Pouco depois de James Dean ter morrido ao volante do seu Porsche branco, faz 60 anos no próximo dia 30, houve nos EUA (e não apenas aí) uma explosão de sessões espíritas, na tentativa de comunicar com ele além-túmulo. Uma empregada de supermercado chamada Joan Collins ficou então famosa por ter alegadamente comunicado com Dean numa dessas sessões, em que o actor lhe ditou uma carta em que dizia, entre outras coisas, que não estava morto. Collins aproveitou a comoção que se vivia em redor do desaparecimento brutal e precoce do intérprete de “Fúria de Viver”, referência venerada e anti-herói matricial de uma nova cultura adolescente que despontava nos anos 50, para publicar um livro, “James Dean Returns”, que só nos EUA vendeu meio milhão de exemplares.

https://youtu.be/mONdXc1652o

Documentário de Robert Altman sobre James Dean (1957)

Se a comunicação sobrenatural com James Dean releva da mais pura mistificação e do mais mórbido oportunismo, todas as tentativas feitas desde então para o interpretar no cinema e na televisão, revelaram-se, pelo seu lado, desafios impossíveis de vencer (tal como sucedeu com Marilyn Monroe), de tal forma, e com tal força e perenidade, ele permanece vívido na imaginação colectiva. Qualquer personificação de Dean, por mais aplicada, laboriosa, ou inspirada que seja, empalidecerá sempre perante a intensíssima recordação que temos dele, estando condenada a ficar como uma imitação que poderá ser mais ou menos conseguida (no primeiro caso, ver a de James Franco no telefilme “James Dean”, de Mark Rydell, em 2001). A mais recente é a de Dane DeHaan em “Life”, de Anton Corbijn (“Control”, “O Homem Mais Procurado”), que apenas raspa a superfície da complexa personalidade de James Dean, resumindo-se a alguns maneirismos e à tentativa de reprodução da qualidade narcoléptica da sua melancolia.

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“Trailer” de “Life”

Sobre argumento de Luke Davis, Corbijn recorda, em “Life”, a amizade entre o fotógrafo Dennis Stock e James Dean. Stock é o autor, entre outras das célebres fotografias de Dean à chuva em Times Square, e com a família na sua quinta do Indiana, publicadas na revista “Life”. Conheceu Dean em 1955, poucos meses antes da sua morte, na altura em que o actor tinha acabado de rodar “A Leste do Paraíso” e esperava obter o papel principal de “Fúria de Viver”, pressentindo, tal como Elia Kazan e Nicholas Ray, que estava perante alguém que corporizava não só um novo tipo de actor, como também a sensibilidade, a inquietação, a insatisfação e as aspirações de uma nova geração, em choque com a anterior e os seus valores. Robert Pattinson interpreta Dennis Stock, que depois de muito insistir com o esquivo Dean, consegue fotografá-lo não só em Nova Iorque, como também entre os seus, na quinta de Fairmount, durante alguns dias longe da agitação e das regras de Hollywood, que o actor detestava.

Conferência de imprensa da equipa no Festival de Berlim 

Corbijn mostra como Stock estava tão fora do seu ambiente quer nos meios que Dean frequentava em Nova Iorque e Los Angeles, quer no campo onde tinha as suas raízes, bem como todo o desconforto de um Dean apanhado nos mecanismos da indústria cinematográfica de que era a mais nova, apetecível e refulgente estrela. Mas nem a sua realização, nem a interpretação de Dane DeHaan nos conseguem convencer da excepcionalidade que Stock viu nele. Alguém notou com pertinência que talvez Pattinson e DeHaan devessem ter trocado de papéis, porque a intenção de Anton Corbijn parece ter sido dar deliberadamente o de James Dean ao actor menos conhecido dos dois, e à “estrela” o da personagem secundária – pela amostra, não resultou.

Entrevista com Robert Pattinson

O realizador, ele próprio fotógrafo ligado ao mundo da música em especial, tem uma óbvia simpatia por Dennis Stock, que sabe ter talento e quer vingar no seu meio e não ficar a marcar passo nas nas passadeiras vermelhas das estreias de gala, para além de ter de sustentar a mulher de que se divorciou e o filho pequeno; e ao contar este episódio pouco conhecido da vida de James Dean, Corbijn consegue contornar o campo minado dos lugares-comuns e das situações feitas do “biopic” de artistas, sugerindo ainda que o título, “Life”, não se refere apenas à revista a que Stock quer vender as suas fotos de Dean, mas também tem um valor metafórico que, no entanto, fica apenas vago, aludido.

Cena de “Life”

Apesar de ter os seus momentos, um Robert Pattinson a libertar-se com sucesso da pesada mochila da “Saga Twilight” e a mostrar que tem vida como actor para lá dela, e um Dane DeHaan que tenta não ser apenas “parecido” com Dean, o filme é inerte, tépido, átono e institucional, não acrescentando nada de especial ao acervo cinematográfico já existente sobre ele. O mito de James Byron Dean, entretanto, continua, 60 anos depois da sua morte, sem uma mancha nem um esbatido.