O número impressiona: “Em Portugal, no mês de junho, consomem-se cerca de 13 sardinhas por segundo, ou seja, cerca de 35 milhões de sardinhas”. E não desconfie da fonte, pois ela é o Oceanário de Lisboa, que referiu este número no âmbito de uma ação de sensibilização para o consumo de peixe.

Percebe-se como se chega a estes valores: a sardinha não pode faltar nas festas populares e os grelhados de peixe são regra no verão. A gordura da sardinha é boa e recomenda-se, mas infelizmente esta e outras espécies encontram-se ameaçadas pela sobrepesca (pesca excessiva). É por isso que Portugal e Espanha estabeleceram a tão contestada quota de pesca da sardinha, limite que muitos pescadores portugueses já atingiram.

Esgotar a reserva de sardinha no oceano não seria mau só para quem gosta de a comer nas festas populares. Há outros peixes que também se alimentam de sardinha, como o atum ou a pescada, cuja sobrevivência poderia ficar comprometida, tornando-se cada vez mais difícil encontrá-los no mercado.

“Mais de 70% das espécies de peixe de todo o mundo são sobrepescadas”, informa o Oceanário.

Os portugueses são os terceiros maiores consumidores de peixe do mundo e os maiores da União Europeia – um português consome em média 57 quilogramas de pescado por ano, contra 21,4 quilogramas da média da Europeia, refere a ferramenta online “Que peixe comer?”, divulgada pela Liga para a Proteção da Natureza (LPN). “Em todo o mundo, três mil milhões de pessoas dependem de espécies marinhas como fonte principal de proteína”, sublinha o Oceanário.

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Embora a sardinha seja o pescado mais importante para o setor em Portugal, não são a única espécie ameaçada pela sobrepesca. Foi por isso que o Oceanário preparou um guia – o cartão S.O.S. Oceano – que “sugere ao consumidor os peixes e mariscos que pode comprar e consumir sem comprometer o futuro dos oceanos”. Veja também as recomendações da LPN em: “Que peixe comer?”.

Peixe: fonte de magnésio, potássio e ómega 3

O consumo de sardinha é aconselhado por ser uma boa fonte de ácidos gordos ómega 3 e por ter baixos níveis de colesterol. Mas o carapau, a cavala e a sarda também apresentam estas vantagens e encontram-se na lista da “melhor escolha” do Oceanário – “espécies mais abundantes, capturadas ou criadas de forma sustentável, respeitando o meio ambiente”. Isto desde que se tenha em atenção o tamanho – os “jaquinzinhos”, por exemplo, têm muitas vezes dimensões inferiores às recomendadas.

Os ómega 3 tem um papel importante na regulação do processo inflamatório, diz Nuno Borges, professor na Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto. E a inflamação é uma importante resposta a uma agressão, como uma infeção ou uma ferida. Além disso, os ácidos gordos são importantes para a saúde cardiovascular.

Estes ácidos gordos podem estar presentes em alguns óleos alimentares ou em frutos gordos, como nozes e avelãs, mas os ómega 3 do peixe têm cadeias mais longas, uma caraterística importante na função da molécula no nosso organismo. O ácido α-linolénico, um dos ácidos gordos, parece ser particularmente importante para os neurónios e células que os envolvem, refere o nutricionista. “Aparecem na membrana das células e são importantes no estabelecimento de sinapses [ponto de ligação e comunicação entre as células].”

É por isso que Nuno Borges recomenda a ingestão de peixe gordo, como sardinha (mesmo que seja em lata), cavala ou salmão, duas vezes por semana, especialmente em grávidas ou em mulheres que pensem engravidar. O ómega 3 parece ser importante para o desenvolvimento intelectual e acuidade visual, daí a importância durante a gestação. Mas o nutricionista refere que num país com um consumo de pescado tão grande dificilmente se justifica que as pessoas precisem de suplementos de ómega 3 – a alimentação parece ser suficiente.

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Cartão S.O.S Oceano (clique para ver maior) – Oceanário de Lisboa

Os suplementos alimentares ricos de ómega 3 também não parecem ter efeito no declínio cognitivo causado pelo aumento da idade, segundo um estudo publicado esta terça-feira na revista científica The Journal of the American Medical Association. A investigação, liderada por uma equipa dos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos (NIH), estudou um universo de quatro mil pessoas ao longo de cinco anos – um dos ensaios mais longos e mais alargados deste tipo.

“Contrariamente à crença popular, não vimos nenhum benefício dos suplementos de ómega 3 na inibição do declínio cognitivo”, diz Emily Chow, diretora clínica adjunta do Instituto Nacional do Olho dos NIH, citada em comunicado de imprensa. Já o ómega 3 com origem na alimentação parece ser diferente. “Vimos dados em que a ingestão de alimentos com ómega 3 pode apresentar benefícios para a saúde do olho, cérebro e coração.”

O nutricionista recomenda, porém, cuidado com a ingestão de outros peixes, especialmente os que estão no topo da cadeia alimentar, como o espadarte ou o peixe-espada, porque têm tendência para acumular metais pesados (acumulado dos vários peixes mais pequenos que comem). Para os humanos, os metais pesados, como o mercúrio, podem trazer problemas para o sistema nervoso central nas pessoas. Por isso tenha cuidado também com a tintureira, o cação, o tamboril ou o lagostim.

A dourada e o robalo também são ricos em ómega 3 e pobres em colesterol, mas o consumo só é sustentável se a origem for a aquacultura. A forma selvagem destas duas espécies, respeitando os tamanhos aconselhados, e tendo dinheiro para as pagar nos mercados, entram na lista “alternativa”, que inclui “espécies cujo método de captura/criação apresenta poucas preocupações”, mas também “espécies abundantes, mas com pouco adultos reprodutores ou sobre as quais existe pouca informação, ou espécies cujo habitat está em risco devido à ação humana”.

Já o salmão, outro peixe gordo recomendado pela quantidade de ómega 3, está na lista de peixes a “evitar”, que inclui “espécies vulneráveis, sobre-exploradas, com gestão deficiente ou cujos métodos de captura/criação são desadequados e/ou com impacto no meio ambiente”.

Regra geral, os peixes das listas do cartão S.O.S. Oceano são baixos em colesterol, constituindo por isso uma boa alternativa à carne. A Roda dos Alimentos recomenda 1,5 a 4,5 porções de carne, peixe ou ovos por dia, sendo que uma porção de carne ou peixe são 25-30 gramas e uma porção de ovo é um ovo de tamanho médio. Se comer um bife de vaca de 100 gramas à hora de almoço tem a recomendação para esse dia completa.

“Os portugueses são responsáveis por mais de 25% do consumo global de bacalhau”, informa o Oceanário.

Na lista “alternativa”, e mesmo na das espécie a “evitar” caso tenham menos de 35 centímetros, está o bacalhau, o peixe que parece não poder faltar numa casa tradicional portuguesa. As recomendações dos limites de pesca propostas pela Comissão Europeia alertam que a maior parte das zonas de pesca do bacalhau estão sobre-exploradas ou ultrapassaram os limites biológicos seguros – nestas zonas deve interromper-se a pesca.

Entre as melhores escolhas aparecem também o choco e o polvo-comum (mas atenção ao tamanho), porque são uma boa fonte de potássio. Este mineral é importante para o equilíbrio de sais dentro e fora das células e quando os níveis sobem ou baixam muito no sangue podem provocar problemas cardíacos, refere Nuno Borges. Aparentemente, manter os níveis de potássio altos ajuda a manter a tensão baixa, diz o nutricionista. Outro mineral, o magnésio, importante para o funcionamento do músculo cardíaco, do músculo esquelético e do sistema nervoso central, aparece em quantidade na ameijoa-boa, também na lista das melhores escolhas.

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