Em política não vale a pena ter razão antes do tempo. Desde que a troika entrou em Portugal em 2011 que Cavaco Silva clamou pelo consenso entre os partidos do arco da governação. E nunca foi possível até hoje. Porque os partidos da coligação que tinham maioria absoluta foram arrogantes e não o quiseram. E porque o PS de António Costa forçou uma bipolarização postiça e um distanciamento em relação ao PSD em que os eleitores não confiaram. Os resultados mostram que a estabilidade no quadro europeu, dentro da zona euro, terão de ser forjados entre um PSD-CDS mais humilde e moderado, disposto a compromissos e cedências, e um PS que se tem de assumir como europeísta.

Este é pois talvez o resultado que nenhum dos principais partidos queria, e que apresenta risco de instabilidade. Mas é também um resultado que obriga a uma responsabilidade acrescida de todos os líderes políticos. E pode ser uma oportunidade para fazer reformas importantes que foram sendo adiadas nos últimos anos.

António Costa é o grande perdedor da noite. Foi o líder que mais personalizou o partido, tendo promovido eleições directas e abertas, além de ter destronado Seguro depois de estes vencer as europeias. António Costa afirmou quando venceu as primárias do PS: “esta a vitória representa o princípio do fim do Governo de Passos Coelho”. Afinal não foi. Esta vitória da coligação, com 38,6% dos votos, e da esquerda com o crescimento do Bloco de Esquerda no seu melhor resultado de sempre mostra que o Partido Socialista de António Costa não conseguiu nem o voto útil, nem o voto dos descontentes do centro político.

Olhando para o passado do PS desde 1987, com excepção de Sampaio em 1991, todos os restantes líderes que perderam saíram. Por isso Costa, embora diga que “manifestamente não se demite” é um líder a prazo.

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O que correu mal? Por um lado, um discurso de negação de algumas realidades económicas mais positivas que o país tem vivido no último ano, e que os portugueses têm sentido no bolso e apreendido no clima económico geral. Em segundo lugar, devido à forma como António Costa se associou ao Syriza na Grécia, dando um sinal de guinada à esquerda que correu da pior maneira. Ao afirmar o seu apoio ao partido de Tsipras, descredibilizou o PS, quando os portugueses viram o desfecho daquela aventura. E em terceiro lugar, devido ao percurso ambivalente do líder. António Costa ora apresentava o programa de Mário Centeno, que era centrista, ora promovia encontros com Sampaio da Nóvoa, numa perspectiva de grande aliança de esquerda.

Acho que esta indefinição é sintomática: antes do discurso de derrota desta noite de António Costa, poucos sabiam ao certo como seria a posição do PS. Se ao lado do BE e da CDU, se em responsabilidade nos partidos do arco da governação. Mas o PS, historicamente, sempre foi um partido do arco da governação, e isso implica um compromisso com a Europa que não é compaginável nem com o Bloco nem com a CDU. Seria porventura com o Livre, mas este não conseguiu representação significativa.

Neste momento, a grande clivagem definidora de coligações e compromissos é a europeia, não é a esquerda-direita em Portugal. Sendo assim, o PS estará mais próximo dos partidos da coligação. Desde que estes sejam capazes de moderar também os seus posicionamentos. Porque sofreram uma perda de votos muito significativa. O PAF perdeu dez pontos percentuais, e os partidos do arco da governação somam 70%, o valor mais baixo da década. Há pois muito em jogo para quem se mostrar irredutível nos seus posicionamentos e for percepcionado com causador de instabilidade política. Este foi o resultado que o país quis, e de que os políticos dos principais partidos têm de estar à altura.

* Marina Costa Lobo é investigadora no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.

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