Na passada segunda-feira, Israel voltou a ter uma manhã sangrenta. Dois ataques, em dois locais diferentes, fizeram três mortos e vários feridos graves. Dezenas de pessoas foram esfaqueadas e baleadas num autocarro e outras duas foram também esfaqueadas noutro local por jovens palestinianos. Este ataque foi só mais um entre muitos que já ocorreram no mês de outubro. E onde as facas, os punhais e os atacantes adolescentes são o principal denominador comum. Várias dezenas de israelitas e palestinianos morreram nesta recente onda de violência. Sendo que os israelitas são esfaqueados e os palestinianos mortos pelas autoridades policiais de Israel nos confrontos que se seguem.

O clima de tensão entre israelitas e palestinianos não é de agora e tem raízes antigas e complexas. (Este explicador do Observador é uma boa introdução às origens e evolução do conflito.)

Nos últimos meses, porém, surgiram novas formas de violência e de atuação. As facas estão na rua, os ataques ocorrem em vários pontos de Jerusalém e da Faixa de Gaza e são conduzidos individualmente. Para se tentar compreender esta nova vaga de ataques, que já é apelidada como a “terceira intifada”, não é preciso recuar muito no tempo. Basta recuar até meados de setembro.

O Monte do Templo para os judeus, a Esplanada das Mesquitas para os muçulmanos.

No mês de setembro deram-se vários confrontos no local religioso mais disputado de Jerusalém. A Esplanada das Mesquitas. Ou Monte do Templo.

Como conta o site de notícias Vox, hoje em dia apenas os muçulmanos são autorizados a rezar no topo da colina neste local sagrado tanto para judeus (ali se ergueu o Templo de Salomão sobre a rocha onde se diz que Abraão iria sacrificar de seu filho em sinal de obediência a Deus), como para muçulmanos (dali terá subido aos céus Maomé). Tratou-se de uma medida política com o objetivo de evitar mais zonas de fricção entre israelitas e palestinianos. No entanto, um grupo de judeus radicais não se conforma com esta situação e tem lutado pelo direito do seu povo a rezar no mesmo local (actualmente os judeus rezam junto ao Muro das Lamentações, situado na base dessa colina). Esta pretenção é encarada como uma séria ameaça por parte da comunidade muçulmana.

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Assim, nas celebrações do Ano Novo judaico, grupos de palestinianos apedrejaram as forças policiais israelitas, que responderam com gás lacrimogéneo e invadiram a mesquita situado no topo da colina. A violência foi subindo de tom com confrontos cada vez mais violentos que levaram ao encerramento da Esplanada das Mesquitas por ordem do Governo de Benjamin Netanyahu.

Os tumultos resultantes destes confrontos alastraram-se por toda a região e culminaram na série de ataques que ocorreram nos últimos dias. Mas há mais a motivar a reação dos jovens palestinianos.

Redes Sociais e o início da terceira intifada?

Chegados a este momento entra em cena a internet.

O New York Times conta a história de Subhe Abu Khalifa que passou uma manhã inteira a assistir um vídeo de uma mulher palestiniana, acusada pela polícia israelita de ter esfaqueado um judeu, a ser baleada pelas autoridades. Depois disto, e em vez de ir trabalhar, o jovem de 19 anos pegou numa faca que tinha comprado na véspera e juntou-se a outro grupo de jovens chamados pelas redes sociais. Perto de um quartel da polícia, este grupo atacou vários israelitas.

Já o Times of Israel explica a história de Bahaa Allyan para fazer uma radiografia do panorama geral. Na passada terça-feira Jabel foi um dos protagonistas do ataque a um autocarro em Jerusalém onde os passageiros foram baleados e esfaqueados, resultando na morte de duas pessoas. Isto dois dias depois de ter estado a publicar duras críticas à comunicação social de Israel no Facebook. Tudo por causa da morte de uma vizinha sua.

Bahaa Allyan facebook

Bahaa Allyan (foto retirada da página de Facebook de Bahaa Allyan)

As autoridades israelitas afirmaram que Israa Ja’abees, vizinha de Allyan, ficou gravemente ferida depois de ter tentado fazer explodir o próprio carro a caminho de Jerusalém. A comunicação social de Israel noticiou que um polícia percebeu a ameaça e mandou parar o veículo, evitando assim um atentado terrorista na capital do país. Para além disso é relatado que a mulher gritou “Allahu Akbar” (Deus é grande) antes de fazer explodir o carro.

No entanto, na página do Facebook de Allyan, que se encheu de publicações hostis a Israel, a história é relatada de maneira diferente. Segundo conta o próprio, e depois de ter entrado em contato com a família de Israa, o carro da estudante derrapou quando esta se dirigia para a Universidade Hebraica e as forças israelitas confundiram um acidente com a preparação de um ataque terrorista, “matando-a à queima roupa.”

Estou a publicar notícias na minha página (do Facebook) devido à ausência de meios de comunicação fidedignos, e também para refutar os media hebraicos que alguns consideram credíveis, mas que não o são certamente. Sem comunicação social séria a nossa verdade será perdida”, escreveu Allyan.

Depois disto Allyan ajudou a realizar o ataque ao autocarro onde duas pessoas morreram. Segundo Orit Pervo, uma investigadora da sociedade palestiniana especializada em redes sociais, citada pelo mesmo jornal, aproximadamente um terço da comunidade é ativa na internet. O que fez com que a maioria dos autores dos ataques no último mês tenham enchido as suas páginas com publicações de ódio antes de saírem à rua armados.

Não há fronteiras nas redes sociais. A mesma mensagem chega a Gaza, Jerusalém ou a Um al-Fahm.”

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São várias as caricaturas e apelos que são publicados no Facebook

Esta é uma nova geração da resistência da Palestina. Uma geração que não é influenciada pelos seus líderes, mas sim pelos ativistas online e pelos apelos à confrontação feitos nas redes sociais. Páginas de Facebook como a Quds news Network, que conta com 3.6 milhões de seguidores, a Shehab News, com 4.1 milhões, ou a Urgent from Gaza, com 282 mil seguidores, enchem os ecrãs dos jovens da Palestina com imagens de compatriotas mortos e com caricaturas a apelar à “facada” e ao combate contra o exército de Israel.

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Imagem publicada na conta de Facebook de um grupo ativista palestiniano.

Muitos afirmam que esta nova resistência pode marcar o início de uma terceira intifada. Mas existem algumas diferenças entre a situação atual e, especialmente, a segunda intifada.

Este termo surgiu no rescaldo de uma insurreição civil espontânea da população palestiniana, em dezembro de 1987, contra o exército israelita. Aqui eram utilizados paus e pedras. Mais tarde ficou conhecida como a “Primeira Intifada” ou a “Guerra das Pedras”

A segunda ocorreu depois da recusa de Yasser Arafat, na altura líder da Autoridade Palestiniana, da proposta de paz de Israel. E em setembro de 2000 uma série de atentados suicidas contra os militares israelitas deram origem à “Segunda Intifada” ou à “Intifada de Al-Aqsa”. É esta a grande diferença da insurreição que tem manchado de sangue as ruas de Jerusalém, como explica o New York Times: se em 2000 os ataques eram orquestrados por grupos armados organizados e com treino militar, nos dias de hoje os ataques são conduzidos por jovens que atuam individualmente e sem nenhum filiação política. A sua inspiração tem origem nos ecrãs de smartphones e nos vídeos que se espalham na internet. 

Outubro sangrento

A Vox fez um levantamento de alguns dos ataques mais sangranteos que marcaram o mês de outubro. Tudo começou no primeiro dia do mês:

1 de outubro: um casal israelita é morto a tiro na Faixa de Gaza.

3 de outubro: dois israelitas são mortos à facada na parte oriental de Jerusalém. Outras duas pessoas ficaram feridas. O atacante foi morto pela polícia israelita.

8 de outubro: quatro israelitas são esfaqueados escapando à morte. O atacante palestiniano foi morto pelas autoridades policiais de Israel.

10 de outubro: um homem palestiniano é morto pela polícia israelita durante confrontos na Faixa de Gaza.

11 de outubro: durante uma manifestação perto da cidade de Ramallah, no centro da Palestina, a polícia israelita matou a tiro uma criança palestiniana de 13 anos de idade.

13 de outubro: dois homens balearam e esfaquearam dezasseis passageiros de um autocarro. Um dos atacantes foi morto pela polícia. No mesmo dia, e noutro local, um condutor atropelou três pessoas e, em seguida, esfaqueou mais uma. Uma das vítimas do ataque morreu.