Colocar uma lata de biscoitos ou uma caixa de sapatos em frente a uma paisagem e esperar que saia dali uma fotografia. O que parece um golpe de magia chama-se fotografia estenopeica e há anos que António Campos Leal as tira com mestria. Trinta das imagens que captou no Arquivo/Biblioteca da Marmeleira, de José Pacheco Pereira, são publicadas em Luz nos Livros, que a Tinta-da-China edita a 27 de novembro.

Depois de uma carreira feita no fotojornalismo, António Campos Leal, 63 anos, cansou-se de retratar pessoas. De há uns tempos para cá, são os alfarrabistas e as livrarias que mais lhe atraem a atenção. “Fotografo muito ambientes interiores em que o livro tem importância. Ao fim e ao cabo, o interior também é um retrato das pessoas” explica ao Observador. 

Luz nos Livros é então, em simultâneo, o retrato do Arquivo/Biblioteca da Marmeleira — o maior arquivo privado do país — e do homem que o constrói desde a adolescência, o historiador e comentador político José Pacheco Pereira. Mas é um retrato em formato pinhole, ou estenopeico em português. É que se retratar pessoas já não interessa muito ao fotógrafo nascido no Peso da Régua, o hiper-realismo, a “representação perfeita de tudo”, também não, preferindo a técnica do pontilhismo.

luz nos livros antónio campos leal

“Luz nos Livros” é editado pela Tinta da China e custa 14,90 euros

Há pelo menos sete anos que António Campos Leal fotografa a biblioteca. Começou com a sua primeira câmara digital, e a leitura que fez do espaço foi no sentido do “rato de biblioteca” que é cliente habitual destes espaços. “O meu crescimento intelectual foi feito à custa de bibliotecas”, conta. Mais tarde, começou a prestar atenção à relação que a luz provocava durante o dia no percurso do arquivo. “Uma situação que para mim é muito importante no discurso fotográfico, que é a representação do tempo”, recorda. “O tempo é uma das razões estéticas da representação, pelo que comecei a usar o trajeto que a luz desenhava.” E a fotografia estenopeica revelou-se a melhor opção para fazer isso.

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José Pacheco Pereira começou então a reparar em estranhas caixas de bolachas espalhadas pelo espaço. Ao perceber que não eram apenas resultado do desleixe de um qualquer guloso, mas sim peculiares máquinas fotográficas, “ficou entusiasmado, achou interessante”, conta António Campos Leal. Não só o estimulou a continuar como lhe disse que o terceiro volume que iria publicar pela recém-criada coleção Ephemera, na Tinta da China, seria sobre as suas fotografias.

António Campos Leal tem pena que a maior parte dos profissionais não dê importância à fotografia estenopeica, talvez por ser um processo ser fácil, arrisca. Mas se qualquer pessoa pode construir uma máquina em casa, a precisão do furo e a sua adequação aos diferentes objetivos do fotógrafo têm que se lhe diga. “Cada vez uso menos as câmaras feitas por fabricantes porque a precisão do furo é extremamente importante”.

O fotógrafo lembra-se bem do momento em que descobriu esta técnica. “Tinha a porta do meu quarto fechada e a luz que passava pelo buraco da fechadura formava no meu armário de livros, que era branco, a imagem da janela e do edifício em frente. Notava-se perfeitamente o azul do céu”. Com formação em química e os muitos livros de fotografia comprados com os primeiros ordenados que ganhou, juntou os dois conhecimentos. Depois de alguns testes caseiros, fez a sua primeira foto estenopeica: o farol da Foz do Douro, no Porto, onde vivia na altura.

Grande divulgador desta arte em Portugal, e dinamizador do “Worldwide Pinhole Photography Day”, que se assinala a 26 de abril, António Campos Leal começa este sábado, no espaço cultural Com Calma, em Benfica, Lisboa, uma oficina dedicada à fotografia estenopeica.