas, João Torres não tem dúvidas em considerá-los uma “lufada de ar fresco no sistema político português” e os únicos com, aparente, vontade de criar pontes sólidas com o PS.

Mas até essa relação, alimentada aqui e ali pelos dois partidos, pode ter algumas dificuldades para sobreviver ao teste da governação – isto, se os resultados nas urnas, tornarem viável uma parceria entre PS e Livre/Tempo de Avançar, claro. Existe um intruso chamado “reestruturação da dívida pública” que promete, logo à partida, colocar alguma areia na engrenagem: a coligação liderada por Rui Tavares e Ana Drago não abdica dessa bandeira; os socialistas não a inscreveram, sequer, no programa eleitoral. É caso para dizer que a questão da dívida perdeu espaço na agenda do PS? Nem por isso, responde João Torres.

“Renegociar a dívida tem de estar sempre em cima da mesa para um Governo responsável. Agora, o PS não tem de ter a restauração da negociação como uma prioridade política, no sentido de a ter inscrita no programa. Não seria sensato”, insiste. Não seria sensato porque não depende apenas da vontade política do futuro governo.

O “grande mérito do PS” nestes últimos meses, continua João Torres, “foi dizer: ‘se nós não conseguirmos mudar a Europa que temos pela frente, nós ainda assim conseguimos implementar uma política que difere daquela que tem sido implementada não apenas quanto ao grau, mas também quanto à natureza”, acabando “com a austeridade tal como a conhecemos”. E o PS consegue fazer isso “com as atuais regras europeias”, garante o socialista.

Agora, “isso significa que um primeiro-ministro deva desaproveitar todas e quaisquer as oportunidades para que Portugal possa ter mais tempo para pagar a sua dívida? Com certeza que não“. Mas essa “discussão sobre a dívida” deve ser relegada “para um segundo plano”, reforça o líder da JS.

Não o diz à partida, mas nas palavras tem escondida a receita traçada há muito por António Costa. O próximo governo tem de fazer uma “leitura inteligente das regras do Tratado Orçamental” e procurar uma política alternativa que garanta mais rendimentos para as família e respeite, simultaneamente, as metas traçadas pelos tratados europeus.

Conseguirá o PS ser bem-sucedido num campo de batalha onde o Syriza não conseguiu, apesar do braço-de-ferro mantido ao longo de vários meses? Num campo de batalha onde, ainda antes dos gregos, já os franceses liderados pela grande esperança dos socialistas europeus, François Hollande, já tinham caído? Não há risco de a alternativa socialista cair no saco da hollandização? De todo, responde João Torres.”[O Presidente francês] foi uma grande deceção para todos os socialistas. [Mas], António Costa dá-me garantia de não ser hollandizável“.

Hollande acabou por salvar a face ao desempenhar um papel fundamental nas negociações do derradeiro acordo entre gregos e credores, continua o socialista. Mas foi um acordo duro para Atenas, reconhece. Apesar da austeridade aplicada na Grécia ser prova de que essa receita “não tem qualquer racional”, foi “a solução possível” para que os gregos “não saíssem da Zona Euro”, assume.

No futuro, é preciso unir esforços “para tornar o Euro uma moeda mais democrática”. Para já, a curto prazo, há que aproveitar a “margem muito mínima” que existe para “fazer uma leitura inteligente do Tratado Orçamental”. Uma margem que, diz, “não dá muito ânimo em relação ao futuro”. Nesse sentido, não deve ser esse o fio condutor da campanha socialista.

Não me parece que seja sensato fazer uma luta desenfreada ou uma campanha eleitoral com base numa promessa que não se pode cumprir, porque não depende apenas da nossa vontade, não é a estratégia mais visada. E acho que o PS percebeu isso e bem”, conclui.

A 4 de outubro, nas eleições legislativos, vão a jogo “aquilo que este Governo foi capaz de fazer” e aquilo que o PS se compromete a fazer em alternativa. Essa é a primeira batalha socialista. A seguinte, as presidenciais, chegará mais tarde. Sobra, por isso, pouco espaço para discutir quem deve apoiar o PS na corrida a Belém.

Para João Torres, no entanto, tudo “seria muito mais simples se António Guterres se decidisse candidatar. Nunca escondi que era ele a minha única primeira opção“. O Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados parece, no entanto, irredutível na sua decisão de não entrar na corrida a Belém. Por isso, o líder da JS aponta: “Acho que o PS deverá, a seu tempo, apoiar o candidato António Sampaio da Nóvoa“.

A sua escolha, pelo menos, já está feita. “Tenho o maior respeito pessoal e político pela Maria de Belém. [Mas], acho que Sampaio da Nóvoa é representativo da generalidade do pensamento da esquerda democrática. Tem um percurso cívico muito interessante, um percurso académico por demais respeitado e que me dá a garantia de que não será a caixa-de-ressonância de nenhum governo”.

Mas nem todos os socialistas concordam com esta leitura. Torres reconhece e admite a diferença de opiniões, mas, no final, deixa uma mensagem, em jeito de aviso. “O que sei é que as últimas eleições presidenciais deixaram uma mensagem muito clara ao partido: talvez não seja muito avisado o PS dividir em diferentes candidaturas presidenciais”.