O coordenador do programa económico do PS, Mário Centeno, diz que o PS quer virar a página da austeridade, mas “de forma controlada” e “financeiramente responsável”, e acusa o Governo de falta de transparência nos casos do Novo Banco e da TAP. Quanto às reversões anunciadas nas concessões e privatizações, só depois de avaliar os custos para o Estado.

Numa entrevista à RTP3, o deputado socialista e ex-membro do departamento de estudos do Banco de Portugal que António Costa convidou para desenhar o programa económico do PS foi com uma mensagem recorrente: o programa do PS “vira a página da austeridade”, mas de forma controlada e responsável, e que permite cumprir com os tratados europeus.

No entanto, quando questionado sobre o porquê das medidas acordadas com os partidos mais à esquerda, que implicam mais gastos e perda de receita para o Estado, terem um impacto positivo no défice previsto pelo PS, Mário Centeno remeteu para ganhos na economia e multiplicadores orçamentais, sem detalhar.

Mário Centeno afasta ainda o cenário de Portugal seguir o caminho da Grécia com políticas de alívio da austeridade e que com o programa do PS não há risco de novo resgate: “Por causa das políticas que estão neste documento? Não. Com certeza que não”. O responsável socialista responde às comparações com a Grécia com a “imaginação” dos jornalistas internacionais. “Não consigo conter a imaginação dos jornalistas internacionais”.

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O coordenador do programa económico do PS diz ainda que espera que o PSD e o CDS-PP “aprovem todas as medidas com as quais concordem”. “Espero, para bem da honestidade intelectual com os portugueses, que esses partidos tenham a capacidade de votar em consciência”.

Disponível para ser ministro

No final da entrevista, questionado pelo jornalista da RTP3 se já era tratado pelos colegas como ministro das Finanças, Mário Centeno diz que “acho que de forma séria, não”, mas admite que está disponível para fazer parte de um novo Governo do PS.

“A minha disponibilidade para participar nesta aventura intelectual e de debate público, de pensar nas alternativas para a economia portuguesa pode ter esse espaço, neste momento”, respondeu. “Está livre para isso?”, questionou o jornalista. “Exato”, respondeu Mário Centeno.

Reverter privatizações e concessões? Depende

Está previsto no acordo com o PCP, Bloco de Esquerda e Os Verdes a reversão das concessões de transportes em Lisboa e no Porto, mas essa reversão pode afinal não acontecer. Segundo Mário Centeno, o principio orientador do PS será o da reversão, mas estas só avançam depois de estudados os custos para as contas.

“[Estas decisões serão] submetidas a uma avaliação dos danos patrimoniais e orçamentais que cada uma dessas decisões possa ter para o Estado, sendo que é preciso perceber que danos patrimoniais e orçamentais possam estar a ser infligidos ao Estado”, explicou, afastando qualquer confronto político com o PCP, já que as medidas estão no acordo, apenas porque o principio orientador é o da reversão.

O deputado socialista fez questão de deixar um reparo ao Governo, acusando de falta de transparência nos processos de venda da TAP e do Novo Banco.

“Ninguém em Portugal sabe exatamente como é que o processo chegou a este ponto, porque a falta de transparência com que todo o processo foi gerido é a demonstração cabal que a conceção de mercado que este Governo tem é uma conceção bastante estranha para aquilo que deve fazer para questões tão sérias do ponto de vista orçamental e patrimonial, como a TAP”, disse.

Sobre o Novo Banco, Mário Centeno diz que não entende como é que o primeiro-ministro e a ministra das Finanças garantiram que a resolução do BES não teria custos para os contribuintes: “Sempre dissemos que não compreendíamos como é que no contexto da decisão que foi tomada. (…) Não consigo perceber”.

Mudar escalões pode aumentar IRS para os salários mais altos

Não é esse o objetivo, mas não garante que não aconteça. Mário Centeno explicou “não há absolutamente nenhuma decisão” sobre o aumento dos escalões de IRS para aumentar a sua progressividade, foi acordado com os partidos à esquerda, mas admite que se for realizada uma redistribuição significativa através da alteração do número de escalões, que isso pode vir a acontecer.

“Não queremos aumentar a carga fiscal ao conjunto das famílias em Portugal, mas se estivermos a falar de uma significativa redistribuição por essa via, quase que aritmeticamente aquilo que se está a referir [o jornalista da RTP3] poder-se-ia ter que dar. Não há absolutamente nenhuma decisão sobre essa matéria. (…) Achamos que a fiscalidade em Portugal está muito elevada para todos os portugueses que trabalham”, disse, sublinhando que o não é esse o objetivo, mas não afastando definitivamente que venha a acontecer.

Ainda sobre os escalões de IRS, o socialista diz que é preciso olhar seriamente para os para o IRS para perceber se é possível chegar a fazer melhorias, e que nos planos do PS está a criação de um um novo escalão de IRS para apoiar os trabalhadores com mais baixos rendimentos, em especial os que também estão em situação de elevada precariedade laboral.

Sobre o custo, diz apenas que existe e que tem efeito positivo na economia, mas não detalha qual é o valor.

Europa vai aceitar estratégia

Confrontado com a avaliação que a Comissão Europeia terá de fazer às medidas acordadas, Mário Centeno diz que “todas essas medidas estavam no programa de estabilidade” e que o ritmo de redução do défice ser mas lento “é um sinal de política claro e muito forte”, mas que o PS considera que “não põe em causa a participação de Portugal no seio da União Europeia”.

“Antes pelo contrário, porque permite que em Portugal sejam repostas algumas características da economia e da sociedade, por exemplo nas pensões, (…) repor aquilo que é o funcionamento das leis em Portugal. Isso é absolutamente essencial para lançar um conjunto de debates na economia portuguesa”, diz o responsável, que explica que o debate sobre a diversificação de fontes de financiamento da Segurança Social só pode avançar depois de criado “um ponto de alguma tranquilidade dos agentes económicos e sociais face ao futuro da economia portuguesa”.

Dívida é sustentável?

“Acho que a dívida que todos os agentes assumem tem que se partir do principio que é pagável, no sentido que é da responsabilidade financeira de cada um de nós e do Estado, enquanto Estado fazê-lo, mas também acho que é importante realizarmos estudos e percebermos que condições é que temos de criar para que essa sustentabilidade da dívida seja, de facto, concretizada”, respondeu Mário Centeno.

O responsável diz que a análise que se quer fazer não significa “dizer que não se paga, ou dizer que não se paga hoje e paga-se amanhã”, mas sim que é preciso analisar quais as condições necessárias para pagar essa dívida, e que esse debate deve envolver também os credores.