Antes era a União Europeia e a NATO. Agora, na tomada de posse do XX Governo Constitucional, liderado por Passos Coelho, o Presidente da República desfiou os cinco compromissos – e mais três objetivos – que um Governo tem de respeitar – com uma leitura que permite que o destinatário seja Passos, ou António Costa (quando derrubar a direita na Assembleia).

Para Cavaco Silva, sem o respeito por todas as regras da União Monetária, da União Bancária e compromissos internacionais de defesa e lusofonia, o país não mostra ser credível e torna-se “ingovernável”. E é aqui que fica o recado político para António Costa: “Sem estabilidade politica, Portugal tornar-se-á um país ingovernável. E como é evidente, ninguém confia num país ingovernável”, avisou.

Para Cavaco Silva, são vários os compromissos importantes a satisfazer – porque, disse o PR, “é imprescindível que não subsistam quaisquer dúvidas” e todos terão de ter “um elevado sentido de responsabilidade”: 

  1. “Respeito pelas regras europeias de disciplina orçamental aplicáveis aos países da Zona Euro”. São eles o Pacto de Estabilidade e Crescimento, o “Six Pack” e o “Two Pack” e o Tratado Orçamental para que Portugal consiga sair do “Procedimento por Défices Excessivos”, ou seja, descer o valor do défice abaixo dos 3%, reduzir o rácio da dívida pública e “alcançar o objetivo de médio prazo fixado para o défice estrutural”;
  2. Respeitar os compromissos “no âmbito da União Bancária”, de lembrar que tanto comunistas como bloquistas têm posições diferentes sobre o controlo do sistema bancário via BCE;
  3. Participar ativamente na negociação da “Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento”, que a UE está a negociar com os EUA, para “melhorar as condições de competitividade dos produtos portugueses nos mercados norte-americanos. Mais um compromissos internacional perante o qual bloquistas e comunistas têm uma visão que não é compatível;
  4. Manter-se fiel aos compromissos internacionais “no espaço da lusofonia”, leia-se CPLP;
  5. Manter-se fiel à presença de Portugal nas “organizações internacionais de defesa e segurança coletiva de que fazemos parte”, leia-se NATO. Mais uma ideia que BE e PCP não partilham.

Num discurso para o Governo de Passos Coelho, mas já pensando na aliança à esquerda, Cavaco Silva não deixou de dar recados a António Costa.

Logo à frente, o Presidente deixou três objetivos ao Executivo que se segue, todos eles para a legislatura:

  1. “Uma estratégia de combate ao desemprego” – que não oferecerá grandes problemas numa aliança de esquerda;
  2. Condições para captar investimento (que o próprio PR ligou à necessidade de manter a confiança dos agentes externos);
  3. Uma consolidação saudável das contas e o “equilíbrio das contas externas” – questão que preocupa o Presidente, tendo em conta que os programas à esquerda são assentes sobretudo num estímulo ao consumo, que pode levar o país a uma maior dependência de financiamento externo.

Além dos compromissos atrás, Cavaco fez questão de dizer que o seu comportamento é idêntico ao que tomou em 2009, quando deu posse ao Governo minoritário de José Sócrates. Fê-lo por duas vezes no discurso: primeiro para dizer que o Executivo de Passos Coelho “tem plena legitimidade constitucional para governar” e que essa “legitimidade” foi “conquistada nas urnas”; e em segundo lugar para lembrar que “a ausência de um apoio minoritário no Parlamento não é, por si só, um elemento perturbador da governabilidade. A ausência de maioria não implica o adiamento das medidas que a situação do país reclama. Para qualquer Governo, o horizonte temporal de ação deve ser sempre a legislatura”, reforçou.

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Mas mais, justificou dar posse a Passos Coelho com o facto de não lhe ter sido apresentado nenhum Governo alternativo. Disse-o com todas as letras:

“Até ao momento da indigitação do primeiro-ministro não me foi apresentada, por parte das outras forças políticas, uma solução alternativa de Governo estável”, disse.

Pegando no passado, Cavaco fez linha continua até ao futuro, que é como quem diz “não podemos regredir num caminho que foi árduo, em que foram pedidos muitos sacrifícios aos portugueses”. E acrescentou: “O percurso que fizemos na sequência do pedido de auxílio externo em abril de 2011, quando o país esteve à beira da bancarrota, ainda não foi concluído”. E por isso é que o Presidente da República insistiu que “é imprescindível que não subsistam quaisquer dúvidas sobre a fidelidade do Estado português aos compromissos internacionais”.

Mas Cavaco sabe que este Governo tem uma ameaça de fim sobre a cabeça e que o caminho será muito exigente para o novo Governo. O chefe de Estado lembrou que há um reembolso de dívida pública elevado a fazer (18 mil milhões de euros), que a dívida ainda continua “elevada”, que a taxa de desemprego “ainda se encontra num nível elevado” e que por isso “é neste quadro que, a par da consolidação orçamental, o governo deve enfrentar outros grandes desafios”.

Esses desafios começam já com uma articulação entre os diferentes atores para que o financiamento à economia e ao Estado não se torne insuportável para as contas. Por isso pediu “responsabilidade” aos “agentes políticos”.

“Portugal é hoje um país credível e respeitado, em que muitos desejam investir e os mercados confiam. Não podemos desperdiçar este ativo, que tanto nos custou a conquistar e para o qual a colaboração de várias forças políticas foi fundamental”, disse. Nesta sequência pediu para que seja “imprescindível que as medidas a tomar pelo governo sejam objeto de uma estreita articulação com os parceiros sociais e com a sociedade civil”.

PS, agradado, elogia “discurso cordato”

No fim, o recado político. A bola foi devolvida à Assembleia da República: “Agora aos deputados apreciar o Programa de Governo e decidir, em consciência e tendo em conta os superiores interesses de Portugal, sobre a sua entrada em plenitude de funções”. Sem mais, com a bola apenas na mão dos deputados, o PS saiu de Belém com notório alívio: “Queria apenas saudar, registar uma redução significativa do seu discurso anterior. Isso é bom para todos. Foi um discurso cordato e de acordo com as regras”, disse João Galamba. O PS parece já acreditar que o Presidente não deixará o atual governo em gestão, dando posse a António Costa.