As principais espécies endémicas da ilha cabo-verdiana do Fogo foram poupadas pela erupção vulcânica, mas o trabalho feito com a comunidade na sua preservação ficou muito dificultado, disse à agência Lusa Alexandre Nevesky, diretor do Parque Natural.

Exatamente um ano depois do início da erupção vulcânica na ilha do Fogo, começam a chegar os primeiros resultados da monitorização dos seus efeitos sobre as espécies da ilha.

“Há dois meses começámos o levantamento da flora dentro da caldeira, onde decorreu a erupção vulcânica, para vermos se houve uma alteração significativa da cobertura vegetal em termos de endemismos do parque. E os resultados que temos são excelentes. As espécies que tínhamos mais preocupações não foram afetadas pela erupção”, disse à agência Lusa Alexandre Nevesky.

Entre estas espécies está a pterodroma feae ou gon-gon (alma penada), uma ave emblemática do Parque do Fogo, de que existem apenas três espécies no Atlântico, duas na Madeira e uma em Cabo Verde.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

No Fogo está identificada uma população de 250 indivíduos, incluindo 50 casais reprodutores.

Alexandre Nevesky explicou que a erupção aconteceu precisamente durante a época de reprodução da ave, adiantando que “felizmente esta não foi afetada” e que os ninhos ficaram intactos.

Mais afetados foram, segundo o responsável do parque, os répteis, embora não existam ainda dados definitivos da monitorização desta espécie.

“Os répteis utilizam mais as pedras para fazerem os seus habitats e como houve uma cobertura [de lava] bastante significativa daquela parte da caldeira, acreditamos que possa ter afetado o habitat dos répteis”, disse.

“Nenhuma destas espécies corre risco de desaparecer porque as populações estão bem distribuídas pela ilha. Não vamos ter casos de perda de espécies, podemos ter casos de perda de um ou outro habitat, mas que será possível recuperar”, acrescentou.

Relativamente à flora, Alexandre Nevesky explicou que os técnicos do parque natural já fizeram a recolha dos dados nos 18 pontos de amostragem que existia no interior da cratera, estando agora a ser analisados.

“As zonas mais afetadas são onde existiam residências e onde havia agricultura. Há algumas plantas endémicas onde se pratica agricultura, mas são em quantidades muito insignificantes”, disse, lembrando que a parte mais rica do parque em termos de biodiversidade endémica fica fora da cratera, na zona mais protegida conhecida como Bordeira e na floresta de Monte Verde.

O Parque Natural do Fogo abrange toda a área da ilha acima dos 1.500 metros na vertente oriental e acima dos 1.800 metros na vertente ocidental, incluindo a serra que limita a cratera original, o planalto interno – Chã das Caldeiras – e o cone do Pico, que se ergue 2.829 metros acima do nível do mar.

A maior parte do Parque situa-se na zona semiárida da ilha, onde os solos são cobertos de diferentes camadas de cascalho de lava das várias erupções ao longo dos séculos.

A vegetação é composta sobretudo por espécies endémicas e, no Fogo, é possível encontrar 37 das 82 espécies de plantas endémicas de Cabo Verde.

A língua de vaca, o lantisco, a losna, a mostarda-brabo, o piorno e o funcho são plantas endémicas.

Em termos de fauna, foram identificadas no Fogo 100 espécies de besouros, 13 das quais endémicas da região, 33 espécies de aranhas e 18 espécies de aves que nidificam na ilha, três das quais endémicas do parque.

Nestas inclui-se o gon-gon, que nidifica na parede interna da Bordeira durante a noite e voa durante o dia para o mar para procurar alimento.

Com o apoio da Universidade de Barcelona e em parceria com as comunidades, o Parque Natural têm vindo a desenvolver um trabalho de sensibilização das populações para importância de preservar o gon-gon.

Trabalho que, segundo Alexandre Nevesky, está agora mais dificultado devido à dispersão da comunidade por diversos pontos da ilha e ao facto de a sede do parque ter sido destruída pela erupção e os técnicos trabalharem agora a partir da cidade de São Filipe.

Com a perda da sede e com a classificação do planalto como zona de calamidade gerida pela Proteção Civil, o Parque perdeu também a capacidade de intervir naquela zona.

Do edifício-sede do Parque, inaugurado em 2013 restaram apenas os escombros e Alexandre Nevesky quer agora construir um novo edifício com as mesmas características, mas reconheceu que não vai ser fácil.

“Temos a maquete e os equipamentos e estamos a pensar na possibilidade de construir um novo edifício com a mesma filosofia de adaptação ao espaço, bioclimático, que consiga captar a maior quantidade de água das chuvas, a funcionar com energias renováveis. Esta filosofia vai continuar, claro se tivermos recursos”, disse.

Evocando as dificuldades para mobilizar os fundos para fazer a recuperação total do Fogo, o diretor do parque sustentou que a prioridade terá que ser sempre as pessoas.

“Primeiro vamos preocupar-nos em dar moradia condigna às pessoas. Vamos trabalhar no bem-estar das pessoas e depois vamos preocupar-nos com a questão da infraestrutura”, disse.