Nem parece uma coisa importante. À hora marcada o sítio está mais do que calmo, as cadeiras vazias são mais que muitas e reboliço, nem vê-lo. Uma das salas do hotel MH em Peniche foi mascarada para acolher uma conferência de imprensa das grandes, mas às 16h não há artistas das ondas. O atraso começa a contar minutos e quando bate na meia hora ainda não chegou vivalma surfista. O único burburinho que se ouve vem das vozes de jornalistas e fotógrafos que põem a conversa em dia enquanto esperam pela azáfama. Uns minutos passam e a primeira cara conhecida aparece. É António José Correia, o presidente da câmara a quem toda a gente chama Tózé e que aparece com o sorriso e o bigode do costume. Começa a distribuir apertos de mão e puxa as atenções enquanto não passam os cinco minutos que Tiago Pires tarda a entrar na sala. Só podia ser ele.

É o primeiro dos surfistas a aparecer e tem ar de quem está bem disposto, descontraído até. Percebe-se. Está com 35 anos e depois de passar sete épocas seguidas a dar voltas ao mundo no circuito mundial de surf, vai experimentar algo novo — surfar a etapa portuguesa como wildcard e um dos convidados da organização. Assim que ele surge, as câmaras começam a funcionar e a sala é cortada pelos primeiros flashes de luz. Eles multiplicam-se quando, segundos depois, Owen Wright, o gigante (tem 1,90m de altura) e terceiro classificado do ranking mundial, e CJ Hobgood, um dos avôs do circuito (tem 36 anos) aparecem.

Eles são a pista que dá a entender que agora sim, os surfistas vão chegar de vez. Confirma-se: um a seguir a outro, aparecem Adriano de Souza, o segundo classificado do circuito, Mick Fanning, o líder e Vasco Ribeiro e Frederico Morais, os outros portugueses e wildcards da prova. Só falta um e chama-se Gabriel Medina, último a chegar, com um gorro a tapar-lhe a cabeça e descontração e cobrir-lhe a aparência.

epa04984364 Australian surfer Mick Fanning (R), three times world champion and current leader of the World Surf League (WSL), during a press conference on presentation of the Portuguese competition of the World Surf League (WSL) that will take place at Supertubos Beach in Peniche between 20 and 31 October, Peniche, Portugal, 19 October 2015. EPA/JOSE SENA GOULAO

Mick Fanning foi o primeiro dos surfistas a falar. Foto: EPA/JOSE SENA GOULAO

Enquanto todos se sentam nos lugares marcados o cerco vai-se montando. São dezenas de fotógrafos encavalitados uns nos outros, uns dois metros, a dispararem metralhadoras de flashes. Os surfistas, mesmo que não gostem, parecem estar mais do que habituados. Agora a sala está cheia, à pinha de gente e sem cadeiras suficientes para acolher as mais de 100 pessoas que aqui estão. Quando Nuno Jonet — um dos pioneiros que trouxe o desporto de andar em cima de uma prancha a deslizar em ondas e fundador da Federação Portuguesa de Surf — pega no microfone e se prepara para fazer mediador da conferência de imprensa, os surfistas também se aperaltam: todos pegam num boné e colocam-no na cabeça, para fazer a vontade às marcas que os patrocinam. Depois começa a festa. Jonet fala, faz as apresentações e, um a um, ouvem-se os discursos de Tózé e dos representantes das marcas parceiras do Moche Rip Curl Pro. Finda a parte institucional a palavra passa para os surfistas.

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O primeiro a pegar no microfone é Mick Fanning. Pouco antes, o australiano é um dos poucos que, graças ao filtro dos ouvidos que nada entende de português, não se ri quando a Susana Cardoso, representante do Turismo de Portugal brinca e diz que ali “não há tubarões“. Fanning já venceu por duas vezes a prova em Supertubos (2011 e 2014) e, caso ganhe outra vez, tem hipóteses de ser campeão mundial já em Portugal, antes de os surfistas rumarem ao Havai para a última etapa do circuito — isto se Adriano de Souza não passar da terceira ronda. Mas nem isso o acorda logo da sonolência de nada entender do que dizem à sua volta. “Ai é? Ainda não fiz as contas”, diz, quando lhe perguntam sobre isso. Depois o microfone salta de mão em mão sem que alguém além de Nuno Jonet possa fazer perguntas.

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É a primeira vez que Tiago Pires compete na etapa portuguesa do circuito mundial sem fazer parte dele. Foto: Lusa

E o que vale é a boa disposição dos surfistas que ali estão para animar a coisa. Porque Owen Wright pega na deixa de Fanning e, mesmo que parco em palavras, espicaça Gabriel Medina após revelar que de Peniche só espera “ondas com tubos” para surfar: “Mas aposto que o Gabi também vai querer fazer uns aéreos”. Isso e dizer que sempre que vem a Portugal já sabe que encontra “comida épica”. O senhor que se segue é CJ Hobgood. O trintão norte-americano está a cumprir o último de 17 anos seguidos no circuito (foi campeão mundial em 2001) e, mesmo assim, torce o nariz e sorri timidamente quando percebe que é a vez dele de falar. Confessa que o gosta mais do país é “the people” e “nunca tinha visto tanta gente junta da primeira vez” que o circuito aqui parou, em 2009. Diz que gostava de ganhar este e que para isso tem “de ficar longe do Mick e do Gabi” e que, mesmo retirando-se destas andanças, nunca se irão livrar dele: “Vão ter que me aturar para o resto da vida. Não me vou aventurar [num curso de] engenharia, tudo o que sei fazer, infelizmente, vem do surf”. Por nós tudo bem, CJ.

Quem fala a seguir é Gabriel Medina, feliz da vida por, na semana passada, ter conquistado a etapa francesa, em Hossegor. O brasileiro começou o ano a tremer, acertou o passo nos últimos meses e está no quinto lugar do circuito, com hipóteses de revalidar o título. Admite que está confiante, sente “o melhor surf de volta” e sente-se feliz por estar em Portugal, onde tem “comido bastante picanha” enquanto surfa todos os dias. A maior gargalhada geral na sala é ele quem a arranca, quando Nuno Jonet lhe pede desculpa por não o apresentar como o campeão mundial em título e Gabriel lhe devolve a interrupção: “Já esqueceu Nuno? Porra!”. Antes e depois, o brasileiro passa o resto do tempo a tagarelar com Vasco Ribeiro, que está sentado mesmo ao lado.

Antes já Adriano de Souza admitira o “alívio” em poder falar português em paz e a felicidade por rever “o amigo” Tiago Pires. Depois é a vez de Saca reconhecer que, este ano, se sente “um outsider” a competir “sem pressão”. Desabituados a estas andanças, Vasco Ribeiro e Frederico Morais agradecem ambos a oportunidade e garantem que vão dar o melhor.

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Esta é a cara de quem estava farto de dar entrevistas. Pobre Adriano de Souza. Foto: Lusa

Quando a conferência acaba é um ver se te avias. Nuno Jonet despede-se a dizer que é tempo para “entrevistas one on one” e a corrida começa. Owen Wright e CJ Hobgood já o sabem e piram-se logo dali. Mick Fanning tenta imitá-los, mas apanham-no logo e acaba cercado por gente a cravar autógrafos e jornalistas. Outros cumprem obrigações da organização e falam à frente de éne câmaras de televisão e microfones que lhes são apontados. No meio do reboliço o Observador consegue ter duas conversas (amanhã, terça-feira, pode lê-las) e quanto vê uma nesga para ter a terceira, Adriano de Souza não podia ser mais sincero. “Cara, tenho o saco cheio. Não dá mesmo, fica para amanhã ou depois”, lamenta, enquanto enche as bochechas de ar e suspira em jeito de alívio. O brasileiro é dos últimos a abandonar a sala e a fugir para o quarto para descansar. Bem precisa, pois minutos depois ficaria a saber que a organização queria todos os surfistas às 8h do dia seguinte na praia, para verem se há ondas, ou não, para arrancar com o campeonato.

Pelas previsões e pelo que se ouvia nas conversas, o mar não estará muito simpático e só deverá dar ondas lá para sexta-feira. Nada que preocupe Tiago Pires, que nos lembra que o “oceano português oscila muito no inverno” e torna-se imprevisível. Saca tem a certeza que as ondas virão e que, mesmo com a hipótese de a organização poder optar por mudar a prova para Cascais, o evento não sairá de Peniche: “A única coisa que pode acontecer é o mar estar demasiado grande e não conseguirmos surfar. Mas não me cheira que isso aconteça”. Se ele o diz, nós acreditamos.