As primeiras imagens coloridas das neblinas atmosféricas de Plutão, recolhidas na semana passada pela sonda da NASA New Horizons, revela que estas são azuis. Uma segunda descoberta tão ou mais significativa é a da existência de numerosas regiões com água gelada à superfície do pequeno planeta que, em tempos, era o último e mais longínquo do sistema solar.

A agência espacial norte-americana divulgou, esta quinta-feira, novas fotografias que mostram que o céu do planeta anão é azul, semelhante ao da Terra. “Quem iria imaginar um céu azul na cintura de Kuiper? É lindo”, disse Alan Stern, cientista sénior e principal responsável pela missão da NASA New Horizons Pluto, que já antes se tinha referido a Plutão com um planeta “vivo”, coisa que as novas descobertas parecem vir a confirmar.

“Essa impressionante tonalidade azul diz-nos [muito] sobre o tamanho e a composição das partículas das neblinas”, disse Carly Howett, também ele investigador envolvido no projeto, através de um comunicado da NASA. “Um céu azul resulta, por norma, da dispersão da luz solar em partículas muito pequenas. Na Terra, essas partículas são moléculas de azoto muito pequenas. Em Plutão elas parecem ser maiores — embora relativamente pequenas –, semelhantes às partículas que chamamos de tolinas.”

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Imagem NASA

Falando agora de água, na superfície de Plutão foram encontrados locais onde há água gelada — as respetivas áreas aparecem, curiosamente, com uma tonalidade vermelha, facto que os cientistas ainda não sabem explicar, embora acreditem que a cor possa estar relacionada com a presença da molécula tolina, tal como escreve a edição online da revista brasileira Época.

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Os cientistas creem que estas partículas ganham altura na atmosfera, onde a radiação ultravioleta do Sol ioniza (separa) moléculas de nitrogénio e metano e permite que reajam entre si para formar mais, e mais, complexos iões. Quando se recombinam, formam complexas macromoléculas, um processo que, refere a nota da NASA, foi pela primeira vez identificado na camada superior da atmosfera de Titã, a maior lua de Saturno.

Ou seja, a sonda da NASA “New Horizons” detetou também a assinatura de numerosas, mas pequenas, regiões de água gelada, que correspondem às zonas de cor avermelhada das imagens do planeta que foram divulgadas anteriormente, o que deixou os cientistas surpreendidos.

Isso acontece porque as mais complexas moléculas continuam a recombinar-se e a crescer até tornarem-se pequenas partículas. Gases voláteis condensam e tapam as suas superfícies com gelo antes de terem tempo de atravessar a atmosfera para a superfície, onde se juntam às partículas de cor avermelhada de Plutão.

“Ainda não percebemos a relação entre a água gelada e a coloração vermelha das tolinas na superfície de Plutão”, disse Silvia Protopapa, outro membro da equipa científica da missão, da Universidade de Maryland, igualmente nos Estados Unidos.

A sonda, que fez a maior aproximação a Plutão a 14 de julho, está a cinco mil quilómetros da Terra. Esta importante descoberta surge poucas semanas depois de ter sido anunciado pela agência espacial que havia indícios de água em Marte.

O que são tolinas?

São sólidos orgânicos complexos abióticos (que não tem origem em matéria viva) formados, do ponto de vista químico, pela introdução de energia em gases e sólidos comuns no universo que entram em interação. Quando as palavras “Plutão” e  “tolina” aparecem juntas na mesma frase é preciso soar um alarme. Porquê? Há três motivos:

  1. É possível criar os “tijolos da vida” (leia-se, as proteínas e nucleobases que compõem o ADN) através dos compostos existentes nas tolinas. Os cientistas já o conseguiram em laboratório e, sendo assim, o mesmo processo pode acontecer de forma natural.
  2. Trata-se de uma fonte de material orgânico presente na atmosfera que pode ser uma pista para entender a origem e a evolução da vida na Terra.
  3. Afeta o número e tipo de fotões nos planetas que o possuem, o que tem consequências várias e pode determinar as condições de habitabilidade de um corpo celeste.

As tolinas são responsáveis pela cor avermelhada que Plutão apresenta em certas áreas da superfície (a cor é uma reação física), como podemos verificar pelas imagens coloridas conseguidas pela missão New Horizons. Quando se formam na atmosfera, as tolinas depositam-se na superfície do planeta e é por isso que o vemos acastanhado. É mais comum em planetas frios mais longíquos, isto é, exoplanetas, cometas e na nebulosa pré-solar.

Quem batizou estas partículas foi Carl Sagan. Nos anos 70, Sagan trabalhava em laboratório com alguns dos gases mais relevantes do cosmos, como metano, etano, amoníaco, água nesse estado, metanol e gás sulfídrico. O cientista irradiava-os, isto é, atingia-os com energia proveniente de várias fontes. Foi então que reparou num “resíduo acastanhado” formada por aquilo que na altura Carl Sagan chamou de “polímeros intratáveis”. Mas logo deixou um alerta à comunidade científica: afinal, este resíduo não é um polímero (macromoléculas criadas pela junção de várias moléculas mais pequenas chamadas monómeros), nem corresponde a nenhuma descrição química conhecida, por isso precisava de um novo nome. “Tolina”, escreveu ele no relatório lançado pouco depois da descoberta.

Os estudos avançaram, o conceito evoluiu e hoje chegou-se a uma definição mais correta: tolinas são substâncias complexas de moléculas hidrocarbonetadas formadas quando os raios ultravioletas dos raios solares interagem com o metano molecular existente na atmosfera. Quando esses raios chegam às moléculas de metano (compostas por um átomo de carbono e quatro de hidrogénio) dá-se uma reação química que vai permitir a formação de compostos orgânicos complexos – as tolinas – que depois se abatem na superfície. Também os raios cósmicos desencadeiam essa reação.

É por isso que há zonas de Plutão expostas ao sol que são cinzentas. E outras que, embora menos ‘iluminadas’, são vermelhas.

pluto

imagem NASA