É duro para o corpo correr de um lado para o outro, à volta de uma mesa, com uma raquete na mão para bater na bola. Com tanto rodopio, contorção e movimento brusco, as costas começaram a refilar. Mais do que descanso, queriam e precisavam de reparação. Obrigaram-no a parar e a deitar-se na mesa de cirurgia. Era junho e as costas suspiraram de alívio, agradeceram-lhe, mas em agosto o repouso foi à vida. João Pedro Monteiro voltou a treinar, quis pôr-se em forma rápido porque vinha aí o Campeonato da Europa e com ele queria que viessem resultados dos bons. Mas o corpo, já trintão, obrigou-o a penar e fê-lo perceber que o que esperava ser fácil ia, afinal, ser difícil. Não estava em forma.

Percebeu-o quando começou a competir pelo clube os resultados não apareceram. Fez uns quantos jogos, “não correram de feição” e perdeu-os. Tinha a confiança nas lonas quando chegou ao Europeu e em nada ajudou o facto de Tiago Apolónia lhe dizer que, desta vez, queria bater bolas sozinho em vez de acompanhado. O habitual parceiro de pares quis participar apenas nas provas individuais e por equipas e João Pedro teve de arranjar outro. Não tinha muito tempo e lembrou-se de alguém com quem passa os dias, as semanas e o ano a treinar em Viena. O austríaco Stefan Fegerl disse que sim, arriscaram competir como um par quando nunca tinham jogado juntos e deram uma hipótese ao sucesso. “Fomo-nos entendendo cada vez melhor de jogo para jogo e tudo acabou com a conquista do título europeu. Foi espetacular”, admite o português, de 32 anos, quando o Observador lhe telefona no dia seguinte a conquistar a medalha de ouro.

Esta vitória apanhou-o de surpresa, bem mais do que há um ano, quando ele, Marcos Freitas, Tiago Apolónia, João Geraldo e Diogo Chen tornaram Portugal no campeão europeu de ténis de mesa, em Lisboa. Aí sabia que podiam ganhar a quem fosse, agora não tinha sequer a certeza se ia atinar a jogar ao lado de Stefan Fegerl. Mas tudo deu certo e, no domingo, João Pedro Monteiro saiu de Ecaterimburgo, no meio da Rússia, como vencedor do torneio de pares do Campeonato da Europa. Agora, e mesmo com uma nova medalha de ouro pendurada no pescoço, o 39.º do ranking mundial vai fazer uma coisa — voltar para Tiago Apolónia.

Primeira pergunta: conseguiste votar?

– Não.

Neste caso foi por um bom motivo.

– Exatamente.

Conseguirias ter votado?

– Hmm, não sei. Nem faço ideia se existe consulado em Ecaterimburgo. Não temos tempo para pensar nessas coisas quando estamos em competição. É complicado. Às vezes temos dois ou três jogos por dia, temos de almoçar, ou comer qualquer coisa entre os jogos, temos de ir ao hotel descansar ou trocar a roupa… É complicado estar a pensar nessas coisas em dias de competição que coincidem com eleições. Não dá para pensar noutra coisa sem ser o nosso trabalho.

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Mas até já conhecias bem a cidade.

– Sim, joguei dois anos em Ecaterimburgo, na equipa local [o UMMC], conhecia mais ou menos a cidade.

As pessoas que estavam na bancada reconheceram-te?

– Quando ia para a mesa de jogo elas davam-me sempre apoio e força: “Vamos João, estamos contigo”. Durante os jogos sentia o apoio e foi bom, foi uma motivação extra que tive.

Sabes falar alguma coisa de russo?

– Muito pouco [ri-se, timidamente].

E de alemão, para te entenderes com o Stefan Fegerl?

– Com o Stefan falo inglês, sempre.

Já o conhecias há muito tempo?

– Treinamos na mesma academia, em Viena, há já cinco anos. Já nos víamos diariamente, mas nunca tínhamos disputado um jogo oficial de pares. Só treinávamos juntos todos os dias.

Quem teve a ideia de se juntarem?

– Partiu mais de mim, quando soube que o Tiago [Apolónia] não ia jogar pares. Lembrei-me logo do Stefan, precisamente porque também não tinha ninguém para jogar pares. Sabia que estava à procura de um parceiro e concordámos que poderia ser uma boa solução.

epa04962909 Stefan Fegerl (R) of Austria and Joao Monteiro (L) of Portugal in action against Robert Gardos and Daniel Habesohn of Austria during their men's doubles final match of the Table Tennis European Championships in Ekaterinburg, Russia, 04 October 2015. EPA/SERGEI ILNITSKY

Foto: EPA/SERGEI ILNITSKY

Tiveram tempo para treinar ou foi tudo feito à pressa?

– Não tivemos tempo. Só treinámos um bocadinho antes do nosso primeiro jogo, que foi contra um par esloveno. Foi bastante difícil e teoricamente era o mais fácil. Nunca tínhamos jogado, não havia entrosamento, foi muito complicado. Conseguimos passar esse obstáculo, também porque os nossos estilos de jogo se encaixam muito bem. Eu jogo mais com toda a mesa e uso muito o meu ponto forte, que é a direita, e ele consegue controlar muito bem o jogo em cima da mesa. Fomo-nos entendendo cada vez melhor de jogo para jogo e tudo acabou com a conquista do título europeu.

Ajudou o facto de seres canhoto e ele ser destro?

– É sempre bom, era um ponto a nosso favor. Mas também existem pares muitos fortes em que ambos os jogadores são destros. Quando é canhoto com canhoto é que fica mais complicado. A maioria dos pares são destro com destro.

Como a dupla que derrotaram na final, que era a primeira cabeça de série?

– Eliminámos grandes pares ao longo do caminho. Na segunda ronda derrotámos a dupla que ganhou ao Tiago e ao João Geraldo na final dos Jogos Europeus. Na meia-final ganhámos aos suecos Karlsson, que em 2011 tinham sido vice-campeões da Europa. Depois, na final, a dupla Gardos/Habesohn, da Áustria, já tinha sido campeã da Europa e uma vez finalista da competição. Foi a cereja no topo do bolo, foi espetacular.

E não foi nada fácil: a final foi a sete sets e no último salvaram um match-point.

– Exatamente. Começámos a ganhar por 2-0, eles empataram, no quinto set tivemos uma vantagem de 7-3, eles conseguiram dar a volta e ganhar 15-13. Não me recordo muito bem do sexto set, mas eles tiveram uma vantagem de dois ou três pontos e nós demos a volta para ganharmos por 11-8. Depois, o último set foi impressionante. Chegámos a ter uma vantagem de 5-1, o jogo equilibrou até aos 8-8, depois eles fazem o 10-9 com match-point, virámos o jogo e conseguimos, à primeira, fechar o jogo quando virámos o match-point a nosso favor.

O que soube melhor: a conquista do Europeu em casa com Portugal, há um ano, ou esta vitória em pares?

– Hmmm… São situações diferentes. O ano passado foi incrível. Poder ser campeão da Europa em casa, perante o nosso público, com a minha família presente… foi um momento que nunca mais irei esquecer. O deste ano também foi muito especial, dadas as circunstâncias. Fui operado às costas a 19 de junho, tive um tempo de recuperação curto, não pude treinar, só comecei a treinar a 10 de agosto e no final do mês tive logo jogos pelo clube. Não me correram de feição. Portanto, a minha forma e a confiança não eram as melhores no início do Europeu. O que me ajudou foi a vitória, logo no primeiro jogo por equipas, contra o húngaro, por 3-2, numa partida bastante intensa. Acho que isso deu-me o clique para encarar o resto da competição com confiança. E a verdade é que em 12 ou 13 dias de competição, entre a prova de equipas, pares e a individual, perdi apenas somente uma partida.

Então faço a pergunta de outra maneira: que vitória te surpreendeu mais?

– [não responde logo, demora um segundo] Foi a deste ano, face às circunstâncias. O ano passado, em termos de ranking, éramos a segunda melhor equipa europeia. Podíamo-nos bater muito bem com qualquer seleção. Agora, nos pares, éramos os 11.º cabeças de série, nunca tínhamos jogado juntos, vinha de uma lesão de costas, com uma operação… É claro que me surpreendeu mais.

Esta parceria é para manter então?

– Não sei. O próximo torneio que terei vai ser na Polónia e jogarei com o Tiago, porque em dezembro haverá o Pro Tour Finals, que será realizado em Portugal [chama-se World Tour Grand Finals e realiza-se entre 10 e 13, em Lisboa]. E temos que jogar juntos os dois torneios que faltam no Pro Tour Finals para nos podermos qualificar para a prova portuguesa. O país organizador tem direito a levar um par, mas esse par tem de fazer pelo menos quatro competições durante o ano, e nós ainda só fizemos duas. Por isso logo se vê.

Se ganhas o Europeu com um austríaco então tens de ganhar o Pro Tour com um português.

– Sim, sim, o objetivo é esse. Em 2013 também fomos medalha de bronze no Europeu. Eu e o Tiago fazemos um par bastante bom.

Lá em casa fazes par com a tua mulher, que também é mesa-tenista. Vais passar o bichinho à tua filha?

– [Ri-se] Não sei, ela é que vai decidir o caminho. Se quiser jogar ténis de mesa não lhe vou colocar nenhum entrave, como não o farei se optar por não seguir algo no desporto.

Mas com dois profissionais em casa vai ser difícil que não goste, pelo menos.

– Há uma maior probabilidade, é verdade. Só o tempo o dirá.

LONDON, ENGLAND - AUGUST 05: Joao Monteiro and Tiago Apolonia of Portugal celebrate during Men's Team Table Tennis quarterfinal match against team of Korea on Day 9 of the London 2012 Olympic Games at ExCeL on August 5, 2012 in London, England. (Photo by Feng Li/Getty Images)

João Pedro Monteiro costuma fazer dupla com Tiago Apolónia. Em 2012, por exemplo, chegaram aos quartos-de-final nos Jogos Olímpicos de Londres. Foto: Feng Li/Getty Images

Vamos jogar ténis de mesa ao telefone?

– Hmm, ok.

Eu bato uma palavra e tu respondes com a primeira que te vier à cabeça.

– Vamos a isso.

Portugal.

– Amor.

Ténis de mesa.

– Paixão.

Medalha de ouro.

– Topo.

Ping-pong.

– Ténis de mesa.