Philae, a sonda que pousou no cometa Chury, não conseguiu cumprir a missão que a Agência Espacial Europeia (ESA) lhe tinha destinado, mas Rosetta, a nave que orbita o cometa, não parou de recolher dados. Agora, os investigadores revelam, num trabalho publicado na Nature, que a nuvem de gás que se formou à volta do cometa quando este se aproximou do Sol tinha oxigénio molecular (O2) – equivalente àquele que existe na atmosfera da Terra.

Calma, lá porque existe oxigénio não quer dizer que exista vida no cometa. Ainda assim esta descoberta é importante porque é a primeira vez que é descoberto oxigénio molecular na nuvem de gás de um cometa. Antes disso, e além da Terra, só tinha sido encontrado O2 em corpos celestes gelados, como as luas de Júpiter ou Saturno. Curiosamente, no cometa Chury – de nome completo 67P/Churyumov-Gerasimenko – também tinha sido encontrada uma camada de gelo compacto por baixo da poeira da superfície.

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A formação do coma e da cauda do cometa Chury à medida que se aproxima do Sol na sua órbita de 6,5 anos – ESA

À medida que os cometas se aproximam do Sol, durante a órbita que realizam, o gelo que têm à superfície ou abaixo dela vai derretendo, formando uma nuvem de gás à volta do cometa – coma ou cabeleira – e uma cauda de gases e poeiras soprada pelos ventos solares. O vapor de água e as poeiras arrastam várias moléculas com origem no cometa Chury, como compostos orgânicos (ou seja, com átomos de carbono), sulfureto de hidrogénio (que dá o cheiro aos ovos podres) ou moléculas de água diferentes daquela que é encontrada na Terra.

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Normalmente, a coma dos cometas é composto maioritariamente (95%) por vapor de água (H2O), monóxido de carbono (CO) e dióxido de carbono (CO2), sendo os restantes 5% compostos de moléculas variadas incluindo sulfuretos ou hidrocarbonetos, como os que já foram encontrados no Chury. No caso deste cometa, o oxigénio molecular apresenta uma percentagem média de 3,80%.

A descoberta é “surpreendente”, porque o “oxigénio molecular é muito reativo” e não seria de esperar que se mantivesse durante tanto tempo, disse em conferência de imprensa Kathrin Altwegg, investigadora na Universidade de Berna (Suíça) e co-autora do estudo. Mais, como foi possível observar oxigénio molecular ao longo de vários meses confirma-se que “esta molécula está presente em todo o corpo celeste e não apenas à superfície”, referiu em conferência de imprensa Andre Bieler, primeiro autor do artigo e investigador na Universidade do Michigan (Estados Unidos).

As três moléculas mais abundantes na cabeleira do cometa (enxofre atómico [S], oxigénio molecular [O2] e metanol [CH3OH]) ao longo do tempo - Bieler et al. (2015) Nature

As três moléculas mais abundantes na cabeleira do cometa (enxofre atómico [S], oxigénio molecular [O2] e metanol [CH3OH]) ao longo do tempo – Bieler et al. (2015) Nature

A proporção de O2 e H2O é mais ou menos constante na coma e independente da distância ao Sol, o que levou os investigadores a considerar que o oxigénio molecular teria sido incorporado no cometa aquando a formação do mesmo. Mas ainda não se sabe como foi incorporado no cometa e como se manteve tanto tempo. O curioso é que os modelos atuais de formação do sistema solar não preveem condições que permitissem este processo. Para o O2 se manter tanto tempo e o cometa continuar tão inalterado desde a origem, o processo de formação do sistema solar tinha de ter sido um processo mais gentil do que os modelos atuais preveem, referiu Kathrin Altwegg.

Nuno Peixinho, investigador no Centro de Investigação da Terra e do Espaço da Universidade de Coimbra, não considera que a descoberta tenha sido assim tão evolucionária, até porque “não põe em causa a ideia geral do modelo de formação do sistema solar estabelecido nos anos 1970”. Ao longo do tempo este modelo tem sofrido pequenos ajustes e este pode ser mais um, porque indica que durante a formação do sistema solar a temperatura poderia ter tido de ser mais elevada do que está previsto – para dois átomos de oxigénio se juntarem numa molécula há consumo de energia (calor).

O melhor é fazer uma rápida viagem no tempo para ver como tudo se passou. No início existia uma nuvem de gases e poeiras – nebulosa solar – que se foi colapsando num disco. À medida que certos gases e poeiras se foram agregando cada vez mais, formaram-se os planetesimais e mais tarde os planetas. E, claro, o Sol no centro do sistema. Com o calor emitido pela estrela, os planetas mais próximos não conseguiram condensar muitos gases e acabaram por ser mais ricos em minerais sólidos – por isso lhes chamamos planetas rochosos. No extremo oposto, mais afastados do Sol, estão os corpos celestes mais gasosos e gelados da cintura de Kuiper onde se podem originar os cometas.

Os cometas, formados na parte mais exterior do disco de formação do sistema solar, mantiveram-se praticamente inalterados desde aí e por isso, como referiu Nuno Peixinho, são os fósseis do sistema solar. Daí que conhecer as suas características seja tão importante para entender a origem da nossa estrela e planetas que a orbitam. Caso se venha a verificar que outros cometas também têm oxigénio molecular, como o Chury, o modelo deverá ser ajustado, explicou Nuno Peixinho. O investigador referiu ainda que isso também poderá levar à revisão dos modelos de formação de outros sistemas estelares.

As medições foram feitas pelo espetrofotómetro de massa – ROSINA-DFMS – a bordo da nave Rosetta entre setembro de 2014 e março de 2015 e os investigadores analisaram 3.193 registos. Mas se esta descoberta é válida para o Chury, não pode ser extrapolada para outros cometas porque as observações por telescópio não permitem detetar O2, explicou Kathrin Altwegg. Porém, conforme disse a investigadora, os dados antigos do cometa Halley serão reanalisados para tentar encontrar oxigénio

Para poder seguir a viagem da Rosetta experimente a ferramenta criada por investigadores portugueses (aqui).

A missão da Rosetta explicada num vídeo educativo do Observatório de Greenwich, no Reino Unido.