É uma das pinturas mais conhecidas do Renascimento e foi criada por Sandro Botticelli, entre 1477 e 1482. Durante grande parte da sua vida, o pintor de Florença teve como mecenas os Medici, uma família de ricos banqueiros florentinos. Pensa-se que “A Primavera” foi uma dessas encomendas.

Pintura de temática profana, tem sido interpretada como uma representação mitológica da Primavera, ou seja, da fertilidade e da harmonia. Da esquerda para a direita, teríamos: Mercúrio (mensageiro dos deuses), as três Graças (ninfas da felicidade), Vénus (deusa do amor) encimada por Cupido (deus do amor) e a ninfa Clóris, que é raptada por Zéfiro (deus do vento) e se transforma em Flora (deusa das flores, personificação da Primavera). Mas será apenas isto? Leia as várias versões e veja os detalhes da pintura na nossa fotogaleria.

1. Mercúrio ou Lorenzo?

Botticelli quis mesmo representar Mercúrio? Talvez a mensagem não seja essa. A figura pode ser nada menos do que Lorenzo de Pierfrancesco (ou Lorenzo Minore). O rosto de ambos é semelhante, tanto quanto as representações e a fé permitam dizer. A hipótese é reforçada pelo facto de a pintura ter sido feita por ocasião do casamento entre Lorenzo di Pierfrancesco e Semiramide Appiano – casamento arranjado por Lorenzo de Medici, governador de Florença e mecenas de Botticelli. Outra hipótese é a de a figura ser uma representação do David, de Verrocchio, escultura em bronze terminada em 1470, também financiada pelos Medici.

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2. Há flores e plantas, mas faltam os pássaros

Numa pintura chamada “A Primavera” (Botticelli terá deixado o quadro sem título, tendo-o baptizado o historiador Giorgio Vasali, em 1550), não poderiam faltar motivos florais. Aos pés dos deuses, temos cerca de 500 espécies de plantas, das quais perto de 190 estão em flor, de acordo com o livro Botticelli, da investigadora Elena Capretti. Mas faltam pássaros e coelhos, símbolos que por norma apareciam em quadros primaveris, o que é um enigma nunca desfeito.

3. Vénus ou a Virgem?

Só depois de “A Primavera” é que Botticelli terminou “O Nascimento de Vénus” (1485), mas a figura central do primeiro quadro, que desafia o olhar de quem observa, também tem sido identificada como Vénus. Pode não ser. O halo que se abre por entre os ramos das árvores, formando dois semicírculos em torno do busto da personagem, era comum na iconografia religiosa e pode indicar que estamos perante uma representação da Virgem Maria. Na quase ausência de paisagem, os troncos das árvores funcionam como símbolo das colunas das igrejas, o que tornaria o quadro um altar em que a Virgem assume o centro.

4. Rapto e violação

Há interpretações místicas de “A Primavera”, segundo as quais a filosofia do neoplatonismo, de que os Medici foram seguidores, tem aqui uma clara representação. Assim, o lado direito da pintura representaria o amor carnal – na mitologia, Zéfiro rapta Clóris, violando-a. O lado esquerdo seria o do amor etéreo – Mercúrio entretido a afastar nuvens com o caduceu, alheio ao amor da ninfa central das três Graças, prestes a ser atingida pela seta de Cupido, mas ainda representante da castidade.

5. As laranjeiras dos Medici

A zona superior é dominada por laranjeiras (ou pessegueiros, essa informação também é incerta), símbolo de prosperidade — e, detalhe importante que pode ajudar a descodificar a mensagem do quadro, da família Medici. Note-se a ausência de frutos junto a Zéfiro. Pode significar que a relação dele com Clóris não deu fruto. Ainda que se possa dizer que Flora, ou seja, Clóris transformada, aparenta estar grávida, ela não mostra querer proteger o ventre, antes segurar flores com as vestes.

Título: “A Primavera”
Autor: Sandro Botticelli (1445-1510)
Data: 1477-82
Técnica: Têmpera sobre madeira
Dimensões (cm): 203 (altura) x 314 (largura)
Coleção: Galeria Uffizi, Florença