Negin estava feliz, nem queria acreditar. Desde que soube o que era música que deixava os ouvidos abertos, como parabólicas apontadas ao céu, e punha-se a escutar tudo quanto era melodia. Apenas o fez a partir dos nove anos, tarde, quando o pai lhe mandou fazer as malas para as desfazer em Kabul. Lá foi ela, criança, sem pais, tios, avós ou família, sozinha para um lar de crianças na capital do Afeganistão, onde descobriu a música que os mesmos tios e avós lhe escondiam em Kunar, província na ponta nordeste do país. “Lá as raparigas não vão à escola e as famílias não lhes permitem estudar música”, confessa, triste pelas amarras que tinha de onde veio e feliz pela soltura que tem onde está hoje.

Mas quase não foi assim. Negin Khpolwak tem 17 anos e deve vários obrigados ao pai por já ter quase metade da vida feita na capital do Afeganistão. Ainda em criança, quando vários familiares souberam que Negin estava em Cabul, começaram a pressionar a mãe — que sorria pela filha estar na escola, mas não achava piada ao facto de lá estar para aprender música. “Um tio meu disse: ‘Nenhuma rapariga na nossa família devia estudar música. É contra a tradição’”, contou, ao recordar a história a uma jornalista da BBC. Foi por culpa deste tipo que a mãe abanou com a pressão e retirou a filha do Instituto Nacional de Música do Afeganistão.

Pouco depois de participar numa audição e ser aceite, Negin voltava para Kunar, uma das províncias onde mais se vê a sombra dos Talibã e o fundamentalismo está mais presente nas cabeças dos afegãos. O pai bateu o pé às tradições e fez de tudo para a filha regressar ao instituto. Mas demorou seis meses a consegui-lo. “A vida é dela. Se quer estudar música, então devia fazê-lo”, resume, bem resumida, a forma como retornou a Cabul. Meses depois estava de novo no instituto e hoje já lá está há quatro anos porque tem jeito para a música.

Negin Khpolwak (L), Gulalai Norestani (2nd R) and Huma Rahimy (R), members of the Afghanistan National Institute of Music Sitar and Sarod Ensemble, perform in the Dean Aceson Auditorium on February 4, 2013 in Washington, DC. The performance kicks of a three-city tour of the US. AFP PHOTO/Mandel NGAN (Photo credit should read MANDEL NGAN/AFP/Getty Images)

Negin Khpolwak, à esquerda, vestida de preto, quando foi convidada a tocar ao Carnegie Hall, em Washington, EUA. Foto: MANDEL NGAN/AFP/Getty Images

Tanto que, em 2013, foi convidada para embarcar num avião e sair em Washington, nos EUA, onde foi tocar sarod — instrumento de cordas, típico da música clássica indiana — à frente de uma plateia no Carnegie Hall, uma das mais famosas salas de espetáculos no país. Diz que “foi incrível”, sentiu-se “muito bem”, embora já na altura quisesse usar as mãos para tocar em teclas e não em cordas: “Sempre me quis tornar uma pianista”. Ao regressar ao Afeganistão, inscreveu-se logo nas aulas de piano e esticou-se um pouco mais no arrojo — começou também a aprender a dirigir uma orquestra. Nunca uma mulher o fizera no país e, no sítio de onde vem, talvez nunca alguém pensou que fosse Negin Khpolwak a primeira a fazê-lo.

Mas foi e isso aconteceu há dias, em Cabul. “Fiquei tão feliz. Chorei quando entrei no palco e vi todas as pessoas na plateia. Quero que o Afeganistão seja como outros país do mundo, onde as raparigas se podem tornar pianistas e dirigir orquestras. Tudo o que quero é ser muito boa a fazer as duas coisas”, explicou Negin à estação de televisão britânica. E tem a possibilidade de o tentar ser ao Instituto Nacional de Música, única escola do género no Afeganistão, erguida em 2010 com ajuda de fundos do Banco Mundial. Hoje tem mais de 200 alunos e um quarto são raparigas, adianta a BBC.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR