Não poderia votar contra porque o PS é um partido central no projeto europeu, mas também não poderia votar a favor porque isso colaria o PS à direita, afastando-o da esquerda. Sobra, por isso, a abstenção. É assim que, confirmou o Observador, o PS deverá votar o projeto de resolução do PSD/CDS que recomenda a “reafirmação dos compromissos europeus e internacionais” a que Portugal está vinculado, do euro ao Tratado Orçamental, passando pelo Plano de Estabilidade e a união bancária. Sobre a NATO e o tratado comercial transatlântico (TTIP), temas que a direita também vai levar ao Parlamento esta quinta-feira para confrontar a esquerda com as suas divergências, o PS deverá votar favoravelmente, já que o texto é “inócuo”.

Trata-se tudo de temas sensíveis à nova união da esquerda, que a direita quis levar para o centro da discussão para obrigar os partidos a falar sobre eles e, eventualmente, a pôr a nu as suas divergências. São conhecidas as diferentes opiniões entre PS, PCP e BE sobre o assunto – assim como as exigências do Presidente da República sobre o facto de o Governo português ter de se comprometer com as metas e compromissos internacionais.

“O diploma foi feito para criar a sensação de que o PS [depois do acordo que fez com os partidos à esquerda] se afastou do projeto europeu”, critica o deputado socialista Vitalino Canas em referência ao texto sobre os compromissos europeus, afirmando ao Observador que o PS propôs aos sociais-democratas que “aceitassem alterações ao diploma, para dar uma visão mais equilibrada da Europa”, mas sem sucesso. No diploma, que foi discutido esta tarde no Parlamento e vai ser votado na sexta-feira, PSD e CDS defendem que a “confiança” das empresas, famílias, e investidores externos em Portugal deve ser reforçada e por isso instam os partidos a “reafirmar com clareza os compromissos europeus e internacionais de Portugal”.

Ao Observador, Vitalino Canas, responsável pelos Assuntos Europeus dentro do partido, afirma que o projeto de resolução dos sociais-democratas é “insuficiente” e “incipiente”, uma vez que “esquece as bases de coesão social do projeto europeu” e se centra na “visão financista” da Europa.

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Para o PS, não é o que está escrito no diploma que impede a votação favorável, mas sim o que não está. “Faltam referências à visão social da União Europeia e faltam referências ao compromisso que já se obteve sobre a necessidade de fazer uma leitura inteligente do Tratado Orçamental”, diz, lembrando que o comissário europeu para os assuntos económicos e financeiros, Pierre Moscovici, já admitiu que alguns países “em situações vitais” possam não cumprir os critérios do tratado orçamental. É o caso de França, devido ao atual “esforço de guerra”, e da Alemanha, devido ao esforço relacionado com o acolhimento de um elevado número de refugiados.

Sobre o facto de os partidos mais à esquerda, com quem o PS fez acordos para governar, não terem a mesma visão do cumprimento dos tratados e metas, Vitalino Canas desvaloriza e reafirma que as posições do PS, PCP e BE sobre o assunto “sempre foram conhecidas”, pelo que cada um mantém a sua autonomia para votar como entender. As questões europeias e da integração de Portugal nos compromissos internacionais como a NATO ficaram desde o início de fora dos acordos que os partidos da esquerda assinaram para viabilizar um Governo do PS.

Já quanto ao projeto de resolução sobre política externa portuguesa, onde o PSD e o CDS pretendem “reafirmar o empenho de Portugal” na NATO e nas parcerias internacionais, como a CPLP ou o acordo de comércio transatlântico entre a Europa e os EUA, o voto dos socialistas deverá ser favorável. Isto porque, segundo disse ao Observador Vitalino Canas, o texto da direita é “inócuo” (“nada do que está escrito suscita dúvidas”), ainda que aparente um caráter “insólito”. Insólito porque, diz, centristas e sociais-democratas referem as relações bilaterais de Portugal apenas com os EUA, deixando de fora os restantes Estados que também fazem parte da política externa nacional.

Os dois projetos de resolução do PSD e CDS sobre compromissos europeus e política externa portuguesa deram entrada no Parlamento a 28 de outubro, numa altura em que a esquerda estava no auge das negociações para chumbar o Governo da direita e viabilizar a alternativa liderada por António Costa. Foram as primeiras iniciativas da direita nesta legislatura.

Um “não debate” sobre o tema

No debate parlamentar desta quarta-feira sobre o tema, Luís Montenegro subiu à tribuna da Assembleia para pedir claramente uma resposta aos partidos, em especial aos socialistas: “Continuam ou não empenhados na participação de Portugal na UE e na zona euro? Continuam ou não empenhados na implementação da união bancária? Respondam sem subtilezas”, pediu, defendendo que só esse reforço permite “garantir a credibilidade e confiança no Estado português e com isso ter mais emprego, mais economia e mais saúde financeira”. 

Mas “PSD e CDS foram à lã e saíram tosquiados”, disse Vitalino. Que é como quem diz que a maioria de esquerda se uniu para dizer que não é o PS que tem de “reafirmar” o seu empenho no projeto europeu, mas é sim a direita que deve “esclarecer” se pretende “votar contra tudo o que vier de outro Governo, que não o deles”, particularmente no que às questões europeias diz respeito. Segundo Vitalino Canas era esta a oportunidade para PSD e CDS “afirmarem claramente que continuarão a votar pela Europa qualquer que seja o Governo do País”.

Pelo Governo, também o ministro dos Assuntos Parlamentares, falou no Parlamento para defender a “escolha” que foi feita há 30 anos no sentido da integração de Portugal na União Europeia. O projeto europeu, segundo lembrou Carlos Costa Neves, tratou-se e trata-se de um “projeto nacional e interpartidário” que depende sempre do “apoio inequívoco e livre das forças políticas e dos consensos que elas forem capazes de fazer”, disse, pressionando o PS. 

O PCP, que se manteve ausente do debate até ao fim, fez apenas uma intervenção para dizer que o debate em causa se tratou de um “não debate”, já que, independentemente da aprovação ou chumbo do projeto, “não terá nenhuma consequência prática na realidade” portuguesa e europeia. Os projetos de resolução, ao contrário dos projetos de lei, são diplomas de recomendação ao Governo e não propostas legislativas em si mesmas.

*artigo atualizado após debate na Assembleia da República