A 23 de outubro de 2013, Lula da Silva vinha a Lisboa para a apresentação do livro “A confiança no mundo”, de José Sócrates. Perante uma plateia recheada de figuras do Partido Socialista, o ex-Presidente do Brasil deixava o desafio ao ex-primeiro-ministro português: “Tem que voltar a politicar, é muito cedo para deixar a política“.

Daí para cá, muita coisa mudou: há precisamente um ano, a 21 de novembro de 2014, o ex-primeiro-ministro era detido no aeroporto de Lisboa no âmbito da Operação Marquês, por suspeitas de fraude fiscal, branqueamento de capitais e corrupção. Esteve nove meses preso preventivamente em Évora, mais dois em prisão domiciliária. Agora, aguarda acusação em liberdade e está de novo de volta à estrada. Logo na primeira conferência sobre justiça e política, em Vila Velha de Ródão, José Sócrates deixou um recado claro: “Todos os meus direitos políticos estão intactos e tenciono exercê-los“. 365 dias depois, é caso para perguntar: qual pode ser o futuro político do ex-primeiro-ministro?

José Sócrates foi um líder forte e carismático. É evidente que há muita gente que possa querer dele que muita coisa aconteça“, começa por dizer ao Observador André Figueiredo, ex-deputado socialista e antigo chefe de gabinete de Sócrates no Largo do Rato. O antigo primeiro-ministro “goza hoje de todos os direitos que um cidadão comum goza numa sociedade justa”, sublinha.

É possível imaginar Sócrates como candidato presidencial em 2021, por exemplo? André Figueiredo não quer entrar por aí. O facto de existir muita gente que respeita o antigo líder socialista “não significa” que José Sócrates esteja disposto a entrar numa futura corrida a Belém ou a regressar à política ativa. Está tudo nas mãos do ex-secretário-geral do PS, insiste, embora não deixe de lembrar que “lamentavelmente, injustificadamente e… [André Figueiredo faz uma pausa para medir as palavras] de forma pensada” o ex-primeiro-ministro tenha sido sujeito a um processo que implicou a “privação da sua liberdade” e que nunca deveria ter acontecido “num Estado de direito”.

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Mais parco em palavras, José Lello, dirigente socialista, próximo de José Sócrates e um dos maiores críticos da forma como a investigação tem conduzido todo processo, prefere deixar apenas uma nota: “Já passou um ano e acusação népias. Quanto ao resto, veremos“.

O mesmo José Lello que anunciou publicamente a decisão de faltar à reunião da Comissão Nacional do PS, a 7 de novembro, por ter sido “oportunamente convidado pelo ex-secretário-geral do PS” para estar presente em Vila Real, na segunda aparição pública de José Sócrates desde a sua detenção. Estaria na fila da frente de um auditório sobrelotado e composto por muitos autarcas e ex-autarcas da região.

À chegada à cidade transmontana, o ex-secretário-geral do PS era recebido com gritos de “José Sócrates à presidência“, contava o Expresso. Prova de que existe quem, entre os apoiantes do antigo primeiro-ministro, alimente a esperança de ver Sócrates com a chave de Belém. Mais uma vez: “Presidenciais 2021” podem ser um objetivo no horizonte de Sócrates?

Ele é que saberá o caminho que vai seguir. Não tenho nenhuma bola de cristal“, responde Renato Sampaio. O líder do PS-Porto manteve sempre uma posição clara: acredita na inocência do ex-primeiro-ministro, mas o momento é de silêncio e de esperar que a “justiça e a verdade imperem”.

No dia em que José Sócrates deixou a cela número 44 do Estabelecimento Prisional de Évora para o número 33 da Rua Abade Faria, em Lisboa, a 4 de setembro, não faltou quem felicitasse o ex-primeiro-ministro, incluindo o próprio Renato Sampaio. Na altura, em declarações ao Observador, a deputada socialista Isabel Santos admitia mesmo que “havia muitos amigos eufóricos” com a libertação do antigo nº1 do PS. 

Hoje, desafiada a comentar o possível futuro político de José Sócrates, a apoiante de primeira hora do ex-primeiro-ministro, prefere não se alongar. “Ele lá sabe o que quererá fazer da vida dele“. 

A onda que começou a crescer em 2013

Isabel Santos não é a única a agir assim. O círculo mais próximo de José Sócrates divide-se entre o “não me quero pronunciar” e o “futuro [político] de José Sócrates a ele pertence”. Ao Observador, foram poucos os quiseram falar abertamente sobre o possível futuro político de Sócrates. Mas nem sempre foi assim. A possível candidatura de José Sócrates a Belém chegou a ser analisada em horário nobre, quando o ex-primeiro-ministro regressou à televisão para comentar a vida política portuguesa. Na concorrência, Marques Mendes criticava a decisão da RTP e atirava: “Ele não vai ser comentador, isso é meramente um instrumento para um objetivo: quer limpar a imagem, reabilitar-se para daqui a dois anos ser candidato a Presidente da República“.

Em agosto, o próprio José Sócrates vinha colocar um travão aos rumores. “Não vou candidatar-me”, mas “não ponho de lado nada para o futuro“, dizia ao jornal moçambicano “O País”. 

No entanto, a hipótese “José Sócrates a Presidente” não esmoreceu nesse verão e continuava a alimentar a vida política nacional. Em janeiro de 2014, António Costa, então ainda presidente da Câmara de Lisboa, era desafiado pelo Jornal de Negócios a comentar a possível corrida presidencial do ex-primeiro-ministro. José Sócrates tem “perfil para tudo” mas a Presidência da República não parece ser o “género de atividade que o entusiasme”, respondia Costa.

Com a renovação da direção socialista, depois de umas primárias em que a herança socrática foi arma de arremesso entre seguristas e costistas, José Sócrates deixou de ser tema tabu no PS. A obra do ex-primeiro-ministro passou a ser lembrada abertamente no Parlamento, como recorda o jornal Sol. No debate do Orçamento do Estado para 2014, Ferro Rodrigues, então líder parlamentar socialista, defendia-o; o deputado Jorge Lacão dizia haver uma “obsessão de assassinato político” da direita em relação a Sócrates; e João Galamba reforçava: existe um “trauma psicanalítico com Sócrates que continua a afetar muita gente em Portugal“.

Mas nem assim Sócrates viu a passadeira estendida para Belém. Com meio partido a suspirar por António Guterres para candidato presidencial e sem substituto, aparentemente, à altura, era a própria direção do partido a fechar a porta a Sócrates. “Ainda não vi ninguém entre os socialistas mais ativos a colocar a hipótese José Sócrates. Não está nos planos de ninguém”, confidenciava ao mesmo jornal fonte do núcleo político de Costa. “Acho que não é recuperável, pelo menos num futuro próximo. Se Guterres for para secretário-geral da ONU, não é José Sócrates a alternativa“, acrescentava um dirigente socialista.

A detenção logo à saída da manga do avião no aeroporto da Portela veio colocar um ponto final na especulação – José Sócrates tinha agora outra batalha pela frente e esta não era política. Ou melhor, para o ex-primeiro-ministro são uma e a mesma coisa. José Sócrates já o disse várias vezes: o processo construído contra si teve como objetivo impedir que o PS vencesse as eleições e ele era, na verdade, um preso político. Essa é a sua narrativa e tem-na mantido em todos os momentos.

E agora está de volta à estrada. Na tal conferência em Vila Velha de Ródão comparou-se a Luaty Beirão e acrescentou: “Não sei têm reparado, é que as autoridades angolanas respondem a esta questão como respondem as autoridades portuguesas, em que dizem que ‘à justiça o que é da justiça, à política o que é da política‘” – uma fórmula, curiosamente, repetida por António Costa sempre que o assunto é José Sócrates. Semanas depois, repetiu a experiência em Vila Real, no dia em que o PS discutia na Comissão Política Nacional, o futuro do partido. 

No domingo, reúne-se com um grupo de amigos num almoço em Lisboa na Feira Internacional de Lisboa (FIL) – terá ao seu lado Mário Soares, seu defensor desde a primeira hora. Para breve, já prometeu uma entrevista completa, a primeira com direito a contraditório desde a noite de 21 de novembro de 2014. Por altura da primeira conferência, André Figueiredo, antigo chefe de gabinete de Sócrates, escrevia no Facebook “será apenas o início…“. Sim, mas o início de quê? Essa é a pergunta de um milhão de dólares.