“Todos somos deficientes”. A frase é de Rita Ferro, que diz não querer chocar ninguém, até porque há uma explicação para tal afirmação. “O meu pai era deficiente em matemática, eu sou deficiente a preencher um impresso de finanças, há pessoas que não conseguem jamais aprender uma língua estrangeira ou mudar um pneu, ou, noutro plano, amar ou perdoar. Todos somos meninos especiais.”
A vida de Rita Ferro é escrever e foi ela a responsável por pôr em palavras a história de Miguel, um menino com síndrome de Morsier. O resultado faz parte da 3ª coleção “Meninos Especiais”, um projeto da associação Pais-em-Rede, que promove a inclusão social das pessoas com deficiência e das respetivas famílias.
Cada livro conta a história de uma criança que sofre de uma síndrome. Miguel tem Síndrome de Morsier, a Matilde tem síndrome de Pitt-Hopkins e o Eduardo tem Síndrome de Asperger. Os autores dos livros conviveram com o Miguel, com a Matilde, com o Eduardo e com as respetivas famílias. Absorveram a realidade e depois passaram à ficção.
O projeto vai já no terceiro ano e o objetivo mantém-se. “Um dos dramas das crianças com deficiência é a solidão. Quando entram na escola, as crianças falam sobre elas e estas crianças são imediatamente rotuladas com a deficiência. Isso suga as características delas. Para os outros, não são pessoas, são seres esquisitos“. A explicação é de Luísa Beltrão, presidente da associação que nasceu em 2008 pela mão de um grupo de mães e que já conta hoje com núcleos por todo o país.
Os livros têm como objetivo dar a conhecer estas crianças para que seja possível criarem laços de amizade com os outros. Os principais destinatários dos livros, aliás, são as crianças que não têm deficiência. “A ideia é revestir estas crianças de humanidade. É este o princípio da inclusão. Elas têm uma família, têm coisas de que não gostam, coisas de que gostam”, destaca.
O mundo da deficiência é um bicho-papão. As pessoas têm medo porque são realidades muito distantes e têm receio de não saber lidar com elas”, diz Luísa Beltrão, presidente da Pais-em-Rede.
É esta ideia de tratar a síndrome como um pormenor na vida destas crianças que orienta o projeto. Uma ideia também adotada para a estratégia de escrita de Isabel Martins. “A minha preocupação foi ir caracterizando a doença pelo meio do enredo, e tentar não transformá-la no centro do enredo”, revela a autora de “O fácil que é difícil e o difícil que é fácil”, a história de Eduardo.
Os livros podem ser também uma “boa ferramenta para os professores trabalharem com as crianças, fazerem teatrinhos e leituras”, para que “os meninos ditos normais convivam com meninos com deficiência”, aponta Edite Vasconcelos, coordenadora do projeto “Meninos Especiais”.
Na primeira coleção, decidiram começar pelas síndromes mais comuns. Depois, foram alargando o espetro. Os escritores, ilustradores, paginadores e editores trabalharam gratuitamente. Cada livro custa quatro euros e a receita vai para os projetos da associação. Os livros estão à venda na sede de Lisboa (Rua Garcia de Orta) ou através de venda direta pelo email encomendasmeninosespeciais@gmail.com.
1ª coleção "Meninos Especiais"
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“Olá eu sou o João – Um Mundo só Meu” (tenho autismo) – Texto de Alice Vieira; ilustrações de Paulo Guerreiro.
“Olá, eu sou o Pedro – Um Herói em cadeira de rodas” (tenho paralisia cerebral) – Texto de Luísa Ducla Soares; ilustrações de Ana Ferreira.
“Eu sou a Vera” (tenho trissomia 21”) – Texto de Luísa Beltrão; Ilustrações de Tânia Lopes.
A Rui Zink coube contar a história de Matilde, uma menina que sofre da síndrome de Pitt-Hopkins que afeta cerca de 500 pessoas em todo o mundo. Escrever sobre estes temas nem sempre é fácil. “Um excelente livro para crianças (ou com crianças) é muito complicado. A simplicidade dá muito trabalho”, constata Rui Zink. “A história tem de tocar diferentes teclas e isso é uma dificuldade técnica. Neste caso, a dificuldade é humana: como respeitar a pessoa cuja história se conta? Qual o método?” O segredo, desvenda Rui Zink, esteve em “escutar a Matilde, a verdadeira protagonista”.
Há uma rejeição natural da diferença. Se logo de princípio se começar a trabalhar para tornar essa diferença natural, a criança vai achar natural”, refere Luísa Beltrão.
Para contar a história de Eduardo, Isabel tentou descomplicar. “Uma história simples pode ser um meio de tornar uma coisa complicada ou difícil algo mais próximo e, logo, menos assustador. Eu tentei ter um olhar próximo ao destes meninos leitores e tentar ver, através dos seus olhos, como é que eles veriam o Eduardo”.
2ª coleção "Meninos Especiais"
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“Olá, eu sou a Cláudia – À velocidade do pensamento.” (tenho hiperatividade e défice de atenção) – Texto de Afonso Cruz; Ilustrações de Marta Leite.
“Olá, eu sou o Martim – Martim um menino assim.” (tenho Síndrome de Cornélia de Lange) – Texto de José Luís Peixoto; Ilustrações de Vasco Gargalo.
“Olá, eu sou a Carolina. O mundo de Carolina” (tenho surdo-cegueira) – Texto de Teolinda Gersão; Ilustrações de Carolina Arbués Moreira.
Rita Ferro não escreveu mais do que “três ou quatro” livros infantis na vida. Desta vez calharam-lhe duas histórias de uma vez. É a história do Miguel, que tem a síndrome de Morsier (que afeta 1 em 10 000 recém-nascidos) e do Marcelo, que tem hiperatividade e défice de atenção. A história de dois irmãos contada pelos pais e passada depois para o papel.
Aos dois irmãos juntou-se um terceiro, acabado de nascer. A conta lá em casa subiu para cinco pessoas e é aqui que está a origem do título do livro. “Cinco dedos de uma mão” porque, tal como aqueles cinco elementos, os nossos dedos também são todos diferentes. “Queria tratar o tema com humor. Atrevi-me a tentar que elas próprias (as crianças) se rissem delas e das chamadas ‘pessoas normais’“. Assim termina a história: “Mas como todos gostam de todos — muito, muito, muito — as dificuldades que todos têm, mais as diferenças que têm todos, serão sempre menos do que as alegrias da família Rios.