No meio dos terrores de todas as latitudes de que é feito um festival como o MOTELx, navegam na edição deste ano duas curiosidades portuguesas (ou quase: uma é uma produção luso-espanhola), que foram “arrumados” na secção paralela Quarto Perdido, sob a designação – algo forçada, no caso de um deles – de “lusoexploitation”. Ambos os filmes não são vistos há quase meio século. Ambos datam de uma altura em que dois mundos, correspondendo a duas gerações e duas visões culturais, artísticas e comerciais opostas, se confrontavam no cronicamente frágil cinema português, um em vias de desaparecimento, o do “velho cinema”, e outro a despontar e a querer afirmar-se, um “cinema novo” que se tinha apoiado numa primeira fase nas Produções Cunha Telles, e no Centro Português de Cinema financiado pela Fundação Gulbenkian numa segunda. E ambos os filmes são manifestações da agonia desse “velho cinema”.

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O primeiro, “A Caçada do Malhadeiro”, de Quirino Simões, estreado em 1968 (Hoje, São Jorge-Sala 3, 19.30), adapta ao cinema a novela homónima do Conde de Ficalho (Francisco Manuel de Melo Breyner), o fundador do Jardim Botânico, amigo de Eça de Queiroz e membro do grupo dos Vencidos da Vida. Foi a primeira longa-metragem do realizador, um oficial da Força Aérea que antes tinha assinado algumas curtas documentais de teor militar e uma célebre publicidade a uma marca de cerveja, interpretada por Raul Solnado. Em 1971, Quirino Simões filmaria “Angola na Guerra e no Progresso”, um dos melhores e mais vistosos documentários de propaganda do antigo regime.

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“A Caçada do Malhadeiro” é um raríssimo exemplo de filme português passado durante as Invasões Francesas, aliando a (modesta) recriação histórica a um tipo de acção totalmente alheia à nossa cinematografia. No elenco, além de nomes como Fernando Gusmão, Carmen Mendes, Rui Mendes, Mário Jacques e Baptista Fernandes, surge também o “rocker” português Vítor Gomes, vocalista do grupo Gatos Negros. A fita não pegou na bilheteira e ter-se-à estreado também no então Ultramar português, antes de se evaporar.

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O segundo filme é “Sinal Vermelho”, estreado em 1972 (Domingo, São Jorge, Sala Montepio, 16.15), um policial de série B rodado pelo espanhol Rafael Romero Marchent e interpretado, co-escrito e produzido por António Vilar, que fazia aqui valer os seus muitos e bons contactos no meio cinematográfico de Espanha, onde aliás morreria (em Madrid, em 1995). Paul Naschy, muito ligado ao cinema fantástico no país vizinho, é também um dos autores do argumento e participa no elenco, no papel do vilão.

Esta co-produção luso-espanhola aproveita o abrandamento da censura durante a chamada “Primavera Marcelista” para puxar pelo erotismo e pela violência numa história de carregar pela boca, que envolve tráfico de droga (um tema que surgia então cada vez mais nas notícias), corridas ilegais de carros na noite de Lisboa e uma pretensa “denúncia” da corrupção e da decadência do “jet set” nacional. “Sinal Vermelho” é um daqueles filmes da categoria “Tão-Mau-Que-É-Bom”, mas mesmo assim teve uma apreciável carreira comercial aqui ao lado e deu ao seu realizador o prémio da respectiva categoria do Sindicato Nacional dos Espectáculos de Espanha, e o de Melhor Actriz a Mara Cruz, que faz o interesse romântico do intrépido jornalista de investigação personificado por António Vilar.

O MOTELx 2015 é, assim, uma boa oportunidade para descobrir (ou, no caso dos mais velhos, rever) estas duas raridades portuguesas há muito desaparecidas dos circuitos comerciais, que decerto tão cedo não voltarão a emergir.