Tinha 12 anos, era um miúdo ainda com um sotaque esquisito, vindo há pouco tempo da Madeira. Estava há um ano a dar pontapés na bola no Sporting e foi com essa idade que lhe pediram para escrever a assinatura num papel. A prova está na fotografia que mostra Cristiano Ronaldo a dar o primeiro autógrafo. Isto é algo que podemos contar, primeiro, porque não aparece em “Ronaldo”, filme sobre o internacional português e, segundo, por ter saído da boca de Anthony Wonke. “Quando era novo, até os miúdos da mesma idade andavam atrás dele, já aí era melhor que todos os outros. Ele habitou-se à fama e cresceu com isso”, diz o britânico que dirigiu o filme-que-é-mais-um-documentário sobre o papa recordes do Real Madrid e da seleção nacional.

Di-lo ao telefone, numa bem-disposta conversa de 15 minutos e nem mais um segundo com o Observador. Tanto o realizador como o jornalista já viram o resultado final, mas ambos estão impedidos de contar o que quer que seja sobre o filme antes de 9 de novembro, dia marcado para a estreia. Isso não impede Anthony Wonke, vencedor de dois BAFTA (o equivalente britânico aos Óscares de Hollywood), de contar como o mais difícil de andar um ano atrás de Ronaldo tenham sido “as alturas em que ele saía” à rua para comparecer a um evento. “Um dia fomos completamente cercados por uma multidão assim que chegámos à Madeira. Tivemos de sair pelas traseiras do aeroporto, o Ronaldo simplesmente não se conseguia mexer. Ele lá conseguiu, não sei como, enfiar-se dentro de um carro”, revela, ainda com um tanto ou quanto de espanto pelo preço que o português paga pela popularidade que tem.

Durante meses e meses, Anthony viu como Ronaldo é “genuíno em tudo o que faz”, como está “constantemente” com o filho e como é Cristiano Júnior quem “acalma bastante” o melhor marcador de sempre do Real Madrid. “Têm uma relação encantadora”, resume quem orquestrou o filme que mostra muito da relação que, até agora, Cristiano pouco tinha deixado revelar.

O que achava do Cristiano Ronaldo antes de o conhecer?

Sabia quem ele era, já o tinha visto jogar no Manchester United e achava-o um jogador fantástico. Sabia que era uma estrela global e, sem dúvida, uma das pessoas mais famosas do mundo. Um ícone global. Basicamente era isto. Sabia que tinha uma história interessante, que era natural da Madeira e tinha umas origens muito humildes. Comecei a ler sobre ele e a pesquisar, queria descobrir mais.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

E o que pensa dele agora?

Bem, passei a conhecê-lo ao longo das filmagens. Gosto dele, é um tipo esperto, perspicaz e com piada. É uma boa companhia e uma pessoa muita focada e determinada. De certa forma surpreendeu-me, pois é muito mais caloroso do que a imagem que as pessoas lhe atribuem. Espero que isso passe no filme.

RonaldoCasa

Foto: Ariel Grandoli/ Universal Studios. D.R.

Alguma vez o considerou arrogante, como muita gente o vê?

Sinceramente não. Acho que uma das perguntas que lhe fiz logo, mal nos juntámos e sentámos à mesa pela primeira vez, foi por que queria fazer este filme. E ele disse-me: “Há muitas pessoas que gostam de mim e muitas que não gostam. Mas as pessoas são curiosas”. E de certa forma relacionei-me com isso e percebi, ok, ele tem noção do que as pessoas dizem sobre ele. Mas o que achei mais refrescante no Ronaldo é o facto de ele ser muito genuíno em tudo o que faz. E não se pode criticar alguém por ser assim. Nunca foi arrogante comigo, mas sei que as pessoas pensam isso dele. Mas ele próprio o diz: “Tenho de ser quem sou”. E afinal de contas, o mundo inteiro fala sobre ele.

O Ronaldo disse-lhe para deixar alguma coisa de fora do documentário ou pediu-lhe para mostrar algo em particular?

Não. Conversámos com ele ao início e expliquei-lhe a minha visão do filme, como eu achava que podia ser e as coisas que seriam interessantes mostrar. Ele percebeu e concordou com tudo. O objetivo era dar uma boa impressão do que é a vida de Ronaldo e do que ele faz no dia-a-dia. E ele comprometeu-se com isso.

Daí o filme mostrar muito do lado pessoal e pouco da parte futebolística, certo? Sobretudo da relação que Ronaldo tem com o filho.

Essa foi sempre a ideia principal. Eu não venho de um background desportivo e não queria fazer um filme que apelasse apenas aos seus fãs. É um pouco como aconteceu em “Amy” ou em “Senna” [documentários em que Anthony Wonke participou, sobre a cantora Amy Winehouse e o piloto de Fórmula 1 brasileiro Ayrton Senna, ambos falecidos], filmes que trataram temas universais com os quais a maioria das pessoas se pudesse relacionar. Essa é parte da razão pela qual não olhei detalhadamente para jogos do Ronaldo ou para treinadores e jogadores com quem já trabalhou. Não estava interessado nisso. Queria era saber quem ele era e pelo que teve de passar para ser quem é hoje.

E como é que se faz um filme destes? Mandam-se várias pessoas com câmaras segui-lo para todo o lado?

Forma-se uma pequena equipa, por norma sempre com as mesmas pessoas, umas quatro ou cinco. Não filmámos com ele todos os dias, era mais em períodos combinados.

Com que frequência estava com o Ronaldo ou falava com ele?

Hmmm, enviávamos sms um ao outro várias vezes e combinávamos com o pessoal dele as alturas em que iríamos aparecer. Fomos a muitos eventos onde ele esteve presente para o filmarmos. O Ronaldo viaja com uma entourage, sempre com o mesmo grupo de pessoas, basicamente com a família e os amigos mais chegados. E foi incrível porque, passado algum tempo, tornámo-nos parte desse grupo. De certa forma eles controlam o que nós fazemos, mas à medida que fomos confiando uns nos outros, foram-se tornando muito calorosos e acolhedores. Por isso é que tentamos sempre manter a equipa de filmagem com poucas pessoas.

Qual foi o maior desafio para fazer o filme então?

Bem, acho que foi o facto de ele estar sempre tão ocupado. Era difícil combinar datas. A parte logística era algo complicada, porque tínhamos de fazer tudo rápido e com pressa. Quando o Ronaldo vai a um determinado evento chega lá rápido e, de repente, estás rodeado de pessoas. Ir com ele, acompanhá-lo e ficar perto do Ronaldo era difícil. Há uma cena que será incluída na versão em DVD, em que fomos completamente cercados por uma multidão assim que chegámos à Madeira. Tivemos de sair pelas traseiras do aeroporto, o Ronaldo simplesmente não se conseguia mexer. Ele lá conseguiu, não sei como, enfiar-se dentro de um carro. A parte mais difícil foi sempre quando o Ronaldo saía para o mundo exterior [ri-se].

Como é que ele lida com a fama?

Falámos muito sobre isso. E pelo que percebi, ele convive com a fama mais ou menos desde os 11 anos. Acabámos por não a usar no filme, mas chegámos a encontrar uma fotografia que mostrava o Ronaldo, com 12 anos, a dar o primeiro autógrafo. Quando era novo, até os miúdos da mesma idade andavam atrás dele, porque já aí era melhor que todos os outros. Ele habitou-se e cresceu com isso. Saiu muito cedo de casa. Acho que se aprende a viver com esse tipo de atenção.

Chegou ao ponto de sentir que tinha histórias a mais para mostrar no filme?

[Solta uma gargalhada] Boa pergunta. Acho que sim, porque acabámos por juntar uma grande quantidade de material. Estivemos a editar o filme durante oito meses, tínhamos muito coisa em arquivo… Havia muitos ângulos ou histórias que poderiam ser contadas de maneira diferente, mas quis focar-me no passado do Ronaldo, mostrar de onde ele veio e como ele é hoje em dia, com base no ano que passámos com ele.

Ronaldo+Filho

Foto: Ariel Grandoli/ Universal Studios. D.R.

O Ronaldo sempre foi muito reservado quanto ao filho, nunca mostrou muito. Alguma vez se preocupou por talvez estar a mostrar demasiado desse lado?

Não, não. O filho está constantemente com ele. Até dormem parede com parede. Claro que lhe perguntei sobre isso no início e ele disse-me que não tinha qualquer problema em mostrar o filho. Têm uma relação encantadora e a verdade é que o filho acalma-o bastante. Adora estar com ele.

Agora a pergunta da praxe: o que diz e acha o Ronaldo sobre a rivalidade com o Lionel Messi?

Fizemos uma série de entrevistas íntimas, sem câmara, apenas som. Duravam bastante tempo, foi já na parte final das filmagens. Passámos muito tempo a falar disso. Sem dúvida que ele tem um respeito e uma admiração pelo Messi. Reconhece que, sem ele, não seria tão bom e sabe que o mesmo acontece com o Messi. Acho que isso se nota bem numa das últimas cenas do filme [não queremos estragar, mas acontece na última cerimónia de entrega da Bola d’Ouro], em que ambos mostram ser maduros quanto a isso. Claro que há uma rivalidade, mas sempre que falámos disso apenas notei respeito da parte do Ronaldo. E acontece-lhe o mesmo que se passa com o Messi: há sempre muita especulação e não há nada que possam fazer quanto a isso.

Para acabar, uma com rasteira: se o Messi lhe pedisse para dirigir um filme sobre ele, aceitava?

[Ri-se bastante] Acho que já lhe propuseram um filme e ele concordou. Não está nos meus planos realizar outro filme sobre desporto. Portanto, acho que, provavelmente, agradeceria o convite, mas rejeitá-lo-ia com respeito. Mas quem sabe? Claro que ficaria orgulhoso.