O magnata Donald Trump parece ter, finalmente, encontrado um rival capaz de o desafiar na corrida para a nomeação do Partido Republicano as eleições presidenciais de 2016. Ben Carson é um neurocirurgião aposentado que já inspirou um filme protagonizado por Cuba Gooding Jr. e que ficou mundialmente conhecido por ter sido o primeiro a conseguir separar dois gémeos siameses que nasceram unidos pela cabeça. Carson apareceu praticamente empatado com Trump numa sondagem do The New York Times e da CBS News. Temos candidato?

Esta sondagem, que apresenta Trump e Carson como líderes destacados entre os Republicanos, foi feita à escala nacional, o que lhe dá menos relevância tendo em conta o método complexo e indireto como são escolhidos os candidatos de cada partido. O controverso Donald Trump aperece como o candidato que, aos olhos dos inquiridos mais condições tem para, nas eleições de 2016, vencer o candidato Democrata, seja ele Hillary Clinton, Joe Biden ou outro. A sondagem mostra, contudo, uma subida acentuada de Ben Carson nas últimas semanas, de 6% para 23%. Trump tem, segundo esta sondagem, 27%. Em alguns estados, como no Maryland (onde Carson passou boa parte da vida profissional), Ben Carson já está bem à frente.

Mas quem é, afinal, Ben Carson? Desengane-se quem, não o conhecendo, presumir que o Partido Republicano está a enamorar-se, à medida que se aproxima a decisão, de um candidato menos controverso do que o magnata Trump. O estilo de Carson é incomparável ao espalhafatoso Trump: Carson discursa lentamente, com voz de mel e olhos quase sempre fechados. O seu estilo pacato, professoral – quase de pregador religioso, versão tranquila – contrasta com o vociferar de Trump, o magnata do imobiliário e personalidade televisiva. Mas Carson é, à sua maneira, tudo menos um candidato convencional.

DETROIT, MI - MAY 4: Republican Dr. Ben Carson, a retired pediatric neurosurgeon, hugs his wife Candy as he officially announces his candidacy for President of the United States at the Music Hall Center for the Performing Arts May 4, 2015 in Detroit, Michigan. Carson was scheduled to travel today to Iowa, but changed his plans when his mother became critically ill. He now will be traveling to Dallas instead to be with his mother Sonya. (Photo by Bill Pugliano/Getty Images)

Ben Carson, acompanhado pela mulher, no momento em que anunciou a candidatura às primárias do Partido Republicano. (Bill Pugliano/Getty Images)

Ser genuíno – pacato ou espalhafatoso – ajuda

No debate Republicano desta quarta-feira, Ben Carson foi o mais contido entre os vários candidatos à nomeação. Mas voltou a aparecer como um homem genuíno, com um discurso menos ensaiado do que os seus concorrentes. Essa imagem genuína é, para a revista Fortune, o traço distintivo – comum a Carson e a Trump – que explica porque é que os dois seguem à frente do pelotão nas sondagens.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Ainda que ambos passem essa imagem genuína, o que distingue Carson de Trump é a humildade do ex-neurocirurgião. Mas Ben Carson é, também, uma celebridade. E tem tiradas que não são menos controversas que as de Trump, cujas opiniões sobre os imigrantes e as mulheres têm sido amplamente noticiadas e debatidas. Mas já lá vamos.

Ben Carson, ao contrário de Trump, é um verdadeiro self made man. A sua biografia no site da Johns Hopkins Medicine conta que o candidato Republicano sempre sonhou com uma carreira na Medicina apesar de ter crescido em pobreza extrema, numa zona pobre de Detroit, criado apenas pela mãe desde que o pai saiu de casa quando o pequeno Benjamin tinha 8 anos.

Com um início de vida difícil, Ben Carson escreveu no seu livro Gifted Hands, que daria origem ao filme, que tinha más notas e um temperamento nervoso e violento. Contou, na sua autobiografia, que no nono ano quase esfaqueou um colega por uma briga sem importância. Esse incidente fê-lo perceber, em tenra idade, que tinha de fazer algo para dominar o seu temperamento. Começou, aí, a ler o Livro dos Provérbios da Bíblia Judaica e isso ajudou-o.

DES MOINES, IA - AUGUST 16: Republican presidential hopeful Ben Carson (C) prays during church services at Maple Street Missionary Baptist Church on August 16, 2015 in Des Moines , Iowa. Ben Carson attended Sunday church services before campaigning at the Iowa State Fair. (Photo by Justin Sullivan/Getty Images)

Ben Carson é muito popular entre a população mais religiosa. (Foto: Justin Sullivan/Getty Images)

O seu desempenho escolar melhorou e acabou por receber uma bolsa para estudar na Academia Militar. Daí, foi para a prestigiada Universidade de Yale para estudar Psicologia mas não se ficou por aí. Com graduações sucessivas, chegou aos 33 anos a diretor da unidade de Neurocirurgia Pediátrica no Johns Hopkins. Ganhou reconhecimento mundial, como cirurgião, depois de ter liderado a equipa de médicos que conseguiu, pela primeira vez com sucesso, separar dois gémeos siameses que nasceram unidos pela cabeça. A intervenção, em 1987, durou 22 horas consecutivas.

Tal como Trump, um outsider

Nenhum dos candidatos Republicanos que já ocuparam um cargo público, como Jeb Bush, chega a dois dígitos nas sondagens. Tal como Trump, Carson é visto – porque o próprio o repete constantemente – como alguém fora do establishment político norte-americano. Em cada entrevista que dá, Ben Carson critica a “PC Police”, isto é, a Polícia do Politicamente Correto, e incentiva as pessoas a dizerem aquilo que pensam. Como ele faz.

À frente de Barack Obama, um advogado de formação, Ben Carson criticou o facto de os políticos serem, hoje em dia, quase todos advogados de formação. Advogados que, “quando andam a estudar, são treinados para ganhar, custe o que custar. E, agora, temos advogados Republicanos e advogados Democratas a tentar ganhar uns aos outros”. Na opinião no neurocirurgião, “precisamos de ter políticos médicos, cientistas, gente vinda de todas as áreas do conhecimento”.

O neurocirurgião estava acompanhado de Barack Obama, o Presidente norte-americano que criticou de forma dura no seu livro de 2012 America the Beautiful: Rediscovering What Made This Country Great. Nesse livro, Carson dizia, por exemplo, que o plano para a saúde de Obama – o ObamaCare – “foi a pior coisa que aconteceu a esta nação desde a escravatura”.

Foi ao tentar redescrobrir o que fez deste país magnífico que Ben Carson começou a virar-se para a política. Foi nessa altura que se aposentou da profissão de neurocirurgião, mas já vinha abrandando desde 2002, quando recebeu tratamento por cancro na próstata.

Carson. Controvérsia com voz de mel

Ben Carson não foge às questões fraturantes – pelo contrário, os olhos brilham quando sabe que está a dizer algo que vai gerar controvérsia. Numa entrevista à CNN, Ben Carson afirmou que a homossexualidade é, “absolutamente”, uma escolha. “Muita gente vai para a prisão como heterossexual e, quando sai, é gay“, justificou Carson, defendendo que os casais homossexuais possam ter os direitos civis semelhantes aos heterossexuais mas rejeitando chamar a isso um casamento.

Recentemente, Carson esteve na Califórnia em campanha e afirmou que a questão do aquecimento global é “irrelevante” e considerou que não há provas suficientemente convincentes de que a ação humana está a provocar uma alterações dos padrões climáticos. O governador da Califórnia, Jerry Brown, decidiu enviar a Carson uma pen drive repleta de estudos científicos que apresentam “provas irrefutáveis” de que o aquecimento global é algo real. “Por favor, use a sua considerável inteligência para estudar este material”, lê-se na carta que acompanha a pen drive.

Mas foi quando Ben Carson se preparava para anunciar a candidatura às primárias Republicanas que fez uma comparação que o obrigou a desdobrar-se em explicações . “Os EUA são, neste momento, muito semelhantes à Alemanha nazi. E eu sei que não é suposto dizer isto mas não me importo com o politicamente correto”.

O que Carson queria dizer com isto, segundo o próprio, é que “as pessoas têm medo de dizer o que pensam, por causa dos políticos, da espionagem informática”. “Temos de fazer alguma coisa, rapidamente, para fazer com que o governo se entregue às pessoas, e não as pessoas se subjuguem ao governo“, acrescentou.