No século passado, França foi sempre um terreno fértil para alcançar a conquista da Europa. Porém, o tema deste artigo não é a guerra, pois essa já acabou. Viajámos até Paris para assistir à conferência da PlayStation na Paris Games Week e para perceber se a ausência da Gamescom foi um erro, mas também se as nossas preocupações de ausência de exclusivos eram fundamentadas, numa altura em que a PlayStation domina o mercado das consolas de nova geração com números avassaladores e que qualquer competição futura parece estar afastada até ao final da geração.

Se analisarmos as vendas de consolas de nova geração, parece difícil que as concorrentes possam recuperar todo o terreno que perderam, culpa de confusas campanhas de marketing inicial e de mensagens contraditórias ao consumidor. Sabendo aproveitar esses erros, a PlayStation concentrou-se na campanha “para os jogadores” e conseguiu alcançar, até hoje, cerca de 29 milhões de PS4 vendidas, contra as estimadas 16 milhões de Xbox One e as parcas 10 milhões de Wii U, uma consola que começou com um ano de avanço, mas que mostrou ser um pequeno desastre de vendas – e que, infelizmente, não permitiu levar a um maior público o catálogo de excelentes exclusivos lançados.

A dominância da PlayStation é mais que óbvia, mas normalmente é um “estado de alma” que, historicamente, conduz a um desacelerar da indústria. A Sony retira o pé do acelerador sempre que está numa posição confortável, que é o mesmo que dizer: abranda o investimento em jogos exclusivos dos seus próprios estúdios.

E porquê a importância dos exclusivos? Porque são estes jogos que obrigam a avanços na indústria. São os jogos que tentam mostrar que uma máquina é mais poderosa que outra; que consegue gráficos mais realistas; inteligências artificiais mais credíveis; ideias de mecânicas de jogo mais inovadoras que a concorrência. Neste campo, mesmo sem vendas, a Nintendo, nos últimos três anos, conseguiu evoluções consideráveis nos seus desenhos de jogo – e daí a importância da “guerra de exclusivos”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Como já referimos num artigo anterior, a conferência da E3 da PlayStation foi um atirar de areia para os olhos e, após a ausência da Gamescom – local onde a Microsoft apresentou exclusivos em catadupa – restava esperar pela Paris Games Week para perceber se a estratégia da PlayStation era uma questão de timing como afirmaram, ou se seria apenas bluff de quem não tinha novidades para mostrar.

Conclusão: é um misto dos dois. Não há novidades para este ano e há poucas para 2016. A estratégia actual da PlayStation passa por um copycat dos últimos anos da Xbox 360: exclusivos temporários de conteúdos third-party, assim como bundles da PS4 com esses mesmos jogos: Call of Duty, Star Wars: Battlefront, Assassin’s Creed Syndicate, entre outros. Tudo o que está na calha sem passar por estúdios de terceiros – cujo perigo para a indústria é trabalharem o jogo para diversas plataformas e não optimizarem para nenhuma em especial – será lançado ao longo de 2016 mas, provavelmente, maioritariamente em 2017.

Para o próximo ano temos apenas três certezas. Uncharted 4, em março, é a bandeira que se agita no ar, o tour de force, o trunfo na manga. Uncharted é sempre sinónimo de vendas avassaladoras e é desenvolvido por um estúdio, Naughty Dog, que sempre produziu jogos de topo, que nunca falhou, que nunca nos entregou um produto menor. O suposto final da saga de Nathan Drake não será exceção.

A outra certeza é No Man’s Sky, o jogo que todos esperam, e também o jogo sobre o qual todos têm dúvidas. Na Paris Games Week a Sony anunciou finalmente uma data de lançamento – junho de 2016 – para o jogo de exploração interplanetária quase infinita, que nenhum analista consegue prever o resultado como sucesso ou falhanço. Ainda para 2016 temos GT Sport, uma versão introdutória a correr no motor que será o próximo Gran Turismo 7 (um género de GT Prologue da PS3), jogo que só deverá ver a luz do dia daqui a um ou dois anos.

Depois surge todo o catálogo de exclusivos do qual não temos a certeza se está previsto para 2016 ou 2017. O grande destaque vai para Dreams, o próximo jogo da Media Molecule, que finalmente nos conseguiu explicar o conceito da sua nova criação. Dreams é um LittleBigPlanet levado ao extremo: ao extremo do realismo, ao extremo das possibilidades de criação, ao extremo da manipulação dos personagens que se assemelham a marionetas. Dreams mostra que poderá ser uma das ferramentas jogáveis mais criativas de sempre, e irá certamente concorrer com Minecraft para plataforma favorita de criação de vídeos e séries no Youtube.

Em segundo lugar nos jogos para um futuro incerto temos Detroit: Become Human, o próximo jogo de David Cage, o criador que é tanto amado como detestado pelos jogadores. Heavy Rain foi quase unanimemente um marco na história dos videojogos. Mas Beyond: Two Souls foi muito criticado por se aproximar demasiado do filme interativo e pouco de um jogo.

Pelo trailer de Detroit – que tomou forma a partir de uma antiga demo tecnológica da PS3 – a história e o universo inspirados em Blade Runner (1982) ou I, Robot (2004) tem tudo para resultar num grande jogo. Resta agora esperar que Cage tenha aprendido qual o equilíbrio perfeito a partir das suas últimas criações e consiga entregar-nos algo inovador que seja, na sua essência principal, um jogo. Mas não o esperem antes de 2017.

Sim, existiram desilusões e incertezas na conferência. Nomeadamente Horizon: Zero Dawn, e Wild. O novo jogo da Guerrilla Games, Horizon, foi jogado em tempo real no palco da conferência e pareceu-nos que recebeu um downgrade gráfico gigante relativamente ao que foi mostrado na E3.

Mas o que mais nos incomodou não foram os gráficos ou as frames por segundo. É que, embora a ideia e o ambiente de Horizon sejam perfeitos para resultarem num grande jogo, o combate pareceu-nos do mais tosco possível. Evitar os ataques de um dinossauro robótico gigante apenas com um movimento de cambalhota parece uma solução preguiçosa e nada recompensadora. Este é um dos jogos que esperamos que saia em 2017 e não em 2016, pois ainda existe muito trabalho pela frente.

Wild é a outra grande dúvida. Tivemos a oportunidade de conversar com Michel Ancel sobre o jogo e o pouco que foi revelado na conferência não ilustra o enorme potencial do jogo que descobrimos à porta fechada. Aquilo que nunca é dito na apresentação — mas que Ancel nos revelou — é que estamos perante um jogo de sobrevivência ao genéro de DayZ ou de Rust.

A novidade deste jogo é que podemos encarnar os animais do mundo em que habitamos. Quando Michel nos revelou que, em testes internos, existiam membros da equipa que fingiam ser javalis, controlados pela inteligência artificial do jogo, para se aproximarem de outro jogador e o atacar de surpresa, percebi o enorme potencial do jogo. Depois, Ancel é conhecido por revolucionar géneros de jogo, com títulos como Rayman, Beyond Good and Evil, King Kong e Rayman Origins. Isso leva-nos a crer que teremos aqui muita vontade da equipa em inovar o género de mundo aberto. A única preocupação é que o jogo está numa fase muito inicial de desenvolvimento e até a data de 2017 pode ser incerta.

Houve ainda tempo para mais alguns pequenos e médios anúncios na conferência, mas o nosso destaque vai para Matterfall e para Alienation, os novos jogos da Housemarque, uma produtora responsável por pequenos jogos digitais como Super Stardust ou Resogun mas que resultam sempre em excelentes e viciantes títulos exclusivos PlayStation.

Finalmente, a grande aposta durante a conferência e, depois, no espaço da Sony na Paris Games Week foi uma tecnologia que nos causa alguma preocupação: PlaySation VR. Na nossa opinião, a Sony parece estar a acelerar demasiado uma tecnologia para ser comercializada no próximo ano, mas que ainda não está pronta para isso. Mas não vamos aprofundar muito neste artigo (na próxima semana, lançaremos um artigo só sobre realidade virtual, onde vamos descrever a nossa experiência em Paris não só com o PlayStation VR mas também com o Oculus e com o impressionante Vive da HTC e da Valve).

Face aos concorrentes, o capacete da Sony é o que tem a pior resolução de imagem, algo que diminui a experiência de imersão tão necessária nesta tecnologia. Numa palestra exclusiva a que tivemos acesso com Shuhei Yoshida, presidente da Sony Worldwide Studios, e com outros estúdios que estão a desenvolver para o PlayStation VR, a frase mais referida sobre esta tecnologia era nos próximos 5 anos. Achamos que a Sony está a adiantar uma comercialização de um produto inferior, que pode resultar num impacto menor junto do público.

Em suma, a presença da PlayStation na Paris Games Week parece-nos uma estratégia totalmente errada. A feira francesa tem das piores organizações de um evento a que já assistimos: sobrelotada (300 mil pessoas), num local demasiado pequeno e até perigoso ao nível das condições de segurança. A enorme proximidade dos pavilhões, somada ao excesso de visitantes, podia ter tido um resultado trágico. Se o público tem várias oportunidades, já os jornalistas veem-se em condições quase impossíveis de trabalho.

Resta-nos desejar que, no próximo ano, a PlayStation resolva regressar à Gamescom, onde há áreas distintas para o público e para os média e onde uns podem gritar, vibrar e apanhar as t-shirts apanhadas ao ar, enquanto os outros podem experimentar e escrever sobre os jogos, longe dos holofotes e das colunas gigantes.

Agradecemos ainda a oportunidade exclusiva que a Sony concedeu ao Rubber Chicken e ao Observador para entrevistar James Armstrong, vice-presidente sénior no Sul da Europa e CEO de Espanha e Portugal da Sony Computer Entertainment, que apresentamos de seguida (entrevista em inglês, não legendada).

[jwplatform F9Zsn1ho]

Miguel Tomar Nogueira, Rubber Chicken

O Rubber Chicken viajou a Paris a convite da Sony PlayStation.