O ano letivo já começou e com ele voltou uma preocupação antiga dos pais de crianças mais novas. Os piolhos são um inimigo cruel e indiscreto: atacam qualquer pessoa e em qualquer época do ano. Mas nesta altura, as crianças parecem estar particularmente vulneráveis às infestações. Porquê?

O pediatra Lincoln Justo da Silva explicou ao Observador que tudo tem a ver com a proximidade. “Os piolhos transmitem-se através de contacto direto entre cabeças ou roupas contaminadas – mas nunca pela água. Quando o ano escolar começa, as crianças reúnem-se e brincam”, o que facilita a disseminação do parasita.

A culpa também é do termómetro, alerta o pediatra Mário Cordeiro. Os piolhos preferem ambientes estivais e “é natural que o tempo quente propicie melhores condições para a eclosão dos ovos“, explicou o médico ao Observador. As fêmeas do piolho colocam dezenas de ovos junto ao couro cabeludo, onde a cabeça está mais quente. Esses ovos são as lêndeas. Quando o ano letivo começa, o ambiente ainda está quente e isso facilita a eclosão dos piolhos porque os ovos sobrevivem muito mais facilmente. Mas também é preciso estar atento durante as épocas mais frias: “Nos meses frios as crianças estão mais juntas, brincam mais umas com as outras com contacto corporal”, indica Mário Cordeiro.

Ninguém pode escapar a esta ameaça, por mais cuidada que seja a higiene. “Há estudos que apontam até para que as cabeças limpas sejam mais suscetíveis ao aparecimento de piolhos. Como muitos pais continuam a pensar que ter piolhos só nas barracas, torna-se muito difícil controlar a praga, dado que nem todos fazem o tratamento”, sublinha o médico pediatra.

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Mas há crianças que estão mais vulneráveis à infestação. “São aquelas que têm pele mais sensível, com problemas de eczema (inflamações na pele) ou alergias. Infelizmente, não há formas de prevenir o aparecimento de piolhos”, realça Lincoln Justo da Silva.  De acordo com um estudo coordenado pelo pediatra Mário Cordeiro e realizado com Ana Vieira, Andreia Martins, Anna Knoch, Jorge Pimenta e Sara Vilas-Bôas, as crianças entre os 3 e os 12 anos são quem mais sofre de pediculose (a doença provocada pelo piolho).

A comichão é um dos primeiros sintomas, mas há outros a que os pais têm de estar atentos. Os piolhos defecam depois de picarem o couro cabeludo e o material expelido pelos insetos entra na corrente sanguínea. Quando isso acontece, os piolhos “podem provocar uma doença responsável por febre baixa, mal-estar, cansaço e desinvestimento escolar“, alerta o pediatra Mário Cordeiro.

Há, isso sim, formas de tratamento, realça Lincoln Justo da Silva. Assim que as crianças começam a queixar-se de comichões atrás das orelhas e na nuca, o melhor é que os pais se rendam aos medicamentos – champôs e sprays – disponíveis nas farmácias para curar o problema. É que a comichão apenas começa quando os piolhos já estão a picar o couro cabeludo (é a saliva destes insetos, quando em contacto com o local da picada, que irrita a pele). Depois, devem também colocar a roupa da criança, toalhas e roupa de cama a lavar.

Mas Lincoln Justo da Silva lança ainda mais um alerta: as lêndeas são muitas vezes resistentes ao tratamento químico, por isso o problema pode prosseguir. Para as eliminar, os pais devem escovar o cabelo das crianças com um pente fino de metal. “Há também quem coloque água com vinagre no cabelo e só então passe a escova”, aconselha o pediatra.

Para Mário Cordeiro, o remédio mais eficaz é “falar-se do assunto, desdramatizar e fazer passar a mensagem de que todos têm de estar atentos e fazer os tratamento, de preferência simultaneamente”. No estudo coordenado pelo pediatra em conjunto com os alunos no mestrado integrado de Medicina na Universidade Nova, pode ler-se que “é por vergonha que muitos pais não avisam as escolas ou se recusam a aceitar a ideia de que as crianças possam estar infestadas”. A sobrepopulação e a má higiene podem, de facto, facilitar a infestação de piolhos, mas o contágio não conhece condições socioeconómicas.

Texto editado por Filomena Martins