Todos os clubes são diferentes, embora haja algo em que quase todos são iguais. A melhor hora para treinar é de manhã, bem cedo e pela calada. Depois vem a parte em que os jogadores se espreguiçam na cama enquanto abrem um sorriso na cara, por saberem que estão a despertar cedo para ir fazer o que mais gostam — e o resto está no ditado popular do quem corre por gosto não cansa. É tudo bonito até ao dia em que alguém começa a sentir “que vai para a oficina” quando é altura de ir treinar. Ou que ao treinador “falta sempre um quê de diversão” num desporto em que rematar uma bola para dentro da baliza dá sorrisos a tanta gente. E Antonio Núñez sentiu isto muitas vezes no ano (2004/05) que passou com Rafa Benítez.

O espanhol acha “que o futebol é um jogo” e “há uma parte em que o jogador precisa de se divertir enquanto treina”. Não é por acaso que se chama felizardo a quem adora a profissão que lhe paga as contas e consegue fazer o que gosta. Mas daí a dizerem que “os futebolistas não têm direito a pedir diversão” vai uma longa distância, como dizia Núñez ao El País, no verão, quando lhe perguntaram como era o treinador que estava prestes a ir dar ordens aos jogadores do Real Madrid: “Isto é um jogo e para as equipas estarem bem, têm que se divertir um pouco”. Não era o único a pensar assim, porque hoje Benítez parece estar a levar com a resposta dos jogadores merengues à pergunta que David Albelda, outro que treinou em tempos (entre 2001 e 2004), atirou para o ar — “O que farão quando virem que não se divertem?”.

Muitos jornais espanhóis escreveram que lhe estão a passar a perna. Que não acreditam nele, que estão fartos dos treinos e até que “já ninguém o aguenta, tanto os que jogam como os que não jogam”. E isso pode explicar, em parte, o porquê de Florentino Pérez ter achado que era melhor vir a público falar, esta segunda-feira, um dia após os merengues serem atropelados em casa (4-0) pelo Barcelona. “Afirmo rotundamente que Rafa Benítez tem uma boa relação com os jogadores”, garantiu o presidente do Real do Madrid, ao tentar afastar com as palavras todos os rumores que têm sido disparados para desde o clássico de sábado. E não são poucos.

MADRID, SPAIN - NOVEMBER 21: Luis Suarez (3dL) of FC Barcelona celebrates their victory with his teammates as Gareth Bale (L) and Sergio Ramos (R) of Real Madrid CF react defeated after the La Liga match between Real Madrid CF and FC Barcelona at Estadio Santiago Bernabeu on November 21, 2015 in Madrid, Spain. (Photo by Gonzalo Arroyo Moreno/Getty Images)

O goleada de sábado foi a terceira que o Barcelona deu ao Real Madrid este século: em 2008/09 foram os 6-2 no Bernabéu e em 2010/11 houve os 5-0 em Camp Nou. Foto: Gonzalo Arroyo Moreno/Getty Images

Noticiou-se que Rafa Benítez não teve palavra a dizer na construção do plantel Florentino ergueu sozinho e que homens como Sergio Ramos, Luka Modric ou Cristiano Ronaldo nunca quiseram que Carlo Ancelotti, o antecessor, se fosse embora. O jornal Marca, após dizer que falou com vários jogadores da equipa, escreveu que se houvesse uma votação para decidir se o treinador ficava ou ia embora, “não sacaria mais de cinco ou seis votos a favor”. Os rumores sussurram que o técnico dará pouca liberdade para os jogadores improvisarem e, sobretudo, tem aprisionado o abono de golos numa posição onde não gosta de estar. E quando se algo do qual Ronaldo não gosta, o português deixa de estar feliz, di-lo a toda a gente e cria um problema para a equipa. E para ele próprio, já que o Cristiano desta época não está a ser o mesmo das cinco temporadas anteriores.

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Hoje o português está como não costuma e tem mais jogos feitos do que golos marcados (16 e 13). E isso pode ter algo a ver com o facto de Ronaldo estar a jogar como um avançado que está sempre na área e não como um que lá aparece vindo de uma lateral do campo. O El País pôs-se a fazer contas e revelou que nunca o capitão da seleção nacional acertou tão poucos remates na baliza — só 12% dos que já fez, comparando com os 22,3%, 19%, 18%, 26,3% das últimas épocas. Cristiano não gosta de jogar a nove e já o terá dito várias vezes a Rafa Benítez, que nada tem mudado. Mas o presidente insiste que está tudo bem com o português. “O Cristiano nunca me disse que com este treinador e com esta equipa não vamos ganhar nada. É um bom tipo, jamais disse fosse o que fosse”, explicou Florentino Pérez. E tanto ele como o treinador já estariam avisados de que manter Ronaldo bem-disposto era meio caminho andado para o Real não ter problemas.

Tanto que alguém próximo de Benítez o terá avisado, no início da época: “Cuidado. Não vás contra o Ronaldo, que a tua sorte depende dele”. Certo é que o português continua a jogar a “9” — como o tem feito na seleção nacional — e nos últimos tempos tem-se fartado de dizer que não sabe se o seu futuro é continuar no Real Madrid. Numa equipa que agora está em terceira na liga espanhola, a seis pontos da liderança do Barça, a jogar um futebol que os adeptos criticam mas no qual Florentino vê esperança. “Rafa Benítez acaba de começar o seu trabalho. Deixemo-lo trabalhar, que seguramente os triunfos vão aparecer. Ele tem toda a confiança da direção e foi escolhido pelo seu profissionalismo, pela trajetória, pela experiência e pela capacidade demonstrada para sacar o máximo rendimento a este plantel”, argumentou o presidente merengue, à medida que os jornalistas lhe iam disparando perguntas sobre os rumores que andam a circular em torno do clube.

Para o fim ficou não um rumor, mas algo no pedido que se ouviu e leu no sábado, no Santiago Bernabéu — a demissão de Florentino Pérez. Mas nem pensar, disse ele. “Respeito os adeptos e os sócios, entendo o seu nível de exigência. O “Florentino dimisión” começa sempre pelos mesmos. Desde que decidimos que os violentos Ultra Sur não iam entrar mais nestes estádio que eles utilizam tudo o que está ao seu alcance”, disse, para se defender, acusando a claque organizada à qual baniu a entrada no Santiago Bernabéu de estar a puxar os cordelinhos numa campanha o tirar da presidência do Real Madrid. De resto, Florentino diz que no pasa nada: “Estou bem, sou avô e tenho seis netos. Só me chateiam as críticas que são mentira”. O problema é quem está deste lado perceber quais é que são verdade.