Em 1939, o Reino Unido enfrentava a ameaça da invasão alemã. Estávamos em plena II Guerra Mundial e o governo britânico sabia o impacto que essa ameaça tinha no patriotismo do povo inglês. Por isso, o Ministério da Informação montou uma campanha motivacional. Havia três cartazes, o último dos quais vermelho com uma coroa real desenhada no cimo e a famosa frase “Keep Calm and Carry On” em letras brancas. Esse era o conselho do governo do Reino Unido: ter calma e seguir em frente.

Agora um professor da Harvard Business School garante que ter calma não é a melhor ideia do mundo: em situações de ansiedade, o melhor é transformá-la em entusiasmo em vez de procurar sossego. Isto porque a ansiedade e o entusiasmo criam experiências semelhantes e com respostas corporais próximas: ambas são passíveis de gerar excitação. O melhor? Diga para si mesmo “estou entusiasmado”. E corra de um lado para o outro.

Mas vamos por partes.

O que é estar ansioso?

Marco Ramos, psicoterapeuta e professor da Universidade de Aveiro, explicou ao Observador que a proposta vinda de Harvard “faz todo o sentido em termos clínicos”. Os ataques de pânico e os episódios de ansiedade são comuns em situações de perigo, perante a incerteza ou depois da avaliação negativa de um acontecimento. “A ansiedade é energia pura que se caracteriza, por exemplo, pela tensão muscular, aceleração do metabolismo ou o aumento do ritmo cardíaco”, explica o psicólogo. Esta é a resposta corporal do corpo à ameaça e que passa pela acumulação da energia.

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Mas tudo começa por ser uma questão de semântica, escreve Alison Wood Brooks, autor do estudo de Harvard. O senso comum define a ansiedade como sendo algo capaz de “danificar a capacidade de memorização, diminuir a auto-confiança e prejudicar o desempenho”. Isto é verdade se as manifestações de nervosismo surgirem já na proximidade do evento que o causa. Mas quando se toma consciência dessa ansiedade com tempo, ela pode ser muito motivadora, já que a tendência é trabalhar no sentido de ultrapassar as consequências negativas que aí podem vir. É o que clarifica a psicoterapeuta Rita Castelo ao Observador: é uma questão de transformar as frases “não vou conseguir”, “não sou capaz”, “vou ter uma má prestação e a minha família vai ficar muito desiludida comigo” noutras como os grandes navegadores devem a sua reputação aos temporais e às tempestades”. Só assim se diminui a angústia do indivíduo.

Falar é fácil, deve estar a ironizar o nosso leitor. Na verdade, os psicólogos sabem como é complicado controlar a ansiedade. Primeiro, porque muitas vezes é difícil identificar qual é o motivo por detrás da ansiedade. E depois porque esta é uma resposta “automática e suprimi-la ou escondê-la é ineficiente”.

Mas este nem sequer deve ser o objetivo: níveis demasiado altos ou demasiado baixos de ansiedade são igualmente prejudiciais, alerta o especialista. ” Todos os seres humanos a experimentam, ainda que em diferentes níveis. Aliás, no plano evolutivo, a ansiedade é uma resposta ao perigo. Assim, o nosso sistema nervoso autónomo responde à estimulação, sendo ela ameaçadora de facto ou sentida como tal”, explica o psicólogo e neuropsicólogo clínico e forense Paulo Sargento ao Observador. O segredo está em moderar essa emoção ao ponto de se transformar num foco de persistência e motivação, em vez de provocar falta de auto-estima e incapacidade de raciocínio ou de avaliação das circunstâncias. “Temos de conhecer as nossas reações aos diferentes estímulos ou situações e treinar a expressão da ansiedade, ou seja, lidar com q.b. de nervosismo”, aconselha.

“Se essas reações de ansiedade criam desadaptação social, familiar, académica ou laboral, podemos estar naquilo que designamos por perturbações da ansiedade”, explica ainda Paulo Sargento. O psicólogo explica que há respostas ansiosas durante o processo de crescimento. É por isso que é normal que uma criança tenha medo do escuro e, mais tarde, de ir para a escolar e abandonar os pais. Mas se um adulto apresentar os mesmos receios, então pode estar-se perante uma fobia.

O que o estudo da universidade Harvard clarifica é que as conclusões a que chegaram dizem respeito às situações de ansiedade normais ao longo da vida, como falar perante uma sala cheia ou apresentar-se numa entrevista de trabalho. É nestas alturas que “reavaliar uma emoção altamente excitante como a ansiedade como sendo outra igualmente excitante (mas mais positiva) como o entusiasmo é mais fácil do que transformá-la numa pouco estimulante (como a calma)”.

Porquê? Parte da resposta está nas hormonas, adianta o psicoterapeuta Marco Ramos. Essencialmente, há duas hormonas envolvidas. Uma delas é a adrenalina, que nos permite agir em situações de urgência. “Se eu vir um carro a andar na minha direção, é a adrenalina que vai preparar o meu corpo para uma fuga mais rápida”, ilustra o psicólogo. Por isso, a adrenalina é especialmente útil em situações imediatas.

A outra hormona envolvida nas situações de ansiedade é o cortisol. “Tem um efeito semelhante ao da adrenalina, mas é ela que vai garantir o prolongamento desse efeito”, descreve Marco Ramos. Perante um conflito longo, é o cortisol que “nos tira o sono, naquelas situações em que nos sentimos a dormir com o inimigo”.

Estas duas hormonas responsáveis pela exteriorização dos sintomas de ansiedade, dividem-se em dois grupos: somáticos e cognitivos. Os sintomas somáticos incluem manifestações como as palpitações, dores de barriga, tonturas ou insónias, exemplifica o psicólogo Paulo Sargento. Os cognitivos incluem os pensamentos intrusivos e negativos provocados por “enviesamentos do processo de informação”.

O erro de querer sossego

Segundo Alison Wood Brooks, as pessoas ansiosas julgam que existe uma alta probabilidade de as coisas correrem mal no futuro e acabam por diminuir a lógica e a cognição associada às causas que provocam o nervosismo.

Ora, a vantagem de converter a ansiedade em entusiasmo está no facto de tanto uma como a outra serem caracterizadas por uma grande excitação, testemunhada – por exemplo – pela aceleração do ritmo cardíaco. Têm respostas corporais semelhantes. Tentar transformar a ansiedade em calma obrigaria o indivíduo a passar de um estado de grande entusiasmo para um estado de baixo entusiasmo. A resposta corporal, sendo diferente, teria de mudar de um extremo para o outro, algo demasiado complicado para alguém que está nervoso.

Além disso, a tentativa de transformar a ansiedade em sossego implicava que o indivíduo suprimisse os aspetos negativos do seu estado emocional: “A supressão significa que um indivíduo continua a sentir uma certa emoção, mas mascara-a ou esconde-a dos outros”, algo que traz consequências “psicológicas, cognitivas e nas relações interpessoais”.

A receita para o entusiasmo

O primeiro passo é descobrir a fonte de ansiedade. É o que nos explica o neuropsicólogo Paulo Sargento: “Mais importante que tudo, temos que mapear a nossa ansiedade. Temos de perceber em que situações nos sentimos desconfortáveis e estabelecer o percurso desse desconforto”. Só então há condições para escolher estratégias adaptadas ao nosso problema. E, muitas vezes, essas estratégias podem ser postas em prática sem nos darmos conta que já estamos a combater a ansiedade: “Quem nunca evitou passar por um lugar que lhe recorda uma situação desagradável?”, exemplifica Paulo Sargento.

O psicólogo Marco Ramos deixa uma outra pista: “Quando um dos meus pacientes se sente ansioso, digo-lhes sempre para correr a cidade de uma ponta à outra”. É este o seu conselho: exteriorizar a “energia pura” que é a ansiedade. Quando a canalizamos através de uma caminhada rápida ou de uma sessão de natação estamos a ativar o sistema nervoso simpático (que nos compele a agir em situações de stress). Só depois é que o sistema nervoso parassimpático pode atuar no organismo, permitindo as situações de calma.

De acordo com o estudo do psicólogo Alison Wood Brooks, quase 91% das 300 pessoas entrevistadas tenta manter a calma em situações de stress. E apenas 7,74% tenta a priori encontrar entusiasmo quando estão ansiosas. São estas últimas as mais corretas, diz o ele.

Eis o conselho da Harvard Business School: diga “eu estou entusiasmado” sempre que se sentir ansioso. Assuma essa premissa como sendo verdadeira e vai acabar por interiorizá-la. Mais do que isso: os outros também vão acreditar nisso. É que “a forma como falamos dos nossos sentimentos determina em parte se nos sentimos ansiosos ou excitados, que por sua vez influencia dramaticamente os desempenhos vindouros”, explica.

Quando os indivíduos se convencem que estão entusiasmados tendem a sentir-se deste modo a partir de certa altura. Ao dizer “eu estou entusiasmado”, as pessoas sentem-se mais excitadas, comunicativas e são percepcionadas como sendo mais persuasivas, confiantes e persistentes. Além disso, terão prestações mais apreciadas por terceiros nas tarefas em que se envolvem, verão com mais facilidade as oportunidades das tarefas que os “assustam” (em vez de identificar as suas ameaças).

É também isto o que a psicoterapeuta Rita Coelho afirma. “A atitude de excitabilidade positiva psicologicamente estimuladora do stress ajudará a ultrapassar pontualmente obstáculos próprios do caminho para a felicidade ou realização profissional”, numa estratégia chamada “auto-resiliência”.

Mas atenção: estas estratégias não funcionam com toda a gente do mesmo modo. “não é possível ignorar a condição humana e, se na sua complexidade holística, alguns vivem e produzem melhor sob stress, deixando deliberadamente para o fim e para “a eficiência da ansiedade e da pressão” o finalizar dos trabalhos, outros há que necessitam de ter tudo preparado “ a tempo e horas “ para que o seu eu possa sentir-se reconfortado”.

Porquê?

Uma questão de inteligência emocional

A ansiedade surge normalmente perante a incerteza, a adversidade e a contrariedade. Ora, há pessoas cientes de que durante a vida há obstáculos que precisam de ser ultrapassados, enquanto outras não se conformam com isso. Marco Ramos explica que a capacidade de avaliar as situações varia de pessoa para pessoa e que essa é uma questão de inteligência emocional.

Segundo a Clínica de Psicologia de Lisboa, a inteligência emocional depende de quatro campos:

  • Auto-consciência. É “a capacidade de reconhecer as suas próprias emoções e a forma como afetam os seus pensamentos e comportamento”. Através da auto-consciência construímos a confiança em nós próprios e avaliamos as nossas virtudes e fragilidades.
  • Auto-gestão. Define-se como “a capacidade de controlar comportamentos e sentimentos impulsivos”, permitindo a gestão correta das emoções, cumprir compromissos e ter iniciativas que permitam a adaptação às circunstâncias.
  • Consciência social. É “a capacidade de compreender as emoções, necessidades e preocupações de outras pessoas”, aprender a relacionar-se com elas em situações de convívio e reconhecer a sua importância em contextos sociais.
  • Gestão de relacionamentos. É “a capacidade de desenvolver e manter bons relacionamentos, comunicar de forma clara, inspirar e influenciar terceiros, trabalhar bem em equipa e gerir conflitos”.

A avaliação da inteligência emocional de um indivíduo tem em vista estes quatro aspetos. Marco Ramos admite que o modo como cada um gere a ansiedade depende do auto-reconhecimento e do auto-controlo. É por isso que há pessoas mais resilientes (que têm menor perceção da ameaça e maior capacidade de a ultrapassar) e pessoas neuróticas, um termo antigo para as pessoas mais sensíveis à ansiedade, com baixa resistência à ameaça e que até a costumam amplificar.

Sendo a inteligência emocional uma característica da personalidade, as pessoas com mais sensibilidade à ameaça e, por isso, mais ansiosas, ficam “reféns da sua própria incapacidade”. E são elas as que devem aprender mais urgentemente a conhecer e gerir as próprias emoções.

Isto não depende, ainda assim, apenas da inteligência emocional, alerta Paulo Sargento: a genética também tem algo a dizer sobre este assunto. “A inteligência emocional, na verdade, de acordo com alguns estudos, é um fator mediador, isto é, interfere, de forma negativa ou positiva na adaptação emocional dos indivíduos. Ainda assim, as variáveis genéticas e as ligadas ao desenvolvimento sócio-emocional parecem ser as que mais poder explicativo tem sobre esta questão”.

Texto editado por Filomena Martins