O bastonário da Ordem dos Médicos avisou hoje que Portugal e Espanha estão a sofrer com uma “escalada imoral dos preços” definidos pela indústria farmacêutica, que pratica valores “obscenos e criminosos”.

“É preciso mudar o conceito de que estamos a consumir recursos a mais, não é isso que está em causa. O que estamos a sofrer é com uma escalada imoral dos preços definidos pela indústria da saúde, quer a nível de medicamentos como de dispositivos médicos. E isso exige regulação, que deve ser definida e legislada pelos governos”, afirmou o bastonário José Manuel Silva em declarações à agência Lusa.

A afirmação foi feita no final de um encontro em Lisboa com a Ordem dos Médicos portuguesa e a sua congénere espanhola, a Organizácion Médica Colegial de España (OMCE), para debater as preocupações dos dois países sobre a degradação dos serviços de saúde e a dificuldade dos pacientes no acesso a medicação inovadora.

“Assistimos a uma escalada de preços dos bens da saúde que é incomportável”, insistiu o bastonário, indicando que o principal problema tem sido a “disparidade” na avaliação do que é o valor acrescentado de salvar uma vida.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

“Faz com que a indústria esteja a estabelecer preços absolutamente obscenos, absolutamente criminosos, porque estão a impedir muitos doentes de ter acesso a terapêuticas de que necessitam”, sublinhou.

Enquanto medicamentos que salvam vida estão a ter um valor sobredimensionado, segundo o bastonário, “um médico que salve a vida a um bebé que vai ter uma esperança de vida de 85 anos recebe o valor correspondente a uma consulta”.

Esse sistema de definição de preços necessita de regulação, de legislação, de limites, consideram as ordens representativas dos médicos portugueses e espanhóis.

Na Declaração de Lisboa, que selou o encontro das duas ordens, é tido como “imprescindível que o preço dos medicamentos utilizados nos tratamentos tenham em conta os orçamentos nacionais de saúde e que se alcance o necessário equilíbrio entre o acesso a medicamentos inovadores e a sustentabilidade dos sistemas nacionais de saúde”.

O documento defende ainda que os países devem exigir à Comissão Europeia que estude modelos alternativos aos baseados no monopólio das patentes quando se trata de medicamentos ou vacinas produzidos por associações público-privadas.

José Manuel Silva lembrou, em declarações à Lusa, que a indústria farmacêutica aproveita “muitas vezes o investimento público na investigação”: “sejam as bolsas ou os projetos com financiamento público, que geram a descoberta de novos produtos e que dão origem a patentes exploradas pelo setor privado, com incrementos de margem de lucro de milhares por cento nalguns casos”.

“Não estamos à espera que a indústria seja uma Misericórdia”, admitiu o bastonário, lembrando o caso do fármaco inovador para tratamento da hepatite C, que colocou vários governos europeus a tentarem renegociação de preços.

Uma das soluções pode passar pela criação de um fundo à escala global para os medicamentos inovadores, com uma gestão e contribuição que abarcasse os vários países.

“A forma como poderia evoluir teria de ser ainda pensada”, reconheceu o economista Pedro Pita Barros, que hoje deixou a ideia no encontro entre a Ordem dos Médicos e a sua congénere espanhola.

“Se a ideia for pagar a inovação à indústria farmacêutica de uma vez, como uma remuneração imediata, é preciso ter o dinheiro para pagar esse prémio. É preciso ter fundos que venham das contribuições dos países”, referiu.

Contudo, a ideia de como o fundo seria exatamente gerido ainda teria de ser clarificada, podendo ser repartido o seu financiamento pelas vantagens que cada Estado tem com a inovação.

Para a Ordem dos Médicos, o essencial é, em primeiro, mudar o conceito de que se está a consumir recursos a mais: “Se analisarmos os dados da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico), estamos a gastar quer em Portugal quer em Espanha, em termos de despesa pública de saúde, muito menos do que a média dos países da OCDE. Os dois países tiveram um corte anual de despesa pública em saúde correspondente 1 % do PIB”.