A conversa não é logo de manhã nem quando a tarde se está a espreguiçar e a esfregar a pestana. João Sousa está algures a meio dos 351 quilómetros que há entre Valência e Barcelona. O telefonema tem de esperar. Quando o tenista está pronto a falar e o telemóvel toca, a boa-disposição nota-se logo no “‘tou sim?” com que atende a chamada. Pudera: mais ou menos 24 horas antes, João Sousa estava radiante, sorriso rasgado na cara, com os braços a erguerem o segundo troféu na carreira de singulares. Já lá ia o tempo, porque o primeiro caneco aparecera em 2013, na Malásia, e o esforço, porque entretanto o português já estivera e perdera cinco finais de torneios. “Claro que depois de quatro finais perdidas tinha de estar forte mentalmente”, diz-nos. E estava mesmo.
No domingo, João Sousa arrancou algo nervoso a final do ATP 250, em Valência. O tenista admitiu-o e isso fê-lo perder o primeiro set. Roberto Bautista Agut, “um grande amigo”, estava a fazê-lo passar pelas passas do Algarve e o lado bom desta história é que depois o espanhol se foi abaixo porque o português o obrigou a ir. João Sousa quebrou-lhe o serviço, fê-lo correr, acertou muito mais do que errou e acabou a final deitado com as costas no court, aos berros, de braços no ar e com cara de felicidade. Desde Kuala Lumpur o tenista perdera cinco finais — Metz e Bastad, em 2014, Geneva, Umag e São Petersburgo, este ano — e não queria mesmo nada que esta fosse a sexta. “Já conhecia o sabor amargo das derrotas em finais e mentalizei-me para dar tudo o que tinha. Sou exigente comigo e a maior exigência que me impus foi dar o máximo”, conta, quando o Observador lhe pediu para explicar como o que vai na cabeça influencia o que, em campo, se faz com raquete.
E o tenista de Guimarães tem feito muito. A conquista do torneio de Valência fê-lo subir até ao 34.º do ranking ATP e melhorar, outra vez, o título que há muito é dele — o de melhor tenista português de sempre. João Sousa não gosta de falar de números, evita-os sempre, pois “o importante é o nível de ténis” e se houver evolução aí também haverá na classificação que ordena os melhores tenistas do mundo. O português está, cada vez mais, no bom caminho.
Foi a quarta final este ano. Já te estás a habituar?
Bom, habituado também não. Acho que as pessoas já se estão a habituar a que eu alcance algumas finais. Mas a verdade é que não é nada fácil chegar a uma final de um torneio ATP. Se calhar só há uns 30 jogadores no circuito que alcançaram finais este ano. Portanto, acabar o ano com uma vitória é algo que me deixa muito orgulhoso. É o resultado de um tremendo trabalho que nós fizemos durante todo o ano. Estou muito contente.
Aquele momento, na última bola, em que te atiras para o chão e ficas a festejar, aos gritos. O que te passou pela cabeça?
É um cocktail de emoções muito grande, realmente. É o libertar de toda a pressão, daquela exigência do encontro e da urgência de fechar a final. Depois é a explosão de alegria por soltar tudo isso.
Quando chegas ao match-point para fechar um final, vais com a confiança de que estás quase a agarrar-te a um troféu ou uma pessoa treme com os nervos?
Claro, é sempre difícil fechar um encontro, sobretudo um torneio. Existe sempre aquela pressão e o nervosismo miudinho acrescido. Estive a ganhar cinco vezes no terceiro set e não consegui fechar no primeiro serviço, mas consegui lidar muito bem com essa situação e, no meu jogo de serviço, acabei por conseguir fechar o encontro. Obviamente que os nervos aparecem e podem, às vezes, criar uma situação mais complicada.
Antes de uma final, e mais do que a técnica ou o físico, é mais importante preparar o que vai dentro da cabeça?
Sem dúvida. No ténis a parte mental é fundamental. Na final foi isso que decidiu. Entrei um pouco mal no encontro e depois acabei por mudar um pouco o meu jogo taticamente. Acreditei sempre que podia dar a voltar ao encontro e a nível mental acho que estive muito bem. Mantive-me constante durante todo o jogo.
Foi difícil fugir da memória de que já tinhas perdido três finais em 2015?
Estava preparado para isso. Já conhecia o sabor amargo das derrotas em finais e mentalizei-me para dar tudo o que tinha. Sou exigente comigo e a maior exigência que me impus foi dar o máximo. Fui recompensado por todo esse esforço. Claro que depois de quatro finais perdidas tinha de estar forte mentalmente e acho que consegui fazê-lo na perfeição.
Já conhecias o Roberto Bautista Agut há muito tempo?
Sim, sim, desde que começámos a jogar a Futures, que é nível mais baixo dos torneios ATP. Conheço-o muito bem, é um grande amigo. E jogar contra alguém que se conhece tão bem é sempre uma vantagem, porque sei como ele joga.
Ele costuma treinar em Barcelona?
Não, ele treina em Valência. É de Castellón de la Plana, que fica lá muito perto [fica mesmo: são 70 e poucos quilómetros de distância].
Foi a segunda vitória este ano contra ele [a primeira aconteceu no ATP 250 de Umag, na Croácia]. É para testar a amizade?
[Ri-se um pouco] É sempre difícil voltar a defrontar um jogador no mesmo ano. Antes também perdi contra ele. Claro que é importante ter conseguido estas duas vitórias contra um excelentíssimo jogador. Acho que o Roberto é um tenista incrível e foram duas vitórias muito importantes para a minha carreira.
Achas que ele acusou muito a pressão de jogar em casa?
Tudo se junta. Obviamente que tinha essa pressão acrescida de querer fazer o melhor possível por estar a jogar em Valência. Fez uma semana incrível e só tenho que lhe dar os parabéns. Fico triste por ele não ter ganhado o torneio, mas eu dei tudo o que tinha para vencer.
Disseste-lhe alguma coisa especial?
Não. Cada um foi um bocado para o seu canto, para o seu espaço. Temos muita amizade, mas sabemos o difícil que é às vezes aceitar uma derrota. Distanciei-me um pouco para lhe dar espaço e ele deu-me o meu.
Esta vitória valeu-te um prémio monetário de 97.700 euros. Isto é importante?
Claro, o dinheiro é muito bom, mas é o menos. Além de que esses 97 mil euros não são reais. Tenho muitas despesas e depois ainda entram as deduções para os impostos, esse valor é um pouco irreal. Não jogo ténis pelo dinheiro, mas porque é o desporto que amo e porque quero atingir os meus objetivos. Um deles era vencer um torneio ATP e estou muito contente por o ter conseguido.
Fiz a pergunta porque, há uns anos, chegaste a dizer que ao início lavavas a roupa à mão quando jogavas os torneios Future e Challengers.
Sim, mas o lavar a roupa à mão não mudou muito [ri-se]. Ainda antes desta final tive que lavar um polo. Mas é uma coisa que me sinto bem em fazer, é como eu sou. Esta semana foi incrível e não podia ter tido um desfecho melhor.
Sei que não gostas de falar em números, mas estás à porta do top-30 do ranking. É em 2016 que vais conseguir entrar?
O importante é ir evoluindo: se melhorar como jogador isso vai-se notar no ranking. É verdade que não gosto muito de falar em números, prefiro falar sobre o meu nível de ténis e na minha evolução como jogador. Esse é sempre o principal objetivo e é nessa linha que temos vindo a trabalhar este ano.
Quais são as partes do teu jogo que achas que tens de melhorar?
Tudo um pouco. Mental, física e taticamente ainda posso melhorar muito. É sempre bom pensar que temos coisas para evoluir, é aí que definimos objetivos. Faz bem termos a consciência de que podemos e temos sempre de melhorar enquanto jogador.
É verdade que não sabias que a tua família ia estar a apoiar-te na bancada, em Valência?
Sim, soube apenas uma hora antes de entrar no court.
Isso motivou-te ainda mais?
Claro, fizeram o esforço de virem de carro desde Portugal! Não só aí, mas o esforço que a minha família fez durante toda a minha carreira é algo incrível e que me deixa muito orgulhoso. Tê-los presentes na final é algo inesquecível e muito emotivo. Ainda por cima venci.
Aposto que te apetecia voltar com eles para Guimarães em vez de viajares para Barcelona…
Oh, sim, mas bom, ainda vou jogar o Interclubes aqui em Espanha, pelo meu clube. Vou descansar um bocadinho e saborear a vitória por aqui, só depois dessa prova é que logo então vou aproveitar para descansar com a família e os amigos.
Quando tempo costumas ter para descansar?
Entre 10 a 15 dias. Depois começamos logo a pré-temporada. É um bocadinho duro.