Joseph Cannataci vive em Malta, é professor na maior universidade pública do país, mas é, sobretudo, um investigador na área da vigilância digital. Em entrevista ao Guardian, poucas semanas após ter sido empossado como relator especial para a privacidade das Nações Unidas — um cargo, também ele, recém-criado –, Cannataci tem três “alvos” principais no seu discurso: os governantes e os Estados, as redes-sociais (ou melhor, as empresas privadas que as detêm) e os “piratas” informáticos. Não os coloca, porém, no mesmo campo de crítica, mas assume que, dado o modo como estes atuam na ciberespaço, invadindo a privacidade digital dos cidadãos, é necessária “uma espécie de ‘convenção de Genebra’, que determine uma lei para internet”, lei essa que venha salvaguardar a nossa privacidade, os nossos dados, e que combata uma ‘espionagem’ que descreve como “clandestina, massiva e digital.”

O cargo de Cannataci nas Nações Unidas foi criado na sequência do que foram as revelações sobre a espionagem norte-americana de Edward Snowden. O relator especial para a privacidade crê que o caso Snowden teve, apesar de tudo, um aspecto que considera positivo. “Sim, foram [revelações] muito importantes. Snowden continuará a ser olhado como um traidor por uns, como um herói por outros. Mas as suas revelações confirmaram-nos, a quem trabalha no terreno há muito tempo, o que se passava, e percebemos que isto está fora de controlo.”

No entanto, a espionagem dos Estados Unidos é, comparando-a com a realidade britânica, “uma piada”, afirma Joseph Cannataci. E faz uma curiosa análise. A situação é, hoje, muito mais grave do que aquela que George Orwell previu no seu livro “1984”. “É bem pior. Hoje há câmaras de vídeovigilância (CCTV) em todo o lado. O Winston [Winston Smith, o personagem principal da trama orwelliana] é capaz de se refugiar no campo, esconder-se por debaixo de uma árvore, sem ser visto. Hoje em dia, há muitas zonas rurais inglesas que têm mais câmaras do que Orwell sequer imaginaria. A tecnologia está desenvolver-se de tal modo, que se torna sinistra”, explica.

Não tem Twitter, Facebook, ou “pegada digital” em qualquer outra rede-social. “As pessoas queixam-se, questionam-se sobre o porquê de eu não ter. A verdade é que, desde que eu acredito em privacidade, não sinto necessidade de me expor lá”, confessa ao Guardian, com ironia. O cargo que hoje ocupa permitir-lhe-á, por exemplo, ajudar os Estados a rever as políticas e as leis governamentais sobre intercepção de comunicações digitais entre cidadãos e recolha desses dados. Um trabalho hercúleo. “Eu diria que é impossível fazer tudo isto em três anos. E será impossível mesmo que o meu mandato seja renovado por seis, por tanto que me esforce. O impacto será a longo prazo.”

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR