As histórias foram escritas para as crianças, mas quem as escreveu tinha alguns fantasmas de infância. Em todos estes contos infantis, explicados pelo La Voz del Muro, os autores misturaram a imaginação com as experiências que eles próprios vivenciaram. Leia estas histórias de uma outra perspetiva. 

1 – Harry Potter e a morte da mãe de J. K. Rowling

GAASH, ISRAEL - JULY 15: The poster for J. K. Rowling's new book Harry Potter And The Half-Blood Prince is seen on display July 15, 2005 at the Tsomet Sefarim bookshop at Gaash in central Israel. Harry Potter hysteria is reaching fever pitch as the sixth volume on the boy wizard is due to be released worldwide tonight, at the exact same time Rowling will unveil her latest bestseller at one minute past midnight at a special ceremony at Edinburgh Castle. (Photo by David Silverman/Getty Images)

Créditos: David Silverman/Getty Images

Quem seguiu desde o início a saga de Harry Potter sabe que o estudante de Hogwarts fica órfão depois de os pais serem assassinados. O que provavelmente não sabia até agora é que também J. K. Rowling, autora dos livros, ficou órfã de mãe aos 25 anos quando esta morreu de esclerose múltipla. Apesar de ter ficado na companhia do pai, a relação entre eles não era muito calorosa e J. K. Rowling acabou por se sentir sozinha. Quando terminou de escrever “Harry Potter e o Cálice de Fogo”, o quarto livro da saga, a escritora enviou uma cópia da obra já publicada ao pai. Dizia “com muito amor da tua primogénita”. Ao fim de três anos, o pai de J. K. Rowling estava a leiloar o livro e arrecadou 48 mil dólares, o equivalente a quase 45 mil euros.

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E lembra-se dos Dementadores? Aqueles monstros das trevas do imaginário de J. K. Rowling que se alimentam da felicidade humana. Pois bem, também eles são o resultado de uma fase da vida da escritora: ela casou, teve uma filha e depois… divorciou-se. E depois veio o desemprego e a depressão. Nesta altura, J. K. Rowling admite ter pensado no suicídio e isso é o que quer mostrar com os seu Dementadores.

Mas não só: já reparou na quantidade de vezes que a morte é abordada nos livros de Harry Potter? A morte tem uma grande importância na obra, seja através de Voldemort, seja nos próprios poderes que o rapaz adquire em bebé quando assiste à morte dos pais. E, claro, em “Harry Potter e as Relíquias da Morte”.

2 – As histórias de uma infância triste de Roald Dahl

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Créditos: Arena Illustration

Em “James e o Pêssego Gigante” o rapaz vê os seus pais a serem comidos por um rinoceronte e vai viver com uma tia maléfica. Em “As Bruxas”, um menino órfão depara-se com algumas bruxas e tenta fintá-las com os conselhos da avó. Em “Matilda”, a rapariga vive com pais negligentes e estuda numa escola em que as crianças são atiradas pela janela. Nos enredos de Roald Dahl a infância infeliz é uma constante. E há um motivo.

Quando ainda era pequeno, Roald Dahl (nascido em Gales, com pais noruegueses) enfrentou a morte da irmã e logo a seguir a do pai. Começou depois a estudar num colégio onde era maltratado pelo diretor. A vida avançou, mas nem depois de casar e ter cinco filhos Dahl teve sossego: um dos filhos sofreu uma grave lesão cerebral depois de ser atropelado, uma das filhas morreu aos sete anos e a mulher teve três derrames cerebrais durante a última gravidez.

Tanta desgraça fez do escritor britânico alguém frio: maltratava uma das filhas perguntando-lhe porque não conseguia ela ser igual à irmã que morrera. E depois internou o filho deficiente, repetindo-lhe que não era uma pessoa normal.

3 – O livro que Kenneth Grahame dedicou ao filho com tendências suicidas

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Créditos: Ernest Shepard

O clássico infantil “O Vento nos Salgueiros” é uma fábula que se passa num lindo dia de primavera em que a toupeira se cansa de estar em casa e decide visitar os seus amigos do bosque. As personagens deste e de outros contos de Kenneth Grahame vieram todos das histórias de embalar que o escritor contava ao filho, Alastair, quando este ainda era uma criança. Os seus contos serão o reflexo do que o escritor acha que deveria ser pai.

Ora, Alastair era um menino doente (entre outras coisas, era cego de um olho) e acabou por conquistar toda a atenção dos pais. Quando já era mais crescido, costumava esconder-se nas bermas das estradas e engendrar planos para provocar acidentes. E insistia que lhe chamassem Robinson, o nome do homem que tentou matar Kenneth Grahame quando o escritor trabalhava num banco.

O escritor escocês enviava cartas com contos ao filho cada vez que estava longe, mas deixou de o fazer a partir da certa altura. Um dia, Alastair suicidou-se numa linha de comboio. Tinha 20 anos.

4 – A Teia de Carlota e uma obsessão de aranhas de E. B. White

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Créditos: Garth Williams

Num livro ou no cinema, “A Teia de Carlota” é do conhecimento de quase todas as crianças. Trata-se da história de um porco chamado Wilbur que trava amizade com uma aranha chamada Carlota que o ajuda a fugir à morte. Podia ser mais um livro que ensina a importância da amizade, da resistência e da beleza interior, mas é também o espelho do carinho que E. B. White tem por aranhas.

Senão veja: em vez de pisar este animal – que tem demasiadas patas para que o humano simpatize com ele – E. B. White seguiu de perto a vida de uma aranha que encontrou no celeiro onde vivia. A dita aranha estava grávida, por isso quando morreu White decidiu guardar os ovos e levá-los com ele para Nova Iorque, para onde se ia mudar. Sim, no meio dos prédios. As aranhas nasceram e cresceram um pouco, mas as empregadas de limpeza de E. B. White persuadiram-no a mandar os bichos embora, para manter a casa em condições.

Foi o que E. B. White fez: foi para a rua em Nova Iorque e deixou as pequenas aranhas entregues a elas próprias. Só que as aranhas… voltaram, e o fascínio de E. B. White continuou.

5 – Maurice Sendak e uma vida familiar caótica

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Créditos: Maurice Sendak

Se o nome não lhe é estranho, saiba que Maurice Sendak é a autora da história de um menino que vai para a cama de castigo depois de fazer um monte de travessuras. Mas elas não acabam no sossego do quarto, já que começa a fantasiar com um mundo repleto de monstros gigantes. Esta é a história de “O Sítio das Coisas Selvagens”, mas podia ser uma caricatura da família da escritora.

A inspiração de Maurice Sendak começa nos tios e tias que a visitavam quando era pequena e que tinham o hábito beliscar as suas bochechas quando chegavam. A ideia assustava a pequena Maurice, que os descrevia a todos como “loucos”.

Mas brincadeiras à parte, parte da história por detrás de “O Sítio das Coisas Selvagens” vem do tempo em que a mãe de Maurice teve de se exilar nos EUA, fugindo da Polónia, por ter tido relações sexuais com mais do que um homem – algo que aconteceu quando a escritora tinha 16 anos.

Outro momento preponderante para a sua vida aconteceu no dia do seu “B’nai Mitzvá”, a cerimónia de apresentação à sociedade dos judeus, quando o pai descobriu que toda a sua família tinha sido assassinada.

6 – Winnie, the Pooh foi real

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Créditos: Ernest H. Shepard

As peripécias protagonizadas por Winnie foram inventadas pelo britânico A. A. Milne enquanto adormecia o filho. O nome é que já existia: pertencia a um urso muito popular entre as crianças inglesas que vivia no Jardim Zoológico de Londres. Já “Pooh” era o nome de um cisne de quem o filho de A. A. Milne gostava muito. Uma história de encantar (a real e a imaginária), mas que tem uma sombra.

Acontece que Milne era um escritor de peças de teatro, novelas e romances. Nome respeitado no meio, só conheceu de facto o estrelato quando lançou “Winnie, The Pooh” e caiu nas graças dos mais pequenos. A partir daí, no entanto, a fama levou-o à desgraça: a obra foi de tal modo bem recebida que mais nenhum editor ou teatro levou a sério as outras obras do autor.

Milne passou a odiar o urso, responsabilizando-o pela dificuldade que tinha em fazer novas publicações. E o mesmo veio a acontecer com o ilustrador do livro, que teve de abandonar os cartonou políticos que preferia fazer antes de ilustrar a obra infantil.

7 – Peter Pan e o irmão morto de J.M. Barrie

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Créditos: Alfaguara

A história de um rapaz que não quer deixar de ser criança pode ser encantadora para o público, mas tem uma morte por detrás dela. J. M. Barrie era o mais novo de dez irmãos. Quando tinha seis anos, o irmão mais velho e preferido da mãe morreu depois de um acidente enquanto praticava patinagem no gelo.

Para consolar a mãe, J. M. Barrie tentava substituir o irmão falecido: comportava-se e vestia-se da mesma maneira que David, para cair nas graças maternas. Mas J. M. Barrie cresceu e deixou de poder substituir o irmão que morrera a fazer desporto aos 13 anos. A mãe não estava preparada, acreditando que filho David seria eterno através de J. M. Barrie e que este nunca cresceria. 

Mais tarde, sem filhos e num casamento falhado, J. M. Barrie escreve “Peter Pan” para os filhos dos casais amigos. Os nomes das personagens foram dados pelas crianças que ouviam as histórias.