Os presidentes da República Popular da China, Xi Jinping, e de Taiwan, Ma Ying-Jeou encontraram-se este sábado em Singapura. Até pode parecer um encontro normal entre dois chefes de Estado não fossem estes os líderes de um mesmo Estado. E não fosse este o primeiro encontro de sempre entre líderes de Taipé e Pequim. Por isso, também já foi esclarecido que da reunião não sairá nenhum acordo nem nenhuma comunicação conjunta – mantêm-se as devidas distâncias. Mas este não deixa de ser um dia histórico tendo em conta as relações bilaterais complexas e de um conflito que teve um princípio, um meio mas não teve, ainda, um fim, até porque os dois países estão ainda em guerra. Mas já lá vamos.

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Mao Zedong declarou a formação da República Popular da China depois da vitória na Guerra Civil chinesa e da expulsão do KMT do país. (Stevenliuyi/Wikimedia Commons)

Estamos em 1949. No fim do conflito armado na Guerra Civil da China. E, como se não bastasse uma guerra que teve início em 1927, é aqui que tudo começa a ficar embrulhado e confuso. Os dois lados da barricada eram o partido Kuomintang (KMT), que liderava, na altura, o país e o Partido Comunista de Mao Zedong. Até houve um intervalo no conflito em 1937, onde os dois juntaram forças para combater os invasores japoneses. Em 1945 até se encontraram para brindar à vitória, mas rapidamente pegaram nas armas para retomar o que tinham deixado parado 12 anos antes. Assim, e no ano de 1949, os elementos e a população apoiante do KMT tiveram de fugir do país depois da vitória comunista. E foram para uma ilha a cerca de 200 km da “terra mãe” China e separada pelo Estreito de Taiwan ou Estreito da Formosa.

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De um lado o partido Kuomnitang, que governava a China, e do outro o Partido Comunista de Mao Zedong. Eram estes os protagonistas da Guerra Civil chinesa. Os comunistas ganharam e os apoiantes do KMT fugiram para a ilha a 200 km do continente. Nasciam assim a República Popular da China e a República da China. E formavam-se dois governos para uma só Nação.  

Pousaram-se as armas mas a disputa continuou. Desde esse ano a China tem dois Governos que reclamam a sua legitimidade. Assim, nasceram a República Popular da China e a República da China (Taiwan). 

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Afinal qual é a verdadeira China?

Desde o início, os Estados Unidos, a NATO e a maioria dos países ocidentais reconheceram a República da China como o Governo legítimo da China. A União Soviética apoiou os comunistas e a República Popular. Os dois Governos reconheciam-se como tal mas nenhum se reconhecia mutuamente. A guerra civil continuava. Nunca houve declaração formal de paz. Até hoje. Por isso, os dois lados continuam, ainda, tecnicamente em guerra.

Em 1979, em plena Guerra Fria, os Estados Unidos mudaram de posição. Com a intenção de ganhar influência contra o inimigo URSS os americanos passaram a reconhecer o Governo comunista como o legítimo para liderar os destinos da China. 

A partir daí as relações até começaram a melhorar. Mas a evolução foi lenta. Nos anos 90 iniciaram-se conversações, mas apenas através de intermediários. Em 1992, e depois de anos de discordâncias, as duas partes até chegaram a um entendimento. Ambos reconheceram que a China era uma só Nação e que cada um defendia a sua supremacia política no país. Ou seja, concordaram em discordar – apesar de tudo, era um primeiro passo. No entanto, continua sem se saber qual deve ser considerada a verdadeira China.

Porque não há entendimento?

Para além de tudo isto há outros fatores que impedem um entendimento. O primeiro será o facto de a população de Taiwan se opor claramente a qualquer medida de aproximação ao continente. Ainda no ano passado centenas de milhares de manifestantes protestaram contra os acordos comerciais com a China continental. Aliás, ficaram famosas as cenas de pancadaria no parlamento de Taipé ou a ocupação do mesmo por parte de um grupo de estudantes que estavam contra os acordos com a China comunista. 

Uma solução que começou a transformar-se em hipótese foi a utilização de um regime semelhante ao utilizado com Hong Kong. Isto é, “um país, dois sistemas”, tornando-se Taiwan uma região autónoma da China. Mas aqui entrou outro obstáculo. A democracia: em 1996 o presidente e líder do KMT, Lee Teng-hui, promoveu as primeiras eleições presidenciais na ilha. A vitória do Partido Democrático Progressista alterou o discurso político: em vez de defender “uma China” passou a promover criação de dois Estados independentes.

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Ma Ying-Jeou, KMT, tornou-se presidente de Taiwan em 2008 marcando um início de novas aproximações com a China continental. Mas a população da ilha nem quer ouvir falar em entendimentos com o Partido Comunista chinês. Por isso, no próximo mês de janeiro, o presidente pode mudar. E as relações de proximidade também. 

A ideia da independência de Taiwan deixou os líderes chineses à beira de um ataque de nervos. Isto significaria perder a região para sempre. Assim, o Executivo comunista lançou mísseis desarmados para o Estreito da Formosa em forma de aviso. Os Estados Unidos responderam mobilizando parte da sua Força Aérea para o local como prevenção e como puxão de orelhas ao Partido Comunista. Em 2005, o parlamento chinês aprovou uma lei onde se previa uma intervenção militar se Taiwan declarasse a independência. Caiam, assim, por terra as pretensões de Taiwan. A guerra não podia sequer ser uma opção. Vivia-se um dos momentos de maior tensão na história recente das relações bilaterais entre os dois.

O regresso do KMT ao poder, em 2008, e a chegada à presidência de Ma Ying-jeou abriu caminho um período de melhoria nas relações.

O regresso do KMT e o encontro de presidentes

O ano de 2008 marcou o início de uma nova fase na diplomacia entre Pequim e Taipé. Nesse ano o KMT, atualmente um partido pró-Pequim, voltou ao Governo, e o seu líder Ma Ying-jeou tornou-se presidente. O novo líder começou a supervisionar a expansão de acordos comerciais e de encontros entre representantes de Taiwan e do Partido Comunista. Este modo de atuação culminou na marcação da reunião entre lideres este sábado. Mas pode também significar uma punição nas urnas.

Taiwan President and ruling Kuomintang (KMT) presidential candidate Ma Ying-jeou makes two victory signs at his supporters after voting results showed that he won the election at his campaign headquarters in Taipei on January 14, 2012. Taiwan's China-friendly leader Ma Ying-jeou claimed victory in presidential polls, in a win that gives him a second four-year term after a vote watched intently by Beijing and Washington. AFP PHOTO / AARON TAM (Photo credit should read aaron tam/AFP/Getty Images)

Ma Ying-Jeou venceu as eleições em 2008 promovendo uma política de aproximação com Pequim. Agora vai encontrar-se com Xi Jinping protagonizando um encontro histórico. Mas o povo não gosta, e Ma pode perder a presidência de Taiwan já em janeiro. AFP PHOTO / AARON TAM

A população da ilha nunca viu com bons olhos a política de aproximação de Ma Ying-jeou. E, nas próximas eleições de 16 de janeiro, as projeções apontam para uma derrota do KMT. Mesmo com a declaração do porta-voz do presidente garantindo que o objetivo do encontro é, apenas, a “manutenção do status quo” para assegurar a paz, o estado de espírito dos seus compatriotas não parece ter acalmado.

Então para que serve o encontro? Nesta reunião onde, e como informou um alto funcionário chinês, Xi Jinping e o seu homólogo se “vão chamar um ao outro ‘senhor'”, o objetivo será promover “a comunicação mútua entre as duas partes, que ajudará a gerir conflitos e diferenças, consolidando uma base política comum”, explicou o mesmo alto funcionário. 

Mas as eleições de janeiro podem explicar muito do que se vai passar em Singapura. Ao que tudo indica, a líder do Partido Democrático Progressista, Tsai Ing-wen, irá vencer as eleições. Se assim acontecer, e sendo este Partido contra as aproximações com a China, esta pode ser a última oportunidade de manter no poder em Taiwan um Governo pró-Pequim. Por outro lado Jinping tem aqui a oportunidade de deixar um legado histórico e de conseguir o que nenhum outro líder comunista alguma vez conseguiu: convencer o seu homólogo de Taiwan a sentar-se na mesma mesa.