“Ui, calhámos com a Espanha.” Há quase ano e meio isto passava pela cabeça de qualquer um. Jogar à bola contra os espanhóis bicampeões do mundo e reis da Europa assustava, porque o tiki-taka de passes atrás de passes trocava as voltas a toda a gente. Mas os holandeses tinham uns truques na manga. Trocaram a tática à última hora, os quatro defesas passaram a cinco, ficaram amigos do contra-ataque e a careca de Robben teve ordem de soltura para correr na frente. Começava o Mundial, a Holanda ganhava 5-1 e era o início do fim para a La Roja tal como a conhecemos durante quatro anos (entre 2008 e 2012). Quem vestia de laranja mostrava que tinha sumo para ser espremido e, mesmo que às vezes um pouco amargo, chegou para a seleção parar apenas nas meias-finais.

Não foi assim há tanto tempo que se bateram palmas aos holandeses no Mundial do Brasil. Passaram 16 meses desde o terceiro lugar que poucos esperavam, mas menos ainda antecipariam que o país de onde veio o futebol total acabasse por ser um total fracasso na qualificação para o Europeu — foram cinco derrotas, um empate e quatro vitórias, todas contra a Letónia e o Cazaquistão. Os 13 pontos não chegaram para bater os 18 da Turquia, os 20 da Islândia e os 23 da República Checa, contra quem a Holanda perdeu (3-2) quando tinha de vencer na última jornada da fase de grupos. Desastre.

Nem o facto de 24 seleções se apurarem para este Campeonato da Europa e não 16, como costume, impediu que esta laranja se tornasse amarga. Ou até podre. Uma equipa cheia de miúdos a prometerem dar doçura à seleção, que nunca os soube conjugar com os outrora bons e hoje decadentes Van Persie, Sneijder ou Robben. Foram a dependência da Holanda no Mundial, mas o avanço na idade e o declínio na forma encravaram uma equipa que não aprendeu a ser independente deles. Demasiada palavra escrita sobre holandeses num texto acerca dos apurados para o Campeonato da Europa? Talvez. Mas a verdade é que eles acabaram por ser a única seleção que falhou quando toda a gente esperava que acertasse.

Os habituées

Spain's players celebrate after scoring during the Euro 2016 qualifying football match between Ukraine and Spain at Olympiysky stadium in Kiev on October 12, 2015. AFP PHOTO / ANATOLII STEPANOV (Photo credit should read ANATOLII STEPANOV/AFP/Getty Images)

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Aqui continua a haver Portugal. A qualificação começou tremida com Paulo Bento e acabou bem segura com Fernando Santos. A troca de selecionadores fez a seleção ganhar sete jogos seguidos e acabar em primeiro lugar do grupo, como o fizeram a Espanha, a Alemanha, a Itália e a Inglaterra. Estas são as equipas mais do que habituadas a estas andanças e todas, menos a italiana, vão estar no pote 1 do sorteio dos grupos para o Europeu, que se realizará a 12 de dezembro. Depois há a França, que por ser anfitriã já lá estava há muito tempo.

Os transalpinos qualificaram-se nas calmas, mas têm até ao próximo verão para arranjarem maneira de não continuarem a depender tanto dos 36 anos de Andrea Pirlo e da incerteza de não terem um avançado que seja amigalhaço dos golos na seleção (Pellè, Giovinco, Quagliarella ou até Osvaldo não o são). Os espanhóis lá vão recuperando do trauma do Mundial e Vicente del Bosque, o selecionador, tem misturado as glórias das velhas conquistas (Iniesta, Cazorla, Silva, Fàbregas ou Sergio Ramos) com os miúdos de quem se esperam as próximas vitórias.

Os alemães são as mesmas máquinas de marcar golos e ganhar do Campeonato do Mundo — menos Philip Lahm, que disse adeus à seleção. Os ingleses ganharam os 10 jogos que fizeram na qualificação, impressionaram e esticaram a passadeira para acontecer o que acontece sempre: a seleção a prometer mundos no apuramento e a desiludir na fase final. Pelo meio, Wayne Rooney bateu o recorde de Bobby Charlton e tornou-se o melhor marcador de sempre.

Os outros primeiros

HELSINKI, FINLAND - OCTOBER 11: Northern Ireland Captain Steven Davis celebrates after the UEFA EURO 2016 Qualifying match between Finland and Northern Ireland at the Olympic Stadium on October 11, 2015 in Helsinki, Finland. (Photo by Stephen Pond/Getty Images)

Começam as surpresas. A primeira é a Irlanda do Norte, a mais pequenota das irlandas, a que liga menos ao futebol e a que menor número de jogadores tem em equipas importantes, mas que conseguiu acabar a liderar o Grupo F. Os britânicos surpreenderam romenos, húngaros e gregos (estes também surpreenderam toda a gente ao ficarem em último do grupo) e conseguiram o apuramento inédito para um Europeu, apesar de já terem estado em três Campeonatos do Mundo (1958, 1982 e 1986). Pelo meio houve Kyle Lafferty, o gigante avançado que marcou sete golos em 10 jogos.

A Áustria fez a vida negra a russos e suecos e acabou à frente do Grupo G sem discussão alguma. O país apenas sabe o que é estar em Europeus por ter organizado o de 2008 — com a Suíça — e agora chegar pela segunda vez à fase final da competição graças a uma geração das boas. David Alaba é lateral e central no Bayern de Munique enquanto manda no meio campo da seleção e, na frente, há Marc Janko (ex-FC Porto) à espera que lhe cruzem bolas, Arnautovic para correr e fintar na esquerda e Martin Harnik para marcar golos pela direita (fez um ao Benfica em 2011, pelo Estugarda). Têm jogado muito e há razões para se verem sorrisos.

Como há na República Checa, que ficou com o mais rasgado de todos no grupo de todas as surpresas. Os checos acabaram à frente da Islândia e Turquia e ajudaram a fazer a vida negra à Holanda com uma seleção que não marca muitos golos nem deixa que os outros lhe marquem. Já não há grandes estrelas nos nomes dos jogadores e resta o trintão Tomas Rosicky para liderar uma equipa feita sobretudo com homens que jogam no campeonato checo.

Resta escrever umas linhas sobre a Bélgica que, tantos anos depois, volta a ter equipa para assustar. Chamam-lhes os Diabos Vermelhos e percebe-se pelos jogadores que lá andam — há Eden Hazard, Axel Witsel, Romelu Lukaku, Radja Nainggolan, Kevin de Bruyne, Thibaut Courtois e mais craques para dar e vender. O difícil será Marc Wilmots, o selecionador, escolher os 23 que levará para França. Só mesmo pelo potencial se entende (mesmo não sendo um critério) como a Bélgica passou esta semana a liderar o ranking mundial da FIFA, apesar de nunca ter conquistado qualquer título.

Os segundos lugares

REYKJAVIK, ICELAND - OCTOBER 10: XXX of Latvia and XXX of Iceland in action during the UEFA EURO 2016 Qualifier match between Iceland and Latvia at Laugardalsvollur National Stadium on October 10, 2015 in Reykjavik, Iceland. (Photo by Tom Dulat/Getty Images).

Aqui sim, aparecem as verdadeiras surpresas. A Islândia, um país que nem 330 mil pessoas tem, conseguiu juntar uma geração de ouro, colocá-la às ordens de um treinador sério que pouco inventa (Lars Lagerbäck) e fazê-la brilhar. Foi a primeira equipa a garantir o apuramento, a 6 de setembro, e fez de Reiquiavique uma fortaleza onde venceu três jogos e empatou dois. Craques à moda islandesa como Sigurdsson (Swansea), Finnbogason (Real Sociedad), Gunnarsson (Cardiff) ou Sigborsson (Ajax) são a espinha de uma equipa que parece ser bem difícil de dobrar.

A um estreante junta-se outro, o País de Gales. A nação que em quase duas décadas nunca deu jogadores à altura de Ryan Giggs montou agora uma equipa à volta de Gareth Bale e Aaron Ramsey, os craques do Real Madrid e Arsenal em quem esta seleção se baseia para fazer tudo. Ainda por lá anda o trintão Craig Bellamy e a equipa compensa as muitas fraquezas a defender com os brilharetes que vai conseguindo desencantar no ataque. Segue-se a Polónia do em-vias-de-ser-extraterrestre Robert Lewandowski, que vai nos 40 golos marcados em 2015 e cujos 13 feitos durante a fase de qualificação lhe valeram o título de melhor marcador. A Suíça, recheada de qualidade nos pés de Shaquiri, Mehmedi ou Inler, a Croácia com as rédeas presas nos pés de Luka Modric e Ivan Rakitic, e a Rússia, que mesmo com tantos jogadores envelhecidos (Shirokov, Anyukov, os irmãos Berezutski) e sem jogar bem se conseguiu apurar.

Restam as surpresas valentes, a começar pela Albânia, que saiu viva do grupo de Portugal graças a uma vitória logo a abrir em Aveiro, ao castigo que a UEFA aplicou à Sérvia e aos resultados que foi conseguindo contra a Dinamarca e Arménia. A Eslováquia ficou atrás da Espanha e lá vai conseguir levar Vladimir Weiss e Miroslav Stoch, os extremos pequenos, bons e rápidos que tem, a uma grande competição. Sobra a Roménia, que depois de a cabeça de Costinha a empurrar borda fora da edição de 2000 logra regressar a um Campeonato da Europa.

O melhor terceiro

Turkey's players celebrate after defeating Iceland in a Euro 2016 Group A qualifying football match between Turkey and Iceland on October 13, 2015, at the Konya Arena stadium in Konya. AFP PHOTO/ STRINGER (Photo credit should read STR/AFP/Getty Images)

Foi a Turquia. Mas só o conseguiu ser aos 89′ do último encontro da fase de grupos, quando o pé direito de Selçuk Inan bateu o livre direto que fez a bola entrar na baliza islandesa e garantiu a vitória necessária para os turcos fugirem com o rabo à seringa do play-off. É das seleções que joga com mais raça do continente e isso às vezes vira-se contra a equipa, que se desorganiza muitas vezes. O capitão é Arda Turan, o barbudo médio que está à espera que janeiro chegue para começar a jogar pelo Barça (só aí termina proibição imposta pela UEFA do clube inscrever novos jogadores).

As seleções que vão ao play-off

STOCKHOLM, SWEDEN - OCTOBER 12: Zlatan Ibrahimovic of Sweden pauses during the UEFA EURO 2016 Qualifying match between Sweden and Moldova at the National Stadium Friends Arena on October 12, 2015 in Stockholm, Sweden. (Photo by Stephen Pond/Getty Images)

Os países nórdicos ficaram no resvés do apuramento: uma empurrada por Portugal (a Dinamarca), outra que Portugal tramou na caminhada para o último Mundial (a Suécia) e ainda a que Portugal não deixou ir ao Europeu de 2012 (a Noruega). Apenas os suecos serão cabeças de série do sorteio que definirá os duelos do play-off, que decorrerá no domingo, 18 de outubro. Ou seja, vão evitar as supostas seleções mais fortes que ficaram em terceiro lugar na fase de grupos.

Essas são a Ucrânia, anfitriã do último Europeu, a Bósnia, que a seleção nacional venceu para chegar à edição de 2012, e a Hungria, que já não leva a equipa a uma competição a sério desde o Mundial de 1986. Sobram a Irlanda, a equipa que veste de verde e ainda depende dos golos que os 35 anos de Robbie Keane conseguem fazer, e a Eslovénia, que também pertencem ao segundo pote do sorteio do play-off. A primeira mão destas eliminatórias jogar-se-á entre 12 e 14 de novembro e a segunda realiza-se de 15 a 17 do mesmo mês.

The Coupe Henri Delaunay, the trophy of the UEFA European Football Championship, is displayed during a press conference to unveil the Euro 2016 finals logo on June 26, 2013 in Paris. The Euro 2016 event will feature 24 countries for the first time, up from 16 in 2012, and France becomes the first country to stage the European Championship three times. AFP PHOTO / FRANCK FIFE (Photo credit should read FRANCK FIFE/AFP/Getty Images)

Foto:FR ANCK FIFE/AFP/Getty Images

As 16 equipas já qualificadas: França, Espanha, Portugal, Alemanha, Itália,  Inglaterra, Bélgica, Croácia, Polónia, Islândia, República Checa, País de Gales, Eslováquia, Suíça, Irlanda do Norte, Rússia, Áustria, Roménia e Albânia e Turquia.

As oito seleções que vão ao play-off: Bósnia, Suécia, Irlanda, Dinamarca, Hungria, Noruega, Eslovénia e Ucrânia.

O sorteio dos grupos para o Europeu de 2016 está agendado para 12 de dezembro, que calha a um sábado.