“Quem é que acreditava que íamos conseguir? Ninguém. Acreditava eu. Chegaram a rir-se de mim. E é verdade que foi difícil. Foi muito, muito difícil. É necessário muito trabalho, muito crer, não só de quem treina, não só quem joga, mas, sobretudo, de quem preside”, explica Carlos Pinho, que confessa que a ascensão tão rápida do Arouca à Primeira Liga teve os seus contratempos. Muitos. “O mais fácil é desistir. Sempre. Perde-se um jogo, perdem-se dois, isto é um negócio que não dá dinheiro, o que dá são dores de cabeça, muitas dores de cabeça, e sai-se da presidência, apresenta-se a demissão, convocam-se eleições e acabou-se o problema. Mas isso não é para mim. Eu no que me meto, dê lá por onde der, é para ter sucesso. E consegui.”

Há um antes e há um depois de Carlos Pinho no clube da terra. Primeiro, surgiu o Ginásio Clube de Arouca, uma filial do Futebol Clube do Porto, que teve como sede, durante muitos e muitos anos, um segundo piso da antiga Pensão Ferreira Pinto, no centro da vila. Estávamos em 1952. O calendário foi avançando, mudou-se-lhe o nome para Futebol Clube de Arouca, mas a verdade é que o Arouca, seja Ginásio ou Futebol, tanto faz, nada mais conseguiu do que disputar as divisões distritais de Aveiro. E títulos só os teve já na viragem do século, com duas promoções (em 2000/2001 e 2002/2003, sempre em 1.º lugar) à III Divisão.

Carlos Pinho é nado e criado em Arouca. Fez-se empresário, senão o maior, um dos maiores dos distritos de Aveiro e de Viseu no ramo da construção civil. Deu (e dá) emprego a muitos arouquenses na sua empresa, e resolveu, quando viu o clube sem rei nem roque, candidatar-se à presidência e assumi-lo. Foi na temporada de 2006/2007. Nesse mesmo ano, o Arouca venceu a I Divisão Distrital da Associação de Futebol de Aveiro. O que se seguiu, nas temporadas seguintes, foi uma ascensão até ao topo, desde o futebol amador, distrital, a jogar em campos de futebol pelados, com ninguém ou quase ninguém nas bancadas, até à Primeira Liga, para jogar com Benfica, Futebol Clube do Porto ou Sporting. E tudo em apenas seis anos. A saída do distrital foi em 2007. A chegada à Liga em 2013.

Arouca

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Jorge Gabriel. Da televisão para o distrital

O primeiro treinador que Carlos Pinho quis contratar para o Arouca foi Jorge Gabriel. Um nome do entretenimento, rosto mediático da TV, e em quem — por causa desse mediatismo — Carlos Pinho via a publicidade que o seu o Arouca necessitava. Jorge Gabriel esteve nas duas primeiras subidas de divisão do Arouca de Carlos Pinho: primeiro em 2006/2007, à III Divisão, como treinador-adjunto de Rui Correia; e em 2007/2008, na subida à Série C da II Divisão B, aí como treinador principal, mas só na primeira fase da época.

“Eu estava a estudar, a tirar o curso de treinadores, e tinha um colega que era de Arouca. Foi ele quem comentou com o Carlos Pinho que eu queria ser treinador. O Carlos Pinho respondeu-lhe que eu seria o treinador certo para pegar no projeto que tinha para o Arouca, porque era mediático, porque ia atrair as atenções para o clube – ele tinha chegado à presidência nessa altura –, e convidou-me, num jantar, para ser o treinador. Não aceitei. Não tinha vida profissional para ser treinador. E para mim não fazia sentido ser um treinador à distância.”

A recusa foi imediata, mas não definitiva. Aceitou, mais tarde, ser adjunto. Chegou tantas e tantas vezes tarde a casa: vinha do Porto até Aveiro, de Aveiro até Arouca — o segundo percurso, sobretudo em dias de chuva e de inverno, demorava tanto ou mais tempo que o primeiro –, para depois, terminado o treino, já fora de horas, regressar à Invicta, porque no dia seguinte havia que ir novamente para o ar, em directo, manhã cedo, na RTP1.

“No primeiro ano, o Arouca jogava na distrital de Aveiro, e tinha uma ambição, que era a de subir à III Divisão. E subimos, com vinte e tal pontos de avanço. Na época seguinte, o Arouca reforçou-se, queria subir à II Divisão B, e subiu novamente. Infelizmente, eu saí do clube a meio da época, pois não conseguia mais conciliar a minha vida profissional, como apresentador, com a de treinador no Arouca, e saí. Mas saí com o Arouca nos primeiros lugares, os que davam acesso à segunda fase da prova, onde se ia discutir a subida à II Divisão B. Há algo que digo sempre, e digo-o sem vaidade: o meu Arouca, o que eu treinei, sabia jogar à bola. Comigo não havia cá pontapé para o ar e fé em Deus.”

Carlos Pinho teve um treinador antes de Jorge Gabriel, Rui Correia, que promoveu o clube à III Divisão, e teve vários depois dele: José Pedro, que subiu o Arouca à II Divisão B; Carlos Secretário e Henrique Nunes, que o subiu à Segunda Liga; Eduardo Galiza; Vítor Oliveira, o especialista mor em promoções do futebol português, que trouxe o clube para o convívio dos grandes; Pedro Emanuel, na estreia dos arouquenses na Primeira Liga e, hoje, Lito Vidigal, que pôs o clube (à segunda jornada) no primeiro lugar isolado da prova.

Arouca, 25/08/2015 - Reportagem, esta tarde no Estádio Municipal de Arouca, com o FC Arouca que é líder isolado da I liga. Carlos Pinho (Tony Dias/Global Imagens)

Carlos Pinho chegou à presidência do Arouca em 2006/2007. Logo nessa temporada subiu o clube da terra à III Divisão
(Tony Dias/Global Imagens)

Mas o segredo do sucesso, confessa o presidente, não são os treinadores em quem apostou, não são os futebolistas que contratou, o segredo é… ele. “O segredo é ser-se sério. Pagar. E não pagar mais do que aquilo que se é capaz de pagar. E isso só é possível se houver quem mande. Quem manda aqui sou eu. Nós somos nove na direção, mas quem manda sou eu. Aqui no Arouca ninguém faz nada sem que eu tenha conhecimento. Aqui não se compra uma folha de papel que seja, sem que eu autorize a compra. Por outro lado, claro que o apoio dos arouquenses, dos nossos associados, é importante. E importante é também o apoio que recolhi dos empresários da região, que nos ajudam financeiramente como podem, um bocadinho daqui, outro bocadinho dali, tudo ajuda para que consigamos ter o Arouca cá em cima, na Primeira Liga.”

Uma vila que vive o futebol. Não para ele, mas com ele

“As gentes de Arouca sempre gostaram muito de futebol. Aliás, verdade seja dita, o Arouca sempre foi o clube do distrito de Aveiro que mais adeptos arrasta para todo o lado. Ainda nós estávamos na distrital, ainda o Beira-Mar estava na Primeira Liga, e sempre o nosso estádio se encheu mais que o deles.” Artur Neves é o presidente da Câmara Municipal de Arouca há quase uma década. Está no terceiro e derradeiro mandato. “O desporto sempre foi uma prioridade para Arouca. Foi comigo já à frente da Câmara, por exemplo, que se inaugurou o estádio municipal, em maio de 2006 — ainda o Arouca jogava na distrital de Aveiro –, contra o Futebol Clube do Porto.”

E o responsável pelo sucesso do Arouca, quem é? A vila teve a sua “quota-parte”, garante, mas Artur Neves não hesita quando lhe é feita a pergunta. “O responsável é o seu presidente, o Carlos Pinho, ele é que pegou num clube de distrital e o trouxe por aí acima. Foi a ambição dele que fez do clube o que ele é hoje. Ele sempre me disse que só descansava quando chegasse à Primeira Liga. A Câmara o que fez foi, enquanto o clube andou pelas divisões amadoras, disponibilizar-lhe as infraestruturas, a logística que era necessária, apoiá-lo com o que era possível apoiar, e o clube soube, com mérito, aproveitar tudo isso.”

Arouca, 14/02/2013 - Reportagem com Futebol Clube de Arouca, no estádio Municipal de Arouca. Artur Neves, presidente da Câmara Municipal de Arouca. ( José Carmo / Global Imagens )

A relação de Artur Neves, presidente da Câmara Municipal de Arouca, com Carlos Pinho nem sempre foi “pacífica”. Mas diz: “O clube é ele. É dele o mérito do sucesso do Arouca.”
( José Carmo/Global Imagens )

As relações entre Artur Neves e Carlos Pinho nem sempre foram pacificas, pois a ambição de um esbarrava na impossibilidade do outro em ajudá-lo mais do que a lei lhe permitia. “Quando o Arouca se profissionalizou, aí não, não os apoiámos mais, até porque a lei nos impede, enquanto Câmara, que financiemos direta ou indiretamente qualquer clube profissional. O que fazemos hoje é alugar-lhes o estádio, e é o clube quem o gere e paga as despesas com a manutenção. Eu costumo dizer ao presidente Carlos Pinho que ele é um caso de estudo. É um homem com raízes humildes, aqui de Arouca, que creio só ter tirado a 4.ª classe, mas que é um empresário de muito sucesso. A determinação dele como empresário trouxe-a para o futebol. O clube é ele. Confundem-se. Mas atenção, que as nossas relações nem sempre foram, como direi, as mais pacíficas. O Carlos Pinho quer o melhor para o clube, mas eu, como presidente da Câmara, também tive e continuo a ter que traçar algumas linhas vermelhas, vamos chamar-lhe assim, pois há que saber separar a gestão pública da gestão privada de um clube. Mas considero-o um grande presidente, sim.”

O clube chegou à Primeira Liga, rapidamente e vindo de longe, a custo, mas Jorge Gabriel recorda que não é caso único. “Utópico? Utópico não é. E o Arouca é a prova provada de que não é uma utopia trazer um clube dos distritais até à Primeira Liga. E também não é caso raro. Eu recordo-me bem que o Felgueiras, que até foi treinado pelo Jorge Jesus, também o fez, há muitos, muitos anos. Chegou ao Natal lá na frente e desceu à II Divisão no final. Utópico não é. São epifenómenos. Difícil, difícil, não é chegar, mas continuar cá em cima por muitos anos. O Arouca tem tudo para consegui-lo.”

As recordações dos dias de Arouca são muitas. Mas não tenciona regressar ao banco. “Já tive convites para voltar a treinar. Não vou revelar, por respeito para com eles, quais os clubes que me convidaram, mas tive vários. Mas não vou voltar a treinar. Se quero ter uma vida profissional que me preencha, vou tê-la na televisão, se quero ser um pai presente, não tenho como sê-lo, sendo treinador e tudo o mais ao mesmo tempo. É que o futebol, mesmo que amador, não é só o jogo ao fim-de-semana. O futebol é mais do que isso: são horas e horas de treino, de análise, de decisão, até que chegue o fim-de-semana. A minha vida não mo permite. Mas satisfiz um sonho que tinha. E por muitas voltas que o mundo dê, e dê lá por onde der, eu fiz o que queria, e treinei um clube. E orgulho-me muito, muito mesmo, desses dias.”

Aos futebolistas que treinou, perdeu-lhes o contacto. “Mas era uma grande, grande equipa. Volta e meia, enviavam-me mensagens pelo Facebook, trocava com eles dois dedos de conversa, mas o contacto foi-se perdendo. Um dos melhores futebolistas que treinei, o Capela, que era um miúdo da terra, lá de Arouca, chegou à Primeira Liga com o Penafiel. O miúdo era muito, muito bom. Orgulho-me de o ter lançado. Não fossem as lesões que teve, e hoje era um médio de topo em Portugal”, salienta.

O novo sonho do Arouca: chegar à Europa

Aveiro, 18/08/2015 - O Futebol Clube de Arouca recebeu esta noite o Sport Lisboa e Benfica no Estádio Municipal de Aveiro em jogo a contar para a 2º jornada da I Liga 2015/2016. 11 inicial do Arouca (Fábio Poço/Global Imagens)

A vitória no Estádio Municipal de Aveiro, casa emprestada do Arouca nos jogos com os “grandes”, contra o Benfica, foi histórica: nunca o Arouca tinha vencido os dois primeiros jogos da Liga NOS
(Fábio Poço/Global Imagens)

Arouca é uma vila pacata, com pouco mais de 20 mil habitantes, com a Serra da Freita em volta. Tão pacata que nem o primeiro lugar isolado na Primeira Liga da equipa treinada por Lito Vidigal veio alterar essa pacatez. Mas houve benefícios, não de hoje, mas desde meados de 2013, quando o clube chegou à Primeira Liga, que o autarca de Arouca faz questão de recordar. “ Chegar à Primeira Liga? Ser líder? Se quer quer lhe seja franco, não, nunca imaginei que tal coisa fosse possível. Claro que o sucesso do Arouca, como clube que é, foi importante para a vila. Mas também é verdade que se Arouca não tivesse nada para oferecer a quem nos visita, se não tivesse acessibilidades para cá chegar, se não tivesses bons restaurantes onde comer, se não tivesse bons sítios onde pernoitar, se não tivesse o que visitar, o futebol, por si só, não acrescentaria nada à vila. Havendo isso, ganha o clube e ganha Arouca. A nossa economia também depende muito do turismo. E nós nunca conseguiríamos, por muito que se quisesse, pagar a promoção que o Arouca nos traz desde que subiu à Primeira Liga. É extraordinário…”

No clube, a ordem é a de não cair em deslumbramento. E a ordem vem de cima, de Carlos Pinho. “Claro que estou muito feliz com a liderança. Estamos todos. Mas eu sei melhor do que ninguém que tudo isto é temporário. O nosso lugar não é este. História? História já nós conseguimos fazer, ao vencer os dois primeiros jogos do campeonato, algo que nunca tinha sido conseguido.”

E o sonho, que era o de chegar à Primeira Liga, é hoje, com o sucesso do projeto, outro? “O sonho é chegar à Europa. Sei que não vai ser já, mas há-de ser. O que quero hoje, e enquanto cá andar, é ver o Arouca consolidar-se na Primeira Liga, continuar a pagar a tempo e a horas, continuar a jogar um futebol bonito de se ver e honrar o clube e a vila de Arouca. Chegar à Europa não me aquece nem me arrefece, se para isso tiver que me endividar, não pagar a ninguém, e depois vir por aí abaixo e fechar as portas. Está a perceber? Isso não quero.”