As frases e as expressões são quase sempre parecidas. Os olhos focam a câmara em frente. “É difícil dizer o que tenho para vos dizer”, com um ar que parece um misto de preocupação com alívio. E depois vem a confissão: “Sou gay”. Cada vez mais youtubers, ou seja, produtores de conteúdos no YouTube, assumem a sua homossexualidade perante esta comunidade com mais de mil milhões de utilizadores ativos por mês. O Observador quis saber o que os leva a falar de algo tão íntimo como a sua sexualidade e quais as consequências para os seus seguidores.

Ellen Paige, Caitlyn Jenner e Miley Cyrus são manchete ao assumirem a sua sexualidade —  Paige disse em 2014 que é lésbica, Jenner é transexual e Cyrus assumiu-se recentemente como pansexual –, mas fora das tradicionais luzes da ribalta, há um grupo de rapazes e raparigas que optam por partilhar a sua homossexualidade com milhões de desconhecidos. Caso não seja utilizador assíduo do YouTube, é possível que nomes como Joey Graceffa, Shane Dawson, Ingrid Nilsen e Connor Franta não lhe digam nada, mas em conjunto têm 20 milhões de pessoas que veem os seus vídeos diariamente e trabalham exclusivamente a criar conteúdos para esta plataforma.

Todos eles assumiram nos últimos meses que gostam de pessoas do mesmo sexo — Shane Dawson diz ser bissexual — e o YouTube tremeu com algumas destas confissões. Desde logo porque estar no YouTube é muitas vezes mostrar o dia a dia e algumas destas “estrelas” do vídeo tinham parceiros heterossexuais (que também davam a cara). Depois, porque a confissão veio na forma de um vídeo — o de Ingrid Nilsen, em que ela assume ser lésbica e conta como cresceu com esta certeza, mas sentiu sempre necessidade de a esconder, já tem mais de 11 milhões de visualizações. Joey Graceffa optou por assumir a sua homossexualidade num vídeo musical em que no final, em vez de beijar uma princesa, beija um príncipe. Veja os vídeos mais abaixo.

As motivações dos youtubers

Contactada pelo Observador, a psicóloga Carolina Justino — especialista em Marketing Digital — diz que depois de ver vários vídeos com este tipo de confissões “há uma desproporção entre o que é dito e o que se está a sentir”. “Apesar de a maioria destas pessoas estarem na casa dos 20 anos, eu ainda os considero como adolescentes, já que as suas mensagens são muito centradas no eu, embora repitam muitas vezes que estão ali por causa do outro, ou seja, quem está a assistir é importante, mas isso não é real”, afirma a psicóloga.

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Justino diz mesmo que estes vídeos lhe parecem pouco genuínos e chama a atenção para o facto de estes jovens ganharem dinheiro com o YouTube. “Para quê expor algo que deveria ser íntimo? É a procura de uma atenção vazia porque a sexualidade choca”, considera a psicóloga. Estima-se que um youtuber faça entre 7,5 e 20 dólares por cada 5.000 visualizações e a grande fatia do dinheiro ganho nesta plataforma nem vem daí, vem dos acordos com marcas e patrocínios. Nilsen é embaixadora da Cover Girl, uma das principais marcas de cosméticos norte-americana, enquanto Graceffa lançou este ano um livro intitulado In real life (na vida real) — um género de autobiografia — que é um bestseller.

Ao analisar os vídeos, Carolina Justino diz que imagina que “estas pessoas se sintam muito sozinhas” e afirma que a impressionou “a forma como falam para uma câmara como se estivessem mesmo a falar com outras pessoas”. “Eu estou aqui hoje a falar convosco porque gosto de vocês e vocês fazem parte da minha vida há seis anos e esta é uma grande parte da minha vida. Por isso, quero ter esta conversa convosco, tal como tive com os meus amigos e com a minha família”, garante Ingrid Nilsen no seu vídeo. O Observador tentou em vão contactar a norte-americana.

O impacto na audiência

A psicóloga mostra-se também preocupada com a audiência destes vídeos já que muitas vezes a sexualidade não é discutida em casa e muitos jovens ainda estão a elaborar a sua própria sexualidade. “Os jovens que falam nestes vídeos não têm noção da diferença entre privacidade e intimidade, e na sua audiência, muitas vezes constituída por pessoas de 12 ou 13 anos, há a necessidade de encontrar ídolos por haver um confronto aberto com os pais. É importante que quem vê estes vídeos saiba distinguir o online da realidade”, diz Carolina Justino.

Atualmente e devido à crescente utilização das tecnologia, a psicóloga considera que é importante instruir os jovens a utilizarem estas tecnologias e explicar aos mais novos que questionar a sexualidade é algo que acontece durante o processo de crescimento, sendo importante manter a intimidade nas relações sexuais sem banalizar o sexo e a relação íntima com o outro.

Nas caixas de comentários destes vídeos há várias pessoas que dizem identificar-se com a situação de não poderem expor a sua sexualidade ou não terem a certeza sobre os seus sentimentos, mas estes apelos ficam muitas vezes sem resposta ou geram comentários em cadeia de outros utilizadores que nem sempre terminam da forma mais positiva.