O paquistanês Saeed Alam não imaginava, há ano e meio, ser um refugiado político em Portugal e muito menos guia em Lisboa, através da primeira agência nacional de ‘turismo solidário’.

Tentando usar o português aprendido para se apresentar ao grupo que vai guiar, Saeed depressa adota o inglês para melhor explicar que o nome de Alfama, proveniente do árabe, significa “fonte ou banhos” e relatar a sua história.

Para escapar às perseguições por ser um militante pacifista no Paquistão, o guia pagou uma viagem para o Canadá, mas acabou por ter Lisboa como destino forçado depois de lhe roubarem o dinheiro e os documentos.

Sem trabalho e com as licenciaturas de Ciência Política e Informática, além de experiência como professor de inglês, encontrou a instituição de apoio social Cais, junto da qual os fundadores da Impactrip procuravam antigos sem-abrigo para serem guias turísticos.

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Um dos fundadores da agência de turismo, Diogo Areosa, explicou à Lusa o projeto ‘Rotas de Inclusão’: “Formamos os ex-sem abrigo que trabalham connosco para poderem contar as suas histórias felizes enquanto viveram num processo de rua ou enquanto andavam por aqui meios perdidos”.

Os três homens incluídos nesta fase do projeto escolheram como percursos Alfama e Mouraria.

“Muitos passaram pela zona de Santa Apolónia, onde as histórias não eram muito felizes e, por isso, nós optamos por cortar. Eram onde eles dormiam, mas também onde lhes aconteciam as coisas menos positivas”, notou o empresário, sublinhando que uma das tónicas dos roteiros é mostrar os “pontos mais felizes” das vidas dos guias.

Depois de meses de formação, nomeadamente a aprender a falar em público, Saeed Alam começa, no Arco das Portas do Mar (perto da Casa dos Bicos), o roteiro que criou para provar que Alfama e a sua aldeia têm muito em comum. Uma pequena lição de árabe também está incluída: o seu nome (Saeed Alam) significa “mundo feliz”.

O percurso a subir tem como paragens a Sé e o miradouro de Santa Luzia, onde, com o Tejo como cenário, o paquistanês assume a sua veia poética e declama um texto denominado “Empty World”, ou seja, o “mundo vazio”.

O poema enumera “ruas vazias”, “destinos desconhecidos” e “muitos caminhos, mas sem um destino para chegar”, e fala também de como se pode sentir invisível entre muitas pessoas ou ter “a alma em lágrimas” apesar de um sorriso na cara.

“Se eu dormir em paz na minha casa, enquanto as outras casas estão em fogo, o cheiro irá queimar-me o cérebro sem fogo”, ouve-se, no final.

Já a descer, o paquistanês faz questão de parar por baixo de uma parreira ou de ouvir o som de fontes e lembrar que, tal como em Lisboa, na sua terra natal há estações de comboio, calor e História.

Os percursos das ‘Rotas de Inclusão’ demoram duas horas a serem percorridos a pé, “mas não são cansativos” dadas as muitas paragens para dar espaço a perguntas e fotografias e “desfrutar das maravilhosas paisagens”, aproveitou para explicar Diogo Areosa.

Saeed quer ficar por Portugal, com o projeto de “conhecer novas pessoas, dar a conhecer a sua cultura e aprender a dos outros”.

De sorriso rasgado e constante, a fazer jus ao seu nome de Mundo Feliz, o paquistanês assumiu à Lusa querer “um dia ser português”.

“Quem me dera. Dedos cruzados. ‘I want to be’ a português [eu quero ser português]”, disse.

Até porque ser português, segundo Saeed, será pertencer a um povo de “pessoas sentimentais”: “Sabem o que é amar e são simpáticos. É o que mais gosto deles: têm um coração, porque há pessoas sem coração, que apenas usam o cérebro”.